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MOVIMENTO

A utopia da escola para as “tias da limpeza”

por Flavia Torres Presti, Professora doutora em Ciências Biológicas e Doutoranda em Educação
Gustavo Garbino/PMC

Ao ler Estelle Ferrarese em uma discussão sobre o feminino e a cobrança da produção e reprodução pelo sistema em que vivemos, encarei a dificuldade das mulheres na escolha entre o trabalho e o cuidado com o filho. Se optam por terceirizar o cuidado com os filhos, vão pagar um salário bem menor do que o seu para outra mulher que também deixa os seus filhos para outrem. Essas questões me afetaram muito, não que eu tenha tido um grande insight, mas só voltou algo que eu tenho me questionado há muito tempo. Minha concepção de escola é que este espaço deve preparar um indivíduo para a vida em sociedade. A nossa sociedade, especificadamente a brasileira que é a que eu vivo, é desigual e injusta, explicitamente servindo ao capitalismo e aos países considerados desenvolvidos, entregando a nossa riqueza natural. Todo mundo sabe disso, já é senso comum e está nos artigos científicos. Então, se a escola prepara para a sociedade, ela tem feito bem em formar cidadãos consumistas e que normalizam a desigualdade social e econômica. Aí está a questão: se perguntarmos às pessoas se gostariam de uma comunidade mais justa, as pessoas dizem sim. E por que o desejo/teoria não vai para a prática? Talvez porque não consigamos, de fato, enxergar as contradições?

Seria normal para você uma escola que quer diminuir desigualdade ter a “tia da limpeza”? Não é normalizar a desigualdade? A gente paga um salário para baixo, normalmente terceirizado, ou seja, o dono da empresa ganha mais que a colaboradora (ela colabora muito com a sua força de trabalho para alguém ter lucro) que vai passar a vida limpando, já que ela nasceu para alcançar, no máximo essa posição? Ela teve escolha? Assim, gostaria de retornar à minha concepção de escola. A escola traz conhecimento, que deveria ser público e gratuito, e dar oportunidade para as “tias da limpeza” sonharem outros sonhos. Por que a escola não é limpa pelos que a frequentam? Talvez seja uma utopia minha. Mas seria um sonho que meus filhos vissem como natural limpar a sua própria sujeira e poder discutir com professores de química sobre os produtos de limpeza e quem sabe buscar com a professora de biologia uma solução melhor para os produtos que agridem o meio ambiente? A escola não ensina buscarmos soluções para os problemas reais, porque os reais mesmo estão “embaixo do pano” ou na “salinha minúscula das tias da limpeza”.