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OPRESSÕES

Mais uma vítima letal do machismo: reflexões por ‘Nem uma a Menos’

Por: Karen Oliveira, de Itabuna, BA

Neste sábado (28), a notícia chegou logo cedo pelas redes sociais. Sandra Oliveira, estudante de pedagogia na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), foi assassinada e enterrada pelo ex-marido, com o qual tinha dois filhos, em Ilhéus, na Bahia. Ele não aceitava a separação, sua autonomia e independência financeira, o que configura um caso de feminicídio. Amigas e familiares relatam que a vítima sofria violência emocional e física há algum tempo. Um percurso que se repete cotidianamente e sobre o qual precisamos refletir e combater.

Se por um lado a tristeza e a sensação de impotência esteve presente ao longo do dia, uma mobilização já está ocorrendo para que Sandra não seja mais um número nas estatísticas. Colegas e movimentos feministas estão organizando uma atividade de conscientização com a comunidade, acompanhamento do caso e suporte para a família.

Mas, Sandra se foi, deixando dois filhos órfãos, saudade e uma reflexão: quantas mais serão vítimas letais, ou não, do machismo? O Brasil é o 5° país no ranking mundial de feminicídio. Uma pesquisa promovida pelo Movimento Mulheres em Luta (MML) e pelo Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese) comprovou que o governo brasileiro investiu apenas 26 centavos por mulher violentada, para as políticas de combate à violência de gênero em 2013.

Com as crises econômica e política, só piorou. Ainda num governo provisório, o golpista Temer fechou a Subsecretaria de Mulheres, enquanto os discursos misógenos de parlamentares e políticos conservadores avançaram em todo o país. Sobre o Estado patriarcal tivemos uma importante vitória com a cassação de Eduardo Cunha, mas as mulheres seguem quase que totalmente desamparadas.

Consideramos importante disputar esse Estado, ainda que apenas a derrota do capitalismo nos garanta estruturas reais para extinção do machismo. Mas, a experiência das ocupações e mais, especificamente, a Comissão de Mulheres da UESC nos mostrou que podemos fazer mais, que podemos e devemos meter a colher até o fundo da panela.

Através da comissão, conseguimos identificar diversos casos de violência moral, relacionamentos abusivos e até assédio de ordem familiar. Experienciamos a unidade tão reivindicada e necessária para o momento político que vivemos. Isto nos fortaleceu para desenvolver ações diretas, inclusive com abordagem do agressor e resgate doméstico. Nos fez perceber que paralelo à disputa do Estado, precisamos responsabilizar toda a comunidade para garantir o acolhimento necessário às vítimas.

A morte e o agressor de Sandra só foram identificados porque a vizinhança percebeu a agressão e, posteriormente, a movimentação no quintal da casa, onde ela foi enterrada. A mesma vizinhança poderia ter evitado que Sandra fosse violentada por tanto tempo? Poderia ter evitado sua morte? Seus familiares e amigos, poderiam ter feito algo mais?

No Brasil, a maioria das vítimas letais do machismo já denunciaram o agressor, por mais de uma vez, nas delegacias especializadas. Alguns casos passam anos sem julgamento, em outros, as vítimas retiram a queixa por não terem condições materiais de se separar do agressor. Há também aquelas que desistem da denúncia pelo tratamento recebido nas delegacias: responsabilização da vítima. Se a delegacia é a única ferramenta oferecida pelo Estado, e ainda essa não garante o acolhimento, tanto a vítima, quanto a sociedade muitas vezes acabam não reconhecendo outras estratégias para o combate à violência.

Junto a isso, a lógica patriarcal de que “briga de marido e mulher não se mete a colher” mantem a violência no campo privado, e desresponsabiliza a sociedade. Mas, a comoção e a sensação de impunidade a cada mulher violentada e morta precisam ser direcionadas para ações que deem sentido à palavra de ordem “Nem uma a Menos”.

Não podemos mais usar meias palavras. A comunidade e a sociedade precisam intervir diretamente em cada situação de agressão e, sem eufemismos, dizer ao agressor que aquela violência não será tolerada e que qualquer nova ação terá retorno. Criar condições para dar suporte material à mulher, ainda que seja juntando um pouco de cada um. ‘Nós por nós’ é um lema urgente, sem deixar de lado a perspectiva de organização e luta.

Sandra: presente!