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TEORIA

Leon Trotsky e a história da revolução russa

Alvaro Bianchi

A editora Sundermann publicou o livro a História da Revolução Russa, de Leon Trotsky, como parte das comemorações dos 90 anos da Revolução de Outubro. Além de poder adquirir um livro que era até então impossível de achar nas livrarias, o leitor é premiado com o sóbrio e bem cuidado tratamento editorial que este recebeu. Nada é desnecessário ou prescindível nessa nova edição. Apenas a o texto de Trotsky, com sua prosa fluente e arrebatadora tem nela lugar. Não poderia ser de outro modo. O livro se basta a si próprio.

Issac Deustscher, o mais conhecido biógrafo do revolucionário russo, não vacila ao afirmar em sua trilogia que a História da Revolução Russa é o livro mais importante de Trotsky, um autor que escreveu várias obras memoráveis. Emilia Viotti da Costa, uma das historiadoras mais importantes do Brasil confessou em entrevista que esse foi um dos livros que fizeram sua cabeça. Outros tantos notáveis poderiam dar esse testemunho, sem falar dos incontáveis militantes anônimos que o leram nas mais diversas línguas pelo mundo todo.

A tese de Deustscher, entretanto, não deixa de ser polêmica. Não são poucos os que consideram mais importantes outros textos do mesmo autor, tais como Balanço e perspectivas (que merece há tempos uma edição brasileira), A revolução traída, ou o pequeno, mas importantíssimo Programa de transição, estes dois últimos também publicados pela Sundermann. Mas há fortes razões a sustentar essa tese.

A História da Revolução Russa reúne as idéias de Trotsky sobre a história e a revolução expondo de modo desenvolvido, o que ele nem sempre fazia, o núcleo de sua contribuição ao pensamento marxista. O resultado foi um clássico da historiografia do século XX. Apesar de seu autor ter tido uma posição privilegiada como observador – foi presidente do soviet de Petrogrado e comandante da insurreição – não se trata de um livro de memórias ou recordações e sim de um exercício de história do presente levado a cabo de modo rigoroso.

A originalidade do marxismo de Leon Trotsky aparece de modo vigoroso neste livro. Como ele próprio conta em sua autobiografia, desde muito cedo rejeitou as concepções mecânicas que procuravam deduzir a revolução social das condições econômicas. Essa rejeição aparece claramente nos primeiros capítulos de História da Revolução Russa. O livro inicia-se com uma descrição da formação social russa com base na lei do desenvolvimento desigual e combinado, enunciada aí pela primeira vez. A Rússia embora ainda fortemente marcada por relações sociais herdadas do passado já tinha um pé na civilização capitalista à qual se encontrava conectada por meio do mercado mundial. Em Petrogrado e Moscou, uma moderna e concentrada classe operária encontrava seu lugar. Se o campo prendia a Rússia a seu passado asiático, as cidades a empurravam para seu futuro. Desse caráter combinado do desenvolvimento do capitalismo na Rússia é que nasceria a revolução social.

Mas a revolução não era, senão uma possibilidade colocada pelo desenvolvimento histórico. A relação entre esse desenvolvimento e a revolução não era mecânica. Por essa razão, Trotsky assume os principais traços desse desenvolvimento como relativamente constantes. A questão chave para a revolução, afirma o autor já na primeira página de seu livro “é a interferência direta das massas nos eventos históricos”. E a seguir completava: “A história de uma revolução é para nós, antes de tudo, a história da entrada violenta das massas no domínio de decisão de sue próprio destino”.

É por essa razão que não há nas 1.171 páginas desse livro uma análise das oscilações da economia russa. E quando o historiador soviético Mikhail Pokrovsky acusou-o de não perceber o colapso econômico que teria ocorrido na Rússia entre fevereiro e outubro, Trotsky respondeu que a concepção desse historiador, embora se fizesse passar por marxismo, não passava de uma explicação vulgarmente econômica da história. A crise econômica e a existência de privações, não são suficientes para provocar uma insurreição. Além de privações que sejam reconhecidas pelas massas como intoleráveis, é necessária, também, a difusão de novas idéias que tragam a perspectiva da revolução. É pois, sobre a mudança deopinião e sentimento das massasque o livro trata. Pois é com isso que as revoluções são feitas.