Por: André Freire, colunista do Esquerda Online
Há exatos cem anos, acontecia um processo político que merece destaque na história da Revolução Russa, que foi a entrada no Partido Bolchevique da “Organização Inter-Distrital dos Sociais-Democratas Unidos de Petersburgo (Comissão Inter-Distrital)” – grupo fundado em 1913, onde até então militava o revolucionário russo Leon Trotsky.
Essa corrente política, que possuía algo entre três a quatro mil militantes, agrupava principalmente os dirigentes do agrupamento que defendia a unidade de todas as correntes do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR) e também antigos Bolcheviques chamados de conciliadores, que tinham se separado do partido.
Mais do que a importância numérica deste agrupamento, seu ingresso nas fileiras bolcheviques representou um fortalecimento qualitativo da coluna de quadros e da direção do Partido. Não só Trotsky, que logicamente cumpriu papel destacado no Sovietes (Conselhos) na insurreição de Outubro, nos primeiros anos do Governo Soviético e na idealização e direção do Exército Vermelho durante a Guerra Civil, mas também outros quadros importantes, como Uritsky e Yoffe, que estiveram no Comitê Central Bolchevique, eleito no VI Congresso do partido.
A aproximação política e programática se consolidou logo no retorno de Lenin e Trotsky à Rússia, após a Revolução de Fevereiro de 1917, que derrubou o Czarismo naquele imenso país, instituindo um Governo Provisório que conviveu durante boa parte do ano de 1917 com uma dualidade de poder, ao lado dos Sovietes.
A oposição de esquerda ao governo provisório de conciliação de classes e o chamado à luta direta pela Revolução Socialista uniram programaticamente Lenin e Trotsky já em maio do ano revolucionário. Porém, em um acordo com Lenin, Trotsky define abrir o debate no seu agrupamento sobre a ida de conjunto ao Partido Bolchevique.
O debate dura ainda alguns meses, se formam duas alas, uma representada principalmente por Trotsky, que defendeu o ingresso no Partido de Lenin, e outra representada por Iurenev, que coloca ainda dúvidas nesta unificação. Ao fim de um debate, a “Inter-Distrital” define pela adesão aos Bolcheviques.
Entre os dias 26 de julho e 03 de agosto (pelo calendário Russo) de 1917 se reúne o VI Congresso do Partido Bolchevique, evento histórico, que define pela estratégia da Insurreição. Este Congresso selou a entrada do grupo de Trotsky no partido, dando conformação à organização que dirigiu a tomada do poder em outubro daquele ano.
Para além da importância histórica deste processo, vale tirar lições sobre qual a metodologia utilizada para discutir a possibilidade desta unificação. Não se exigiu autocrítica sobre debates polêmicos do passado, seja sobre o caráter de classe da Revolução Russa, ou sobre a concepção de partido, tema que tanto dividiu Lenin e Trotsky nos primeiros anos da construção do POSDR.
O que presidiu os debates de construção da unificação, nos marcos do partido Bolchevique, foi o olhar para o futuro, em torno da visão de mundo e de país e, principalmente, sobre as as tarefas colocadas para os marxistas-revolucionários no período histórico que eles viviam.
Unir os marxistas-revolucionários em torno do programa socialista
Guardando as devidas proporções históricas, o exemplo da unificação de Lenin e Trotsky em torno do partido Bolchevique, mesmo depois de muitas polêmicas teóricas, programáticas e de concepção de organização no passado, deve ser valorizado na atualidade, quando a esquerda socialista e revolucionária vive um processo de crise e dispersão, não só no Brasil, como também em boa parte do mundo.
A construção de uma autêntica organização marxista revolucionária se faz, em primeiro lugar, colada aos principais processos da luta de classes, numa relação estreita com os trabalhadores, a juventude e o conjunto dos explorados e oprimidos.
Mas, nesse processo de construção, necessariamente árduo e cheio de obstáculos, não se deve perder o objetivo estratégico de unificar todos (as) os (as) revolucionários (as), que sob o princípio da independência de classe, lutam pela bandeira da revolução socialista, proletária e internacionalista.
É preciso superar o sectarismo, a autoproclamação e uma postura autossuficiente, infelizmente, muito comum em vários agrupamentos da esquerda socialista. Descartar o discurso atrasado de que “somos os únicos revolucionários”, que pode até ser útil para animar uma parte da militância, mas que não ajuda em nada na superação da fragilidade das organizações marxistas revolucionárias na atualidade.
Fugindo a todo o momento de unificações “aventureiras”, construídas sem o verdadeiro rigor e profundidade, devemos buscar de forma permanente a unificação dos marxistas revolucionários, em torno do mesmo programa e da mesma organização política revolucionária, independente de origens e tradições políticas distintas.
A construção de processos como estes não são fáceis, e não poderia ser diferente, no quadro atual da correlação de forças e no nível de dispersão dos revolucionários. Mas, as dificuldades inerentes do processo não devem servir de desculpa para o abandono deste objetivo fundamental para a superação de nossas fragilidades, perante aos enormes desafios colocados pela realidade brasileira e mundial.
Portanto, sem exigir autocríticas sobre erros do passado, sempre a partir de discussões sobre a construção e atualização do programa socialista para o momento que vivemos e da construção de uma organização para o combate na luta de classes, devemos aproveitar o momento de comemoração dos 100 anos da Revolução Russa e da unificação de Lênin e Trostsky no mesmo partido, para nos animar e inspirar para a difícil, mas fundamental tarefa de unir os marxistas revolucionários em torno de um programa socialista e de uma organização revolucionária comum.
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