Murilo Leal
Faleceu no dia 23 de outubro, depois de uma longa luta contra um câncer na garganta, aos 75 anos de idade, o militante revolucionário Aybirê Ferreira de Sá, que foi enterrado em Moreno, no Grande Recife, mesmo município onde nasceu em 30 de outubro de 1936. Com sua perda, apaga-se o testemunho de um homem que se engajou de corpo e alma em algumas das causas ganhas e perdidas mais decisivas da esquerda brasileira, do pós-guerra aos nossos dias.
Como informa em seu livro de memórias Das Ligas Camponesas à Anistia: memórias de um militante trotskista, publicado em 2007 pela Fundação de Cultura Cidade do Recife, Aybirê fez o ginásio em Moreno e o Científico (antigo Ensino Médio) em Afogados. Foi então que despertou para a política, participando de um movimento nacional hoje pouco lembrado: o da juventude pelo pagamento de meia passagem nos transportes públicos. Liderada pela União dos Estudantes de Pernambuco, a luta conquistou sua meta após uma rebelião que durou cinco dias, em 1958.
Aybirê serviu ao Exército em 1961, passou em primeiro lugar no curso para cabo e cogitou seguir carreira, mas mudou de ideia quando os militares foram chamados a reprimir uma greve geral estudantil em protesto contra tentativa de impedir a palestra de Célia Guevara, mãe do Che, na Faculdade de Direito. Trabalhou, então, como auxiliar de escritório na empresa Brasilgás, mas por pouco tempo. Instigado a participar das lutas políticas em uma das capitais mais politizadas do Brasil, Aybirê procurou contatos com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e, principalmente, com as Ligas Camponesas.
Sob influência da Revolução Cubana, desencadeou-se uma tentativa de revolução armada ainda em 1962, durante o governo João Goulart. A direção das Ligas resolvera organizar uma espécie de braço armado, o MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes), que começou a preparar a instalação de cinco dispositivos em diferentes regiões do Brasil. Aybirê seguiu para São João dos Patos, no Maranhão. Entretanto, o dispositivo de Dianópolis, em Goiás, foi localizado e desbarato rapidamente pelo Exército e o do Maranhão dissolvido, depois de três meses de isolamento. Todos os participantes foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional e depois anistiados por João Goulart.
De volta ao Recife, os envolvidos na experiência do MRT começaram a reunir-se e elaborar um processo de crítica e autocrítica, que os levou a formar a Vanguarda Leninista e, pouco depois, a entrar no PORT (Partido Operário Revolucionário Trotskista), Seção Brasileira da IV Internacional Posadista.
Aybirê militou no PORT até 1975. Participou, lado a lado com Jeremias (Paulo Roberto Pinto), dirigente trotskista assassinado no Engenho Oriente, em També, em agosto de 1963, da luta pela organização dos sindicatos rurais. Foi preso pelo governador Miguel Arraes, juntamente com Carlos Montarroyos e Claudio Cavalcanti, em outubro de 1963, quando tentavam organizar o 1º Congresso Camponês de També, em episódio relatado por Antonio Callado em seu livro Tempo de Arraes.
Solto antes do golpe, Aybirê retomou sua atividade sindical, particularmente em Serinhaém, Rio Formoso e Barreiros. Voltou a ser preso após o golpe, em novembro de 1964, quando participava de uma reunião do PORT em uma casa na Praia de Prazeres, sendo barbaramente torturado. Depois de levado de uma delegacia para outra, de permanecer nos cárceres da Secretaria de Segurança e da Segunda Companhia de Guardas, Aybirê acabou conduzido a Fernando de Noronha, onde permaneceu por quase um ano e meio. Ao contrair hepatite, teve concedida prisão domiciliar e fugiu para São Paulo, onde retomou a atividade política e exerceu ofícios como o de auxiliar de laboratório, auxiliar de almoxarifado, vendedor de livros e funcionário de um escritório de contabilidade.
Aybirê estava presente em momentos dramáticos da vida política de São Paulo nos anos de chumbo: morava em Osasco e participou, como membro do PORT, dos debates e da organização da greve de 1968. Residia, juntamente com sua esposa, Lenise, também militante, em Sapopemba com Olavo Hanssen em 1970, quando este foi preso na manifestação de Primeiro de Maio e assassinado pela polícia política. Voltou a ser preso pela OBAN (Operação Bandeirantes) em 1972. Passou pelo DOPS, Presídio Tiradentes e Casa de Detenção, sofrendo, novamente, a via crucis das torturas, do enquadramento na LSN, do isolamento da filha, Candida Rosa, então com dois anos e meio, e da esposa. Suportou três anos de cadeia onde pôde conhecer pessoas como Paulo Vanucchi, Altino Dantas e José Genoíno e escrever um livro de poemas, Versos Reprimidos.
Depois de solto, Aybirê foi morar em Porto Alegre, afastou-se do PORT com críticas ao regime interno de funcionamento implementado por J. Posadas, de centralização monolítica e “culto à personalidade”. Foi 1º Secretário do movimento trabalhista do MDB e participou da organização do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA) do Rio Grande do Sul. Voltou a morar no Recife em 1979, onde participou da fundação do CBA local, sendo enviado ao Congresso Internacional pela Anistia do Brasil, realizado na Itália, em 1979. Posteriormente, filiou-se ao PDT, fiel as ideias de simpatia política pelo “brizolismo” que o PORT cultivara nos anos 1960.
Aybirê não ingressou no trotskismo levado pelo encantamento com Minha Vida ou com a teoria da revolução permanente, mas por um compromisso radical e coerente com a classe trabalhadora, seus valores, seus projetos, que encontrou no PORT no Recife, uma boa expressão nos efervescentes anos 1960. Um compromisso de vida, que Aybirê sintetizou em seu livro: “Aprendi com meu próprio esforço e meus mestres foram a vida, as massas e a cadeia. Foi essa experiência de vida que me deu como base ideológica os seguintes princípios: o dever fundamental de um comunista é respeitar a dignidade humana; não abrir mão de seus princípios, nem nas discussões teóricas, na prática ou na tortura; ser fraternal com todos os companheiros, especialmente a juventude e os mais velhos, evitar todo o sectarismo, que não só é prejudicial, como deforma toda a pureza das ideias e dignidade revolucionária”.
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