Pular para o conteúdo
EDITORIAL

Crise na transição: Tillerson, Secretário de Estado nomeado por Trump, é próximo a Putin

Por Paulo Aguena, de São Paulo, SP

Na terça-feira, 13, Donald Trump anunciou para o cargo de Secretário de Estado o chefe-executivo (CEO) da petroleira Exxon, Rex W. Tillerson, 64. De acordo com a revista Fortune, a empresa é sexta maior companhia em faturamento do mundo. Entre as petroleiras, só perde para a estatal China National Petroleum. A receita de US$ 246 bilhões supera o PIB de países como Portugal e Chile.

Como se vê, Tillerson não é um homem de Estado, mas de negócios. Sua nomeação é um fato inédito para a posição que ocupará. Esse não é fato menor. O cargo de Secretário de Estado é a pasta de maior prestígio e importância pelo papel decisivo que os EUA cumprem no cenário político internacional enquanto a maior potencia do planeta.

A nomeação de Tillerson indica, como nunca antes, o enorme peso que o petróleo terá na política externa americana. Isso, sem dúvida, incidirá em toda geopolítica mundial. Mas não é essa a única novidade. Sua nomeação também indica claramente a intenção de Trump se aproximar da Rússia. “Tillerson tem mais tempo de relação com Putin do que qualquer outro americano, com exceção de Henry Kissinger”, disse John Hamre, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), que tem o executivo do petróleo como um de seus principais doadores.

Junto com a disposição de abrir uma guerra comercial com a China, a aproximação dos EUA da Rússia indica que Trump realmente pretende realizar um giro completo na política externa americana. Entretanto, essa reorientação não se está dando sem conflitos entre a cúpula do poder e entre as próprias classes dominantes americanas. A crise política aberta em torno da nomeação de Tillerson, expressão de uma possível reorientação da política externa americana, ainda não terminou, inclusive reacendendo uma nova divisão no partido republicano que parecia ter se esvaído a partir da indicação de uma série de conservadores republicanos para compor o staff do novo governo.

A nomeação de Tillerson ainda tem que ser aprovada no Senado. Isso é um problema. Se bem é verdade que seu nome teve o apoio de personagens de peso como de dois ex-secretários de Estado como James Baker[1] e Condolezza Rice[2], teve também a oposição não só dos democratas, mas de importantes republicanos como os senadores John McCain (Arizona) e Marco Rubio (Flórida).

Para consolidar seu projeto de modificar o papel dos EUA no cenário mundial e, com isso, pelo seu peso e importância, modificar esse próprio cenário, Trump terá que vencer uma nova batalha no início de 2017, garantindo a aprovação de Tillerson para Secretário de Estado no Congresso americano.

 Negócios entre Tillerson e Putin
A nomeação de Tillerson vem sendo atacada pela sua relação com o presidente russo, Vladmir Putin.  A relação entre eles remonta aos anos 90, quando então o engenheiro americano supervisionava um projeto da Exxon na ilha russa de Sakhalin. Após a queda de Gorbachev, suas relações se estreitaram. Em 2013, Putin chegou a conceder o titulo da “Ordem da Amizade” à Tillerson, a mais alta condecoração do país destinada a estrangeiros. Recentemente o Kremlin reconheceu que Putin vem tendo vários encontros com Tillerson.

Por outro lado, a Exxon Mobil é sócia da Rosneft, a companhia petrolífera de propriedade do governo dirigida por Igor Sechin, homem de confiança de Putin. Tillerson já assinou vários contratos envolvendo projetos petrolíferos em conjunto com o presidente russo para fazer explorações na Sibéria, Mar negro e no Ártico. Não por acaso, conforme revelou o Washington Post, Igor Sechin, conhecido como o czar do petróleo russo, é amigo íntimo Tillerson.

Entretanto, os negócios estabelecidos entre a Exxon e a Rosneff não puderam prosperar. A Exxon tem bilhões de dólares em suspenso desde que os EUA impuseram sanções à Rússia por ela ter anexado a Crimeia ucraniana, em 2014. A nomeação de Tillerson, portanto, não tem nada acidental.

 Hackers russos teriam incidido nas eleições em favor de Trump
Tillerson foi nomeado em meio à troca de acusações envolvendo democratas e republicanos pela suposta incidência de hackers russos na campanha eleitoral com o objetivo de prejudicar a campanha de Hillary Clinton e favorecer Trump. De acordo com a CIA, hackers russos enviaram ao portal WikiLeaks e-mails roubados das contas do Partido Democrata e de John Podesta, ex-diretor de campanha da candidata democrata Hillary Clinton, entre outros.

Na verdade, desde setembro 2015, o FBI já havia alertado, sem muito sucesso, o Comitê Nacional Democrata (DNS) sobre a atuação de um grupo de hackers russos, os “The Dukes”, na sua rede de computadores. Só com o passar do tempo, já em meio ao processo eleitoral, o comando democrata foi se dando conta da gravidade da operação. Após as eleições, com o estrago já feito, o almirante Michael S. Rogers, diretor da Agência de Segurança Nacional (NSA) e comandante do Comando Cibernético dos EUA, afirmou numa conferência,  “Que ninguém tenha a menor dúvida”. “Isso não é algo que foi feito casualmente, não é algo que foi feito por acaso, não foi um alvo escolhido de modo arbitrário. Foi um esforço consciente de um Estado-nação para alcançar um efeito específico.”

O caso tornou tão grave que senadores, tanto democratas quanto republicanos, entraram com um pedido à CIA para apurar a participação da Rússia em ciber-ataques. “Democratas e republicanos precisam trabalhar conjuntamente, e em todas as esferas jurisdicionais do Congresso, para examinar a fundo esses incidentes recentes e traçar soluções abrangentes para deter e defender contra ciber-ataques futuros”, disseram os senadores John McCain, Lindsey Graham, Chuck Schumer e Jack Reed. “Este problema não pode tornar-se uma questão partidária”. “O que está em jogo para nosso país é importante demais.”

A investigação teve o apoio de Barack Obama e a permissão do presidente da Câmara, o republicano Mitch McConeel, o que implica um aprofundamento da crise do partido do presidente eleito. O prazo para concluir a investigação será 20 de janeiro, data prevista para a posse de Trump.

Nomeação de Tillerson ainda pode ser barrada
A luta política aberta em torno à nomeação de Tillerson como expressão de uma crise aberta a partir de uma reorientação da política externa americana ainda não terminou. As últimas declarações de Obama e de Trump sobre uma possível atuação do governo russo no hackeamento dos e-mails demonstram que ela deverá seguir e ganhar novos tons.

Na sexta passada, 16 de dezembro, pela primeira vez o presidente Obama atacou diretamente Putin. Pediu para que o presidente russo “deixasse disso”– uma referência ao hackeamento dos e-mails – e lançou a ameaça de que poderia fazer “qualquer coisa” contra a Rússia. Trump, por sua vez, através de sua equipe afirmou que reclamação sobre a suposta atuação dos hackers russos é pura “dor de cotovelo”.

Para ser conduzido a Secretário de Estado, o nome de Tillerson primeiro ainda deverá ser investigado por vários departamentos, do FBI à Receita Federal. Depois disso, deve ir para o Comitê de Relações Exteriores do Senado, que poderá convocá-lo para audiências e levar a voto seus laços com a Rússia.

O Comitê é formado por 19 membros, sendo 10 deles republicanos. Nessas condições, se o bloco democrata votar unido contra Tillerson, bastaria um voto republicano para barrar sua nomeação. O próprio republicano Marco Rubio poderia ser essa voz contrária.

Caso seja chancelado pelo Comitê, o nome de Tillerson precisará ainda obter maioria simples no Senado (51 de 100 votos). A partir de janeiro os republicanos terão 52 cadeiras. Nessas condições bastariam – supondo novamente que os democratas votem unidos – três votos republicanos em contrário para impedir a nomeação de Tillerson.

Vejamos como vão se desdobrar esses episódios até o início do ano que vem. Isso será decisivo para analisar o significado e verdadeiro rumo que tomará a política externa dos EUA no próximo período. Em boa medida, disso dependerá o futuro ordenamento da atual situação mundial.

[1] Foi o 61º Secretário de Estado durante a presidência de George H. W. Bush (pai) entre 1989-1992, durante a guerra do Golfo.

[2] Foi a 66º Secretária de estado entre 2005-2009, durante a gestão de George W. Bush na presidência.

 

Marcado como:
EUA / gabinete / trump