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TEORIA

A ruptura do Syriza: Entrevista com Stelios Elliniadis

Aldo Cordeiro Sauda

Conheci Stelios Elliniadis em meio a um turbilhão. Estávamos em um auditório lotado da Universidade de Atenas, na conferência “Democracy Rising”, uma espécie de encontro internacional político-acadêmico marxista de solidariedade à luta do povo grego. No dia anterior à atividade, a ala esquerda do Syriza havia acabado de ser empurrada para fora do governo. O motivo da ruptura era simples. O primeiro ministro Alex Tsipras, na madrugada anterior, contando com apoio dos partidos tradicionais da burguesia, impunha a seu país uma nova rodada de políticas de austeridade.

Na conferência, uma mesa, formada pelo Bloco de Esquerda de Portugal, Sinn Fein da Irlanda, Podemos da Espanha e representantes da “esquerda anti-austeridade” da Itália e Eslováquia, tentavam, em um esforço lamentável, fugir do tema central que ecoava nas ruas; Syriza, o principal partido da “esquerda anti-austeridade” europeia, havia rasgado por inteiro o seu programa.

Após indagar, na sessão de perguntas e respostas, a posição da mesa frente aos expurgos que ocorriam no governo, fui duramente criticado pelos palestrantes. Um por um, os supostos amigos internacionais do povo grego proclamaram-se acriticamente a favor da unidade do partido governante, inocentando a traição de Tsipras e denunciando supostos sectarismos contra sua direção. Eis que, em meio à atividade, levantou-se o camarada Stelios.

Então membro do Comitê Central do partido grego, o radialista, dono de uma barba branca e voz suave, pegou os agentes da “solidariedade internacional” de surpresa. “O problema é a ausência de democracia interna”, acusou. “Defendo a unidade partidária, mas a unidade depende dos dois lados, dos dois partidos que agora existem dentro do Syriza, e a ausência de democracia interna impede isto. Temos que tentar ficar unidos, mas as diferenças se aprofundaram ainda mais, e será muito difícil nos reconciliarmos.” O partido, segundo ele, estava “dominado por mecanismos, sem interação ou troca democrática de ideias, e agora, estamos pagando o preço por isto”, além do mais “todas as decisões são tomadas por fora do comitê central”, arrematou.

Enquanto a direção dos partidos anti-austeridade tentavam ignorar a fala de Stellios, a reação do auditório foi diferente. Todos queriam debater a crise real que atingia o Syriza, todos queriam entender o porquê do fracasso monumental do primeiro partido anti-austeridade da Europa à chegar ao governo. Contrário ao que desejavam os integrantes da mesa, era a leitura critica, e não a apologética, que reverberava no espaço.

Conversei por telefone com Stellios na semana passada, para ouvir um pouco mais dele sobre a crise da esquerda grega. Como imaginado, assim como diversos outros camaradas, o jornalista de formação comunista rompeu com o partido de Tsipras, porém, ao contrário dos 25 deputados da ala esquerda, além de Zoe Kostantopoulou, a presidente do congresso e Manolos Glezos, herói da resistência anti-nazista, Stellios não ingressou no novo partido formado por eles, o Unidade Popular.

Segue abaixo sua visão da atual conjuntura política. O vídeo da conferencia em que participamos pode ser assistido aqui.

Aldo: Quando nos vimos pela última vez, você mencionou que o Syriza tinha muitos problemas internos. Hoje, estamos vendo a antiga esquerda do partido romper com Tsipras para formar o Unidade Popular. Na sua avaliação, o que explica este processo?

Stelios: Há muitas razões que explicam as rupturas, mais a principal delas é o fato do governo ter assinado o memorando com a Troika, algo que o Syriza havia combatido ao longo destes últimos cinco anos, quando dizíamos que tal acordo seria catastrófico para a Grécia. Enquanto o governo organizava um referendo no qual a maioria dos gregos rejeitaram as imposições dos europeus, o governo decidiu prosseguir esta política e assinar um 3º memorando ignorando a votação popular contra o acordo. Isto tornou a ruptura inevitável.

Uma grande parte do Syriza não estava disposto a aceitar esta política, pois se chocava com nosso programa partidário. Mas sempre houve, é claro, terreno fértil para este processo, porque como lhe disse, a democracia interna não funcionava no Syriza. Todas as divergências que existiam não foram debatidas de forma consistente, o que impedia sínteses ou acordos entre nós, então o risco de ruptura sempre esteve presente. O fato do partido já estar dividido antes da assinatura do memorando, é claro, empurrou-nos ainda mais em direção ao racha.

Aldo: Como está o movimento social reagindo a este processo?

Stelios: A frustração é tão grande que você pode encontrá-la e sentí-la por todos os cantos. As pessoas estão fazendo muitas críticas, escrevendo muito no facebook, algumas se reúnem e debatem esta realidade, mas não há mais movimento de massas, não há movimentos sociais atuando, porque todos os movimentos sociais que existiam e se engajavam em temas diferentes na sociedade, estão em choque.

Por alguns meses todos acreditaram que a haveriam mudanças radicais, que todas as coisas terríveis que aconteceram sob os governos anteriores não ocorreriam com o Syriza, e depois descobrem o oposto. Aqueles que estavam lutando em várias partes da Grécia contra a venda dos aeroportos para os alemães, por exemplo, têm de lidar com o fato de que o governo Syriza aceitou como parte do novo memorando vender imediatamente 15 aeroportos gregos. Isto gerou no movimento uma imensa desmoralização. O mesmo se aplica a outros movimentos sociais.

A esquerda grega tem que se reorganizar, e encontrar uma nova alternativa, pois ela está derrotada. A grande contradição é que isto está ocorrendo em um momento no qual o povo grego, pela primeira vez em mais de meio século, apoiou a esquerda.

Aldo: O próximo período é de derrota para a esquerda grega?

Stelios: Com certeza. Com certeza. Seja lá qual for o resultado das eleições [que ocorrerão dia 20 de setembro] a esquerda grega está derrotada e as pessoas estão muito abaladas. Independentemente de se forem votar no Syriza ou na Unidade Popular ou ao Antarsya, o sentimento geral aqui é de derrota e frustração.

O povo grego que votou no Syriza, ou para o Oxi [não em grego] no memorando sobre a dívida, estão tão frustradas que não participam politicamente mais de nada. Apenas acompanham, a distância, as coisas. É claro que isto não se aplica a todos, a maioria irá votar nas eleições, mais independente de em quem ela votar, o clima segue sendo de frustração. Esta é a forma como estou enxergando as coisas.

Aldo: As pesquisas dizem que o Nova Democracia esta empatado com o Syriza, e que há chances de Tsipras perder as eleições para a direita. Isto pode vir a ocorrer?

Stelios: É uma possibilidade, mas estas pesquisas não são confiáveis. Elas têm repetidamente fracassado. Fracassaram nas eleições, fracassaram no memorando. A maioria das empresas que realiza estas pesquisas são pagas pelos canais de televisão e estes canais são controlados pela oligarquia, então não podem ser levadas a sério. Além do mais, ainda é muito cedo, pois tudo indica que as pessoas se decidirão nos últimos 3 ou 4 dias.

Aldo: Qual é a principal diferença programática entre o Syriza e o Unidade Popular? Quais as garantias que o Unidade Popular não se tornará um novo Syrza?

Stelios: Não há nenhuma garantia concreta. Mas há um tipo de garantia de que esta ruptura é mais profunda do que aparenta. O “novo” Syriza agora é dominado pelos membros que romperam no passado com o partido comunista formando a ala euro-comunista, cujo partido oficial se dissolveu e desapareceu, mas seus membros foram ao Syriza, e são eles quem controlam o Syriza hoje em dia.

O Unidade Popular tem nas suas fileiras militantes que vêm do antigo PC e que não reivindicavam o euro-comunismo. Então acho que a ruptura é mais profunda. Neste sentido, não é muito possível que o UP vá evoluir em direção a um novo Syriza como o que temos hoje.

Mas há problemas, o UP foi parte do Syriza, e dentro do Syriza se comportaram de forma similar à direção majoritária. Eles tem responsabilidade direta na ausência de democracia interna dentro do partido. Espero que no UP façam grandes transformações no modo de pensar e agir dentro do partido.

Mas o cenário é muito liquido. Nada está certo. Haverá muitas mudanças nas próximas semanas ou meses.

Aldo: E qual sua relação com o Unidade Popular?

Stelios: Não estou no UP. Atualmente estou mantendo equidistância do Syriza e da Unidade Popular, como parte de um processo de auto-crítica. Preciso de tempo para avaliar meu envolvimento pessoal com este processo. Por enquanto, porém, não posso apoiar o Syriza, pois ele assinou o memorando, algo que sempre rejeitamos e combatemos. Mas também não apoio o Unidade Popular, pois sua direção tem grandes responsabilidades pelo que ocorreu no Syriza. Eles apenas resistiram às medidas de Tsipras, rompendo com ele, no ultimo momento. Eles têm responsabilidade, portanto, sobre este processo como um todo.

Eu não quero ir de um partido ao outro sem ter maior clareza disto. Estou, como lhe disse, muito decepcionado. O Syriza que fundamos não existe mais, era um partido de múltiplas vozes que tinha diferentes grupos coexistindo dentro dele, que o criaram. Mas o “novo” Syriza, sob Tsipras, é um partido monolítico como todos os outros velhos partidos. Vale mencionar que é muito difícil para a Unidade Popular, neste curto período de tempo, em um calendário curto que foi imposto sobre nós, preparar-se para as eleições do dia 20 de Setembro.

Não foi possível, por conta desta falta de tempo, formar um “novo Syriza”, que acho que era a intenção deles. Também não sei se eles são capazes de fazer algo tão rico como era orginalmente o partido, ou que construir algo como foi o Syriza seja fácil de reproduzir.

Aldo: As organizações que desde o inicio estavam à esquerda do Syriza, como o Anarsya e o KKE, elas têm chance de crescer em meio a esta insatisfação?

Stelios: O Antarsya está em crise. Eles racharam. Uma parte apoia o Unidade Popular e outra parte irá concorrer de forma independente nas eleições. Já o KKE, não sei se tem capacidade de capitalizar com esta situação. É muito provável que 9 ou 10 partidos entrem no novo parlamento, o que indica que a votação vai ser muito dividida.

O grande problema, portanto, é que se a Unidade Popular não entrar no parlamento, haverá outro problema, que a maioria dos novos partidos serão pro-memorando e os únicos contra isto serão o partido comunista e os nazistas do Aurora Dourada.

Aldo: E os sindicalistas que integravam o Syriza, para onde eles foram?

Stelios: O período eleitoral imposto por Tsipras é muito curto. Apenas há alguns dias é que foi anunciado o nome dos candidatos a deputado. O tempo é muito curto. Os sindicatos não estão envolvidos na política, mas os sindicalistas, na sua maioria, foram à Unidade Popular. Mas, teremos clareza das reações do movimento sindical no período posterior às eleições, quando as novas medidas de austeridade forem implementadas pelo governo.