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Seis anos do começo da primavera árabe

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Por Valério Arcary, Colunista do Esquerda Online

Penso na catástrofe humanitária de Aleppo e me recordo que seis anos nos separam da insurreição na Tunísia em 2010.
Acabo de ler este artigo de Gilbert Achcar.

Foi há seis anos que Mohamed Bouazizi se auto imolou na cidade da Tunísia, Sidi Bouzid. Seis anos depois o balanço é desolador.

Eu compreendo, portanto, que muitos se perguntem se a evolução da situação no mundo árabe, na sequência da onda revolucionária que então despertou, não é ainda pior do que era antes.

A única resposta honesta possível é que, de fato, é pior.

Isto admitido, é muito importante compreender que a crescente barbárie não foi obra da revolução, mas da contrarrevolução.

O terreno das transformações históricas é sempre um campo de disputas que estão, por um longo período, mais ou menos dissimuladas, até que explodem de maneira vulcânica.

As placas tectônicas da vida econômica e social estão ocultas embaixo do edifício de uma ordem política que parece estável.
Não obstante, movem-se.

História deveria ser a investigação das mudanças na vida econômica, social e política. Estudar a transformação não deveria significar a desvalorização do que permanece, daquilo que é mais perene, que atravessa as longas durações. Porém, é a pulsação dos conflitos que pode atribuir interesse e sentido à narração do passado. Estes deslocamentos ora permitem o sucesso de reformas, pela via de conquistas/concessões, ora impõem o recurso à mobilização revolucionária.

Enganam-se aqueles que denunciam as revoluções como responsáveis pela contrarrevolução, quando o que a história ensina é o contrário. Revoluções acontecem em sociedades onde a mudança ficou, indefinidamente, bloqueada.

Aqueles que definem revoluções somente a partir dos resultados confundem causas com consequências: os resultados são, frequentemente, a força de resistência dos interesses contrariados pela revolução.

Enganam-se, também, aqueles que engajados até à cegueira em suas preferências, só reconhecem como revoluções autênticas aquelas que tiveram direções que correspondem às suas escolhas ideológicas.

Revoluções são processos muito complexos que não se definem somente a partir de uma variável. A presença de líderes muçulmanos à frente da revolução iraniana em Teerã não a diminui como uma luta de milhões contra a ditadura do Xá Reza Palevi, somente explica o papel do clero xiita na disputa da direção da mobilização em 1979. A presença da Irmandade Muçulmana na Praça Tahrir do Cairo não diminui a representatividade dos que se levantaram contra a ditadura de Mubarak.

Seis anos depois é irremediável admitir que a onda revolucionária que começou em janeiro de 2011 foi derrotada.
Derrotas históricas são cruéis.
A derrota da primeira onda da revolução francesa abriu o caminho para Napoleão.
A derrota da onda revolucionária europeia que se iniciou na Rússia em 1917 abriu o caminho para Stalin.
A derrota da primeira onda da revolução na Alemanha abriu o caminho para Hitler.
O preço da derrota é imensurável.
Mas não impedirá que uma nova onda venha a sacudir o Egito, o maior e mais importante dos Estados de língua e cultura árabe, e em efeito dominó, os países vizinhos.
Aqueles que entregaram suas vidas, não morreram em vão.