Na última terça-feira (9), uma maioria reacionária da Câmara dos Vereadores aprovou uma emenda, de autoria do arqui-reacionário vereador Carlos Macedo (PRP), que procura proibir a discussão de gênero e diversidades nas escolas públicas municipais, por dentro do novo Plano Municipal de Educação de Niterói. Profissionais da educação de Niterói, sindicato e movimentos sociais estiveram presentes na resistência contra a aprovação da referida emenda reacionária. Após a aprovação, nos somamos ao movimento e manifesto do coletivo Desobedeça, que convoca a resistência e desobediência civil contra a emenda imoral, ilegal, inconstitucional, injusta e opressiva que foi aprovada por dentro do novo Plano Municipal de Educação de Niterói. Confira o manifesto mais abaixo, após o histórico da luta.
Histórico da luta pelo PMEN que queremos em Niterói
Em junho de 2015, dois anos após as mobilizações conhecidas como ‘jornadas de junho de 2013’ e da greve da Rede Municipal de Educação de Niterói contra o governo Rodrigo Neves (PT), ocorreu a III Conferência Municipal de Educação de Niterói (III CONFEMEN), com o objetivo de atualizar um novo Plano Municipal de Educação para Niterói (PMEN) para o próximo decênio (2015-2025).
Os Profissionais da Educação, organizados pelo sindicato, o SEPE-Niterói, participaram da III CONFEMEN com inédita mobilização. Na Conferência, enfrentando a resistência dos representantes do governo de Rodrigo Neves (PT), os educadores fizeram aprovar uma série de metas e ações para o avanço da educação pública do município, atendendo reivindicações históricas: revisão das propostas pedagógicas da Rede Municipal em perspectiva democrática, crítica e emancipatória; expansão da educação infantil, da educação integral e defesa da revitalização da Educação de Jovens e Adultos (EJA); valorização dos profissionais da educação; gestão democrática; financiamento público da educação pública; entre outros pontos.
O projeto de PMEN elaborado na Conferência incluiu reivindicações históricas da Educação Municipal de Niterói, como as 30 horas dos funcionários de apoio, um terço de planejamento para todos os professores, migração de professoras I para o regime de 40 horas, plano de saúde, direito pleno à licença remunerada para estudos, mudança de nomenclatura de merendeiras para cozinheiras escolares, regulamentação da bidocência na Educação Infantil, proibição das terceirizações e da famigerada meritocracia, e várias outras demandas emancipatórias.
Após a CONFEMEN, porém, o prefeito Rodrigo Neves – antes do PT e agora do PV – engavetou o projeto de PMEN durante dez meses. Na pouco democrática democracia burguesa brasileira, as conferências de Educação, com participação da sociedade civil organizada, não são deliberativas, e sim consultivas. Seguir as decisões das conferências não é obrigatório para os poderes Executivo e Legislativo. Rodrigo Neves só enviou o projeto de PMEN para votação na Câmara dos Vereadores de Niterói após forte pressão dos profissionais da educação em movimento e do Ministério Público. E, evidenciando a mutilada democracia burguesa brasileira, foi enviado um projeto sem as principais metas e ações aprovadas pelo movimento dos educadores da Rede Municipal de Niterói que contemplavam as diversas demandas históricas mais acima relatadas.
Chegado o projeto na Câmara, em abril de 2016, o debate sobre o futuro da Educação de Niterói foi atravessado por uma onda reacionária que pretende, em nome de uma suposta família tradicional, atacar a autonomia pedagógica das escolas e seu caráter público, democrático e crítico. Os reacionários, tendo como base setores da classe média de Niterói que sequer frequentam a escola pública, miraram em especial o debate sobre gênero e diversidades nas escolas. São setores mobilizados por várias denominações religiosas cristãs extremamente reacionárias e que são coniventes com a violência machista e LGBTfóbica que sangra Niterói.
Após longo e conturbado processo de discussão e tramitação, o novo PMEN foi aprovado. De acordo com as contradições da vida e da luta, pôde-se ver e comemorar vitórias importantes, como a aprovação da emenda cozinheira Oraide Peixoto que garante a mudança de nomenclatura de merendeiras para cozinheiras escolares. Também pudemos ver aprovadas metas como a proibição da meritocracia na Rede Municipal de Niterói, proibição das terceirizações na educação pública municipal, limitação de mandatos das direções das escolas municipais eleitas, a convocação de um congresso pedagógico democrático para revisão da proposta pedagógica da Rede Municipal, dentre outras conquistas.
Também expressão dos tempos nublados atuais, foi aprovada a emenda 98 do reacionário vereador Carlos Macedo, que pretende proibir a discussão sobre gênero e diversidades. A emenda reacionária, porém, não passou sem resistência dos educadores e dos movimentos sociais de Niterói, e será boicotada na prática cotidiana das escolas. Vamos desobedecer.
MANIFESTO DESOBEDEÇA!
Nos últimos anos houve avanços na garantia legal e política dos direitos humanos: direitos das crianças, dos idosos, das mulheres, dos deficientes e dos LGBTs. São as chamadas minorias, que nunca foram minorias numéricas e sim em direitos e respeito. Avançam os direitos por igualdade, equiparação, equidade.
Mas, as maiorias, adulta, masculina, branca, hétero, querem a manutenção do privilégio de ser maioria. De oprimir, dominar e ter regalias. Essa maioria – não numérica -, move uma onda conservadora, sorrateira que vinha se esgueirando por todos os cantos, todos os lados, todas as frestas.
Nos últimos meses, ela se tornou um tsunami, como bem definiu uma companheira. Esse tsunami é parte das manobras recorrentes do capitalismo para subjugar corpos e mentes a seu favor. Esse tsunami, que também pode ser igualado a um polvo que estica seus tentáculos em várias direções: a economia, a política, a religião, as expressões culturais, a educação, a memória, a mídia. Muitos tentáculos enredados a um corpo que centraliza, domina e comanda. Uma onda avassaladora, mas não intocável ou invencível.
A revelia desse conservadorismo há avanços na luta por direitos individuais e coletivos, uma lógica de economia solidária. Coletivos se agregam, tribos se afirmam, religiões e religiosidades múltiplas, culturas tradicionais se impõem, novas formas de expressão também, a ancestralidade ocupa espaço, mídias alternativas se espalham, identidades se expressam e buscam espaços.
É luta, sempre ela, a luta, aquela que muda e move a vida
Nos últimos meses, muitas ofensivas conservadoras nos golpearam. Duas frentes de ataques têm sido especialmente ampliadas. Uma frente de ódio e dor, que domina, que maltrata, segrega e mata. O preconceito cada vez mais agressivo que percebe as discussões sobre gênero como uma ameaça à dominação. Por isso, inventa farsas, cria discursos distorcendo a realidade, afim de continuar subjugando mulheres e LGBTs. Outra frente é sobre o que de mais perigoso pode ameaçar a doutrina conservadora, a educação. Depois de longos anos de abandono, sucateamento e precarização das relações de trabalho, a última onda do conservadorismo é tutelar das formas mais ditatoriais as práticas educativas.
Essas duas frentes repressivas do pensar, sentir e ser se encontram no que chamam de ideologia de gênero. Inventaram um termo esdrúxulo para dizer que educadores disseminam outras formas de sexualidade, assim como o feminismo. Concebem a sexualidade dos sujeitos passível de ser manipulada pelos que chamam diabólicos educadores. Encarceram as formas de pensar, sentir e ser às que preferem, acreditam, elegem, impõem. Traduzem amor em dor, educação em doutrinação.
Em Niterói, essa barbárie se expressa vergonhosamente, a partir de um legislativo suspeito em todas as vertentes, na emenda 98 adicionada ao Plano Municipal de Educação. A emenda demoniza a sexualidade alheia e criminaliza o ato de educar como um ato libertário.
Aprendemos com Luther King que “Temos o dever moral de desobedecer às leis injustas”! Aprendemos uma profunda ética em desobedecer! Desobedecer para educar, para lutar contra violência, para cumprir o papel educativo, para garantir a constituição.
Reagindo e agindo na contramão do retrocesso criamos o COLETIVO DESOBEDEÇA! Um coletivo que organiza ações de desobediência à lei da mordaça pedagógica em Niterói, assim como a qualquer outra lei que tenha igual teor e pretensão, envolvendo diferentes segmentos comprometidos com a diversidade, os direitos humanos e a autonomia pedagógica.
Nos caracterizamos pela DIVERSIDADE de pessoas comprometidas contra qualquer forma de discriminação e violência e pela autonomia pedagógica. Pessoas de diferentes inserções políticas e religiosas. Todas são bem-vindas e convidadas a se manifestar para que a nossa desobediência seja firme, forte, impactante! Não nos calaremos, não aceitaremos mordaças, desobedeceremos!
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