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TEORIA

Ebserh, a crise dos planos de saúde e o financiamento de campanha eleitoral

Gibran Jordão 

Segundo dados do próprio Tribunal superior Eleitoral (TSE), as empresas de Plano de Saúde privado doaram nas eleições de 2010 aproximadamente 12 milhões de reais o que envolve partidos, candidatos a deputados estaduais, federais, senadores, governadores e a presidência da república.

Nas eleições de 2010 as empresas de planos de saúde destinaram R$ 11.834.436,69 em doações oficiais para as campanhas de 153 candidatos a cargos eletivos. O apoio financeiro dos planos de saúde ajudou a eleger 38 deputados federais, 26 deputados estaduais, três senadores, além de quatro governadores e da presidente da República, Dilma Rousseff.

Cinco partidos incluindo base governista e oposição receberam 80% das doações de planos de saúde privado, são eles: 1º PMDB,2º PSDB, 3º PT, 4º PV e 5º DEM.

O que está em jogo? Segundo a Agência Nacional de Saúde, os planos de saúde privados faturaram 64,2 bilhões de reais em 2009; atualmente há 1.061 empresas de planos de saúde médico-hospitalares atuando no mercado e 46 milhões de usuários estão vinculados  aos planos de saúde.

Segundo Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP ) e Lígia Bahia, do Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os planos de saúde privado possuem uma série de interesses na relação com o poder público, entre eles podemos citar:

“Viabilização de parcerias para o compartilhamento de instalações, equipamentos e atendimento de usuários da saúde suplementar nas unidades do SUS. Isso já ocorre, por exemplo, em muitos Hospitais Universitários federais e estaduais, caracterizando a chamada ‘fila dupla’.

Preservação de obstáculos que impedem a efetivação do ressarcimento ao SUS, toda vez que um usuário de plano de saúde é atendido em hospital público, conforme a legislação vigente. Para se ter uma ideia, o valor que os planos ressarciram ao SUS em 2009 ( R$ 5,6 milhões) é inferior aos R$ 12 milhões que o setor destinou a campanhas eleitorais em 2010.

Garantia de representantes dos interesses dos planos de saúde em cargos estratégicos da ANS, que atua na regulação e na fiscalização dos planos de saúde. No final de 2010, três dos cinco diretores da ANS, inclusive o diretor-presidente, eram quadros oriundos de empresas de planos de saúde.

Contratos com Ministérios, secretarias e órgãos do Legislativo para a assistência médico-hospitalar do funcionalismo público. Somente o governo federal destina cerca de R$ 1 bilhão por ano para a compra de planos de saúde privados para os funcionários públicos” (Scheffer; Bahia, 2011, p. 24).

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Candidatos a presidente apoiados por empresas de planos de saúde,
segundo doadores e recursos recebidos, Brasil, 2010

Candidatos a Presidente       Valor ( R$)                      Plano de Saúde/Doador
Dilma Rousseff (PT)           1.000.000,00                           Qualicorp
José Serra (PSDB)                500.000,00                             Qualicorp

Fonte: TSE, 2011 

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A Ebserh e a crise de leitos dos planos de saúde privado

A Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aponta que de 2009 a 2011 o número de contratos de plano de saúde cresceu 13,5% – de 41 milhões para 47 milhões. Por outro lado o número de leitos caiu em 10,45% – de 511,6 mil a 458,1 mil (somada rede pública e privada).

A lei 12.550/2011 que cria a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) é 12550/2011, coincide exatamente com o momento no qual explode a crise de falta de leitos com a expansão do mercado de planos de saúde privado. Veja o trecho abaixo que confirma que no texto da lei da Ebserh, em seu artigo primeiro e paragrafo segundo, está garantida a figura das subsidiárias:

“§ 2o  Fica a Ebserh autorizada a criar subsidiárias para o desenvolvimento de atividades inerentes ao seu objeto social, com as mesmas características estabelecidas no caput deste artigo, aplicando-se a essas subsidiárias o disposto nos arts. 2o a 8o, no caput e nos §§ 1o, 4o e 5o do art. 9o e, ainda, nos arts. 10 a 15 desta Lei.”

As empresas públicas, subsidiárias são sob a ótica constitucional, empresas que visam lucro, ou seja, exploração de atividades econômicas. Nesse sentido, sendo pessoas jurídicas de direito privado e conforme estatui o inciso II do parágrafo 1º. do art. 173 da CF, sujeitam-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias.

De acordo com Lucieni Pereira, especialista em controle externo, auditora federal de controle externo do Tribunal de Contas da União, professora de gestão fiscal e finanças públicas e presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC):  “Como há um interesse dos planos de saúde nos hospitais universitários, que em alguns Estados são os únicos que prestam serviços de média e alta complexidade (… ) A União investe nestes hospitais e há a probabilidade de, pela via das subsidiárias, a Ebserh seja a porta de entrada dos planos de saúde”.

O Hospital das Clinicas de Porto Alegre (HCPA) já possui dupla porta de entrada por conta dos vários convênios com planos de saúde privado conhecidos do público em geral como Unimed e Golden Cross. Nas palavras de José Rubens Rebelato, atual presidente da Ebserh, quando ainda era diretor de Hospitais Universitários do MEC em 2011: “O clinicas de Porto Alegre é um caso exemplar de sucesso, que vamos seguir”

A relação estabelecida pelo HCPA com os planos de saúde privado no qual gera elogios por parte dos representantes do governo federal tem sintonia com a recente carta publicada pela presidente Dilma Rousseff na ocasião da conferencia realizada pelo JP Morgan que é uma das maiores instituições financeiras do mundo. Vejamos o trecho da carta da presidenta que além de prometer um severo ajuste fiscal, diz:

“ As iniciativas em analise envolvem tanto reformas do lado fiscal, para adequar a taxa de crescimento do gasto público ao crescimento da economia, quanto maior desenvolvimento financeiro, com aumento do financiamento de fontes privadas no financiamento de longo prazo, em especial, da infraestrutura.” (EM CARTA, 2014).

A maioria absoluta das entidades organizadas da sociedade civil, incluindo o Conselho Nacional de Saúde possuem resoluções contrárias a Ebserh e estão em ampla campanha pela defesa dos Hospitais Universitários 100% SUS, sem dupla porta de entrada, com valorização dos trabalhadores da saúde, pela ampliação do orçamento público para financiar a saúde pública com democracia na gestão e controle social. Infelizmente nada disso está garantido com a adesão dos hospitais universitários a Ebserh. Pelo visto o dialogo anunciado pela presidenta no pós eleições foi direcionado muito mais ao poder econômico do que as demandas dos trabalhadores e usuários do SUS. Esse artigo tem a intenção de tentar acender uma luz sobre um aspecto importante que envolve destruição das fronteiras entre o público e o privado levado a cabo pelo governo Dilma no qual foi eleita pela maioria dos trabalhadores para fazer mudanças e reformas progressivas e não para aplicar uma concepção de estado com fortes elementos neoliberais,

Referências bibliográficas

EM CARTA, Dilma pede ajuda ao mercado. O Povo, 3 dez. 2014. Disponível em: http://bit.ly/1vjxnK5

SCHEFFER, Mário; BAHIA, Lígia.  Representação política e interesses particulares na saúde: o caso do financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde no Brasil. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Estudo, abril 2011.