Por: Daniel Tomazine, do Rio de Janeiro, RJ
Nasci em 1985. Portanto, as grandes mobilizações pelas diretas haviam ficado para trás. Os conturbados anos entre 1989 e 1991, com a queda do muro de Berlim, fim da União Soviética, segundo turno entre Lula e Collor (com vitória deste), até mesmo o Rock’n Rio passaram pela minha tenra infância. Os maiores impactos sociais em mim foram as mortes de Ayrton Senna, Mamonas Assassinas (no dia do meu aniversário de 11 anos) e o tetra campeonato.
Portanto, minha formação passou longe da influência coletiva de grandes mobilizações populares. Pelo contrário, a década de 1990 era a década neoliberal. Os movimentos sociais eram destruídos. No Brasil, quem resistia bravamente era o MST, que enfrentava o governo de Fernando Henrique Cardoso com centenas de ocupações de terra. Era tamanha sua influência, que a Globo resolveu domesticar o assunto colocando a questão agrária em uma novela no horário nobre. “Rei do Gado” cumpria esse papel.
Esses dois parágrafos de poucos relatos pessoais são uma pequena introdução ao seguinte tema: minha geração, e a seguinte, nunca participaram de uma Greve Geral. Entramos no mercado de trabalho entre 16 e 25 anos de idade e, durante todo esse tempo, o máximo que fizemos foram greves específicas.
Sou petroleiro há sete anos. Em 2015, fizemos uma greve de mais de 30 dias. Porém, fomos incapazes de levantar uma única bandeira para além do mundo da Petrobrás.
Mas, tudo isso pode mudar. Todas as centrais sindicais aprovaram o chamado à Greve Geral no dia 28 de abril de 2017. Um dia que tem tudo para se tornar um marco, daqueles que serão acrescentados nos livros de História do Brasil. Assim como o 17 de abril de 2016 entrará, devido à votação do impeachment na Câmara Federal.
O dia 28 de abril se trata de uma luta nacional, política: queremos mais direitos, não menos. Ter a perspectiva de um dia parar de trabalhar para cuidar da própria vida é um anseio da maioria de nossa população. Ir pescar, cuidar dos netos e bisnetos. Acompanhar seu time de coração. Dedicar-se à sua fé, à arte, a projetos pessoais variados. Isto me lembra uma canção da Legião Urbana, chamada “A Fábrica”: “Quero trabalhar em paz, não é muito o que lhe peço / Quero trabalho honesto, invés de escravidão!”
Uma greve geral, com uma pauta que é política, econômica e social ao mesmo tempo, que afeta nossa perspectiva de vida de forma global, é inédito para nossa geração. Seu sucesso ou fracasso terá um grande impacto. Não só para nós, mas para aqueles que estão entrando no mercado de trabalho, ou que se preparam para tal – obviamente, que com 13 milhões de desempregados, isso se torna cada vez mais raro.
O que podemos fazer?
Segundo a proposta do golpista temerário para a previdência, só poderei me aposentar aos 65 anos e, se quiser usufruir do teto do INSS (nenhuma maravilha, por sinal) a qual tenho direito, essa idade sobe para 74 anos.
Alguém consegue conceber que será realmente possível que um idoso suba mais de 30 metros de escada? Trabalhe em área industrial pela madrugada a dentro? Em minha unidade existem válvulas apelidadas de “Katrina”, daquele mesmo furacão que devastou Nova Orleans. Esse nome não é atoa. Leva-se cerca de 10 horas para terminar de abrir ou fechar. Isso a mais de 15 metros de altura do chão, numa plataforma pequena, sob sol ou chuva. É um serviço para idosos? Obviamente que não, só no mundo fantasioso – e corrupto – de Temer e dos bancos que vendem planos de previdência privado.
Meu destino será a demissão, a invalidez, ou a morte em serviço. Essa reforma não quer proteger nosso direito futuro de se aposentar, como diz a propaganda governista. Eles querem nos matar de trabalhar, sem nunca recebermos de fato o benefício do descanso remunerado após uma vida adulta inteira de sacrifícios ao Capital.
O objetivo desse texto era, inicialmente, um apelo aos meus companheiros petroleiros. Vejo como uma oportunidade para lutarmos não só pelas nossas futuras aposentadorias, mas também por nossos empregos atuais: com a terceirização ampla e irrestrita aliada aos planos privatistas de ‘MiShell’ Temer e seu Parente, a Petrobrás está na berlinda como nunca antes esteve. Corremos o sério risco de demissão e recontratação como terceirizados para seguir com as mesmas tarefas, com menos segurança e direito algum – apesar de o governo insistir que, formalmente, todos os direitos trabalhistas seguem existindo.
Mas este objetivo se ampliou. Como petroleiros, que estiveram à frente dos projetos de expansão econômica durante os governos Lula e Dilma, devemos sempre ter uma perspectiva maior. Getúlio Vargas usou a Petrobrás como política nacional desenvolvimentista – atendendo a pressões dos “de baixo”, capitaneadas através da campanha “O petróleo é nosso”. Foi alvo de interesses internacionais desde seu nascimento. FHC tentou mudar seu nome e privatizar por completo. Não conseguiu, mas acabou com o monopólio do Petróleo e Gás. Vivemos mais um capítulo da sina monopolista internacional. É a recolonização que está colocada por detrás do golpe parlamentar.
Assim, lutar por uma Petrobrás pública, primeirizada, também é lutar pelo futuro, pelo direito ao descanso, bem como é a luta contra as reformas da previdência e trabalhista. Nosso primeiro passo é organizar os comitês locais pela greve geral em cada um dos nossos locais de trabalho. Devemos envolver os terceirizados também. Pressionar os Sindipetros para que não só convoquem e realizem assembleias e a greve, mas que convidem os sindicatos dos terceirizados para se unirem a nós. Greve Geral não pode existir sem unidade de toda a classe trabalhadora.
Mas é fundamental rompermos os muros da Petrobrás. Por dois motivos básicos: 1- devemos levar a pauta de defesa da nossa empresa para além de seus funcionários. Ela é um patrimônio do povo brasileiro e deve ser defendida por todos. 2- Nós não somos melhores que ninguém. Nosso destino está intimamente ligado ao de toda a classe. Com certeza se o monopólio estatal não tivesse acabado em 1997 e a tercerização não tivesse avançado, seríamos, hoje, mais de duas centenas de milhares de petroleiros. Seríamos uma força organizada enorme. Não haveriam tantas mortes em nossas fileiras. Não seríamos derrotados tão facilmente. Poderíamos ajudar o conjunto da classe de forma melhor.
O “se” não faz o amanhã. Não resolve nossos problemas presentes. A realidade é que hoje somos mais de 100 mil petroleiros, entre primeiros e terceiros. A poucos anos éramos quase 400 mil. Ganhamos mais do que a média da classe trabalhadora. Temos direitos que a enorme maioria não possui. Um exemplo cabal: mais de 90% das mortes na Petrobrás, nos últimos 20 anos, vitimou trabalhadores de empresas contratadas.
Nossos Sindpetros são máquinas fortíssimas. Ainda não jogaram nem um décimo de suas forças nessa luta. Unificar a mobilização desses aparatos com a dos terceirizados (Sindicato da Construção Civil e Metalúrgicos, principalmente) é mais do que desejável, é necessário. Após estes passos, devemos organizar nossa participação nos atos de rua, unificando com as demais categorias e com a população em geral.
Por fim, mas não menos importante, devemos ampliar este chamado para nossas famílias, amigos, vizinhos. Se é verdade que estamos em melhores condições que a maioria (apesar de que não é nenhum privilégio estarmos expostos a Benzeno, caldeiras superpressurizadas, incêndios, energia em alta-tensão, ficar duas semanas no mar, trabalhar nos feriados, de madrugada, etc), também é verdade que nossos direitos vieram após décadas de lutas e organização e que isso poderia ser o padrão para toda a classe trabalhadora. O fato é que todos nós temos MUITO a conquistar.
O primeiro passo para uma vida digna é garantir nosso futuro hoje. Dia 28 de abril promete. Façamos nós o futuro que pudermos, o melhor que pudermos, com a força que tivermos. A greve geral é esse primeiro passo.
Foto: Carol Burgos | Esquerda Online
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