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CULTURA

A Batalha da Vila Luzita: a Igreja e o Terminal

Por: Elber Almeida, do ABC paulista, SP

Terceira série de artigos sobre as batalhas de Rap no ABC, a parada desta vez é a Vila Luzita, Santo André.

Mais uma vez, o frio e a garoa fina tomam conta do cenário. Esta primavera no ABC não é das mais iluminadas e aquecidas dos últimos anos. Na selva de pedra são poucas flores. Mas, como dizia Mano Brow, no lixão nasce flor e o jardim do Hip Hop está com vigor crescente.

A Vila Luzita é um centro regional, um bairro no sul da periferia de Santo André cercado por outras vilas e bairros. Para muitos moradores da região, a VL é de fato um centro, com sua aglomeração de comércios e seu terminal de ônibus. A Batalha de Rap do Bairro já está na sua 68° edição, tendo mais de um ano, e ocorre normalmente na praça da igreja. Em dias de chuva, como o em que fomos, ela acontece no terminal rodoviário.

Aos poucos, mais pessoas vão se aglomerando em torno da roda em que ocorre a batalha, e mesmo com o clima desfavorável, o local começa a encher. Chicano e TR, organizadores da batalha, nos contam um pouco da história. A batalha já possui alguma tradição e faz parte do conselho das batalhas do ABC. Sua existência foi com base em muita resistência, o que fica evidente pelo fato de Chicano já quase ter sido preso duas vezes sob a alegação de “perturbação da ordem pública”. Hoje, tem como conquista o direito de usar a praça da igreja, acordado com a paróquia, e de usar parte do terminal, negociado com a administração do mesmo. Agora, o próximo passo colocado por Chicano é buscar um “ofício”, que autoriza a utilização do terminal de forma mais firme.

A batalha funciona com um celular comum e uma micro-caixinha de som das mais simples, daquelas compradas nas feirinhas dos centros comerciais. Os organizadores recolhem doações em um cofrinho para comprar uma caixa de som e, pelo menos um mic. É um investimento que sem dúvidas poderá fortalecer em muito a batalha, mas há o medo de que a caixa seja confiscada sob mais algum tipo de alegação judicial, ou política.

A Batalha é no mesmo molde da maioria das outras. Um MC contra o outro, melhor de três, eliminatórias. Quando as chaves não se encaixam, surge o double tree, em que três MC’s se enfrentam e, no caso desta última batalha, só um passa. O vencedor desta noite foi o MC Nobre, já conhecido nas rodas do ABC. O MC venceu numa final com Café, e em seu free do campeão invocou o monstro do rap nacional: Sabotage.

Durante o intervalo da Batalha alguns MC’s e grupos apresentaram suas letras. Quanto mais se apresentam fica evidente que a batalha é um verdadeiro centro de disseminação cultural da periferia. Alguns estão apenas começando na arte, outros já planejam lançar seu primeiro EP. A roda não ouve apenas Rap Nacional, mas também reggae e funk consciente. As rimas refletem o tempo todo sobre o cotidiano de opressão imposto à periferia, aos trabalhadores, aos negros e negras, sobre crenças, filosofias.

Faltando pouco para o Dia da Consciência Negra, partes das rimas lançadas mostram que o Hip Hop mantém vivíssima sua característica de combate ao racismo. O reconhecimento da identidade, mesmo por um MC negro de pele clara* – TR – e a utilização das referências de luta: quilombolas, Mandela, Marth Luther King, Malcom X dentre outras é tema na música “É a UBC” apresentada pelo grupo “Nova Safra”.

Na falta de espaços de lazer, a juventude se aglomera em frente à entrada no terminal, não só para assistir a batalha, mas também para aproveitar um pequeno momento de lazer na vida. Se o espaço público não existia ele foi criado, graças ao Hip Hop na Vila Luzita.

Agradecimentos aos organizadores Chicano e TR, que nos receberam muito bem. Agradecimentos também para o MC Nobre que concedeu entrevista e a todos os outros.

#1 Batalha da Pistinha

#2 Batalha da Praça

Mapa das batalhas de Rap no ABC:

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cultura / rap