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Valério Arcary: ‘Hoje é um dia triste’

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

Faz até um bonito sol de inverno em São Paulo. Escrevo estas linhas rápidas ouvindo uns passarinhos cantar ao final de uma tarde muito agradável. Daqui a pouco, milhões de pessoas estarão saindo dos empregos, ou indo para as aulas, ou ainda ocupados com seus afazeres, mais ou menos indiferentes ao que se passa em Brasília. Mas, para aqueles entre nós que abraçamos aquela esperança de que o Brasil ainda pode ser uma nação menos injusta e desigual, hoje é um dia triste.

A queda de Collor, em 1992, foi o contrário da queda de Dilma. Sabemos todos que tudo já foi decidido há meses atrás. Uma maioria das camadas médias foi às ruas lideradas pelo que há de mais reacionário, obscurantista, demagógico no Brasil. As sessões no Senado, uma instituição, especialmente, desprezível, são somente uma formalidade.

Não tenho qualquer nostalgia, evidentemente, do que foram os governos liderados pelo PT. Não tenho tampouco qualquer simpatia política por Dilma Rousseff. Ou por Lula e a direção do PT.
Mas, a sessão no Senado é uma farsa política, uma fraude teatral, ou uma impostura jurídica para tentar oferecer um simulacro de legitimidade a uma operação reacionária e manobra parlamentar que conta com o apoio da classe dominante para levar Michel Temer ao poder.

Dilma Rousseff teve, pelo menos, a valentia de comparecer. Mas, não compreendeu porque foi derrotada e, portanto, não fez qualquer avaliação autocrítica. Não teve a coragem política de explicar para milhões de trabalhadores e jovens que nela confiaram que foi um erro a transferência do poder que ganhou nas urnas para Joaquim Levy.

Dilma não caiu porque desrespeitou a Lei de responsabilidade fiscal. Ao contrário, caiu porque deu poderes a Levy para a fazer cumprir implementando uma pacote de ajuste orçamentário que mergulhou o Brasil em recessão profunda.

Tudo é tão dramático e debochado que até senadores que foram ministros do governo Dilma irão votar a favor da queda do governo que fizeram parte.

A experiência do PT no governo, o sonho da geração que esteve à frente das grandes lutas nos anos oitenta, terminou de uma forma trágica: os tesoureiros do PT e Zé Dirceu na cadeia, Lula indiciado por suspeita de corrupção e Dilma defenestrada.

Claro que há razões para termos esperanças. Milhões de jovens romperam com o projeto do PT e procuram uma nova referência política. Eles são mais instruídos do que os pais, chegaram à vida adulta em um momento em que o capitalismo brasileiro mergulha a nação em recessão profunda, desconfiam de que suas vidas serão mais difíceis que as da geração anterior, e aprenderam a ser críticos de lideranças que aparecem somente quando há eleições para fazer promessas e pedir votos.

Há esperanças porque há uma reorganização na esquerda socialista que pode resultar em novos instrumentos de luta, novas ferramentas de organização sindical, social e política.

Mas é triste assistir ao espetáculo deste regime institucional podre. Já foi desprezível na Câmara de Deputados há meses. A classe dominante comemora a iminente posse definitiva de Temer. Celebram a destruição que o desemprego está realizando. Festejam a redução de custos, a queda do salário médio, a promessa de pacotes de privatizações, o anuncio das reformas trabalhista e previdenciária.

Em silêncio, muitos milhares, dezenas de milhares, talvez, centenas de milhares hoje vão ranger os dentes.
Não seremos ouvidos.
Hoje é um dia triste.
Mas, o ódio está crescendo.
Eles que não se enganem.
O ódio está crescendo.