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TEORIA

A burguesia de mentira e as vaias para Dilma

Alvaro Bianchi

 Quem xingou Dilma? Certamente não foram os manifestantes de junho, os metroviários demitidos por Alckmin, os docentes e técnicos administrativos em greve nas universidades estaduais paulistas, os trabalhadores da justiça federal em greve, as comunidades expulsas de suas terras pelas megaconstruções do governo federal. Estes teriam bons motivos para tal, mas não estavam na Arena São Paulo. E se estivessem, provavelmente, não teriam escolhido as mesmas palavras lá usadas.

Foi a “direita”? A “elite”? A “burguesia” ? Certamente as vaias não vieram de Paulo Maluf e Kátia Abreu. Estes estão abraçando Padilha e defendendo a copa contra os manifestantes. A direita partidária ama Dilma porque esta lhes deu o que não tinham com FHC: tranquilidade.

Também não foram os empreiteiros que inundaram os cofres da campanha eleitoral de Dilma. Nem os banqueiros que continuam faturando como nunca graças aos juros astronômicos. Nem os latifundiários agradecidos com o novo Código Florestal Nem louco queima dinheiro. Muito menos banqueiros, empreiteiros e latifundiários.

É constrangedora a pobreza sociológica e mesmo antropológica de quem recorre a essas marcações conceituais jogando tudo no mesmo saco e depois enfiando a mão para ver o que sai. Conhecem tanto da burguesia brasileira quanto de estádios. Não sabem que esta raríssimas vezes discorda em público do governo (o que o estudo de Rodolfo Palazzo Dias mostrou é que os banqueiros nunca discordam em público). E desconhecem que ela não senta a bunda em arquibancada, abomina camarote vip e acha berrar em público obsceno.

Quem xingou Dilma foram os estratos inferiores das upper classes, os quais tem sido empurrados para baixo pelos processos de concentração e centralização do capital estimulados pelo governo federal. Trata-se de uma classe em transição, vitimada pela “distribuição de renda” no interior da própria burguesia. São os empresários de pequeno ou médio porte, sempre às voltas com as dívidas bancárias. Os aventureiros cujas pequenas fortunas dependem da capacidade de chegar primeiro ou de um lance de sorte. São os que abrem e fecham negócios como quem troca um terno Armani. São os que vão fazer compras em Miami para economizar trocados nas roupas de grife. São os que preferem ter seus filhos na FGV e no Ibmec a vê-los se misturar com os subalternos nas universidades públicas.

Bourdieu teria dificuldade para entender essa low upper class. Os marcadores de distinção aos quais recorre não são os diplomas nas melhores universidades, uma assinatura da ópera ou da sinfônica, ou a visita frequente aos museus. Ela não se distingue por meio do consumo dos produtos da alta cultura européia. Com frequência toma emprestados os gostos, os modos e a própria cultura das classes subalternas que tanto odeia, não sem antes esteriliza-los e retirar deles todo traço de originalidade.

A low upper class Gosta de forró universitário, rodeios, comédias stand up, Romero Brito e teatro besteirol. Distingue-se dos demais pelas marcas que consome e pelos gastos astronômicos em bobagens. A única coisa que esses marcadores permitem distinguir é sua monumental estupidez. Por isso não tem pudor em encher a boca com um palavrão.

Tudo o que esta low upper class gostaria de ter é a segurança de um empreiteiro com contratos com o governo federal ou de um banqueiro protegido pelo Banco Central. Mas isso Dilma não deixa. Ela gosta de empreiteiros e banqueiros de verdade. Os de mentirinha vão ficar confinados no camarote, onde qualquer empresariozinho pode ser rei. Vão vaiá-la e xingá-la. Os de verdade vão continuar frequentando o Palácio do Planalto.

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