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‘Alertar é preciso 2’ ou Quando as Forças Armadas declaram apoio à Lava Jato

Por: Euclides de Agrela, de Fortaleza, CE

As grandes controvérsias políticas atuais, como o fatiamento do Pacote Anticorrupção proposto pelo Ministério Público Federal (MPF) na Câmara dos Deputados, a proposição pela mesma Câmara de um Projeto de Lei que criminalizaria o abuso de poder por parte do MPF e membros do Poder Judiciário, a queda de braço entre Renan Calheiros e o Supremo Tribunal Federal, bem como a delação premiada de Marcelo Odebrecht e mais de 70 executivos do Grupo Odebrecht deixaram passar quase despercebida a publicação, no dia 15 de dezembro, de um artigo de opinião do general do Exército Rômulo Bini Pereira.

Rômulo Bini Pereira foi chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa em 2004, ou seja, durante o primeiro governo Lula. O general vem se destacando, pelo menos, desde 2012, com a divulgação de artigos de opinião, particularmente nas páginas de O Estado de São Paulo, onde faz apologia ao golpe de 1964, desqualifica a Comissão da Verdade, que investiga os crimes da ditadura, e agita a necessidade de uma intervenção das Forças Armadas (FFAA) na presente crise política.

O artigo “Alertar é preciso 2” é, na verdade, a sequência lógica de uma opinião escrita com o nome de “Alertar é preciso”, publicada no Estadão em 08 de novembro de 2015. Os dois artigos foram reproduzidos no site do Clube Militar.

Estes dois artigos e, particularmente, o segundo publicado no apagar das luzes de 2016, são a expressão de que a atual crise política redundante do impeachment da presidente Dilma levou não somente à politização do Judiciário, mas das próprias Forças Armadas. Senão, vejamos.

“Adeptos da intervenção militar vêm crescendo visivelmente”

Segundo o último artigo, ao comentar a invasão da Câmara dos Deputados por um grupo simpático à intervenção militar para resolver a atual crise política, afirma o general: “Os adeptos da adoção de uma intervenção militar vêm crescendo visivelmente. Não se tem conhecimento se são adeptos de uma ação direta manu militari ou de um apoio total e participativo num novo governo não eleito pelo voto popular”.

Esta afirmação não é gratuita. Trata-se de um questionamento se existe atualmente uma base de massas disposta a apoiar uma ação direta manu militari, ou seja, um golpe militar ou um governo cívico-militar eleito indiretamente e resguardado explicitamente pelas FFAA.

Ato seguido, o general faz referência ao seu primeiro artigo e pergunta: “Passado um ano, reafirmo o meu questionamento com uma agravante. O segundo artigo da Constituição está em vigor ou é um princípio fundamental inócuo?”.

O questionamento anterior constata o obvio: que há uma explicita desarmonia entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, onde um busca se impor sobre o outro, o que questionaria também sua suposta independência. O Legislativo impôs o impeachment à chefe do Executivo sem provas consistentes sobre crime de responsabilidade. O presidente do Senado, tornado réu por desvio de dinheiro público pelo Supremo Tribunal Federal (STF), desacatou liminar do próprio STF. E o atual chefe do Executivo não consegue superar a grave crise política e econômica pela qual passa o país. Esse é o resumo da ópera escrita pelo general.

“As forças armadas poderão ser chamadas a intervir”

Chama a atenção a opinião de Rômulo Bini sobre as modificações realizadas pela Câmara dos Deputados no Pacote Anticorrupção proposto por iniciativa do Ministério Público Federal: “No Legislativo, sabemos agora que a Câmara dos Deputados não é um cartório, e sim que três centenas de deputados fizeram “emendas à meia-noite” a desvirtuar as medidas anticorrupção propostas pelo povo brasileiro”.

Ou seja, para o general, o chamado Pacote Anticorrupção que propunha uma série de arbitrariedades, como a utilização de provas ilegais, foi uma iniciativa do povo brasileiro que deve ser defendida pelas FFAA, por enquanto, ao que parece, por meio de declarações.

Mas o que mais chama a atenção em seu segundo artigo é a defesa do Juiz Sérgio Moro, dando a este um status superior ao próprio STF: “No Judiciário os brasileiros ainda depositam esperança, graças ao corajoso desempenho dos juízes de primeira instância. Nas instâncias superiores o quadro é diferente. (…) Com a transmissão de suas sessões (do STF) pela TV, constata-se que são graves as divergências pessoais entre alguns de seus membros. E a presença da política partidária faz-se notar. A divulgação de altos salários no Judiciário – ditos legais, mas imorais –, o ‘fatiamento’ de artigo da Constituição aprovado pelo ex-presidente da Corte no processo de impeachment e o desgastante e inédito processo envolvendo o presidente do Senado afetaram a imagem e a credibilidade da instituição”.

Diante da possibilidade, ainda que remota na presente conjuntura, de um golpe cívico-militar, podemos verificar com essas breves palavras quem poderia ser um forte candidato a presidente imposto pela via indireta com o apoio e a tutela das FFAA. Sua tarefa seria, supostamente, reorganizar o Estado e o regime político, restaurando a independência e a harmonia entre os poderes, pondo fim à corrupção político-partidária e governamental.

Mas a política proposta pelo general não se justifica apenas pela desarmonia entre os poderes da República e os sucessivos escândalos de corrupção, mas, pasmem, pela radicalização da oposição ao governo Temer supostamente capitaneada pelo PT: “A atual oposição esqueceu-se de que foi a única responsável pela calamidade que tomou conta do País. Governou durante 13 anos, deixou-o na bancarrota e instituiu uma imoralidade sistêmica. Está em pleno processo de ‘vitimização’ e já defende, histericamente, as manifestações radicais de rua com ações e depredações”.

Apesar das cartas de José Dirceu que, segundo editorial do Estadão de 20 de dezembro, “pretende incitar a militância a ‘ir às ruas’, pois ‘é hora de ação’”, o PT e a CUT não têm se movido no sentido de convocar manifestações de massas para derrubar o governo Temer e impedir a aprovação da PEC do corte de gastos e das contrarreformas da Previdência Social e do Trabalho. A maior prova disso é que o senador Jorge Viana (PT) negou-se a assumir a presidência do Senado quando a liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, propôs o afastamento de Renan Calheiros da presidência dessa Casa. O que explicaria então a solidariedade entre golpistas do PMDB e golpeados do PT? Uma coisa muito simples: o acordo tácito em fazer e deixar aprovar o draconiano Ajuste Fiscal do governo Temer.

Mais do que nunca, lutar é preciso

Depois de agitar o fantasma de uma imaginária estratégia radical do PT, o general não hesita em afirmar “que o país poderá ingressar numa situação de ingovernabilidade, que não atenderá mais aos anseios e às expectativas da sociedade, tornando inexequível o regime democrático vigente”. E conclui de maneira retumbante e ameaçadora: “Desse modo, se o clamor popular alcançar relevância, as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e das instituições”.

Guardemos bem essas palavras: “tornar inexequível o regime democrático vigente” e “as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir”. Apesar da força dessas palavras, obviamente que não existe o perigo imediato de um golpe militar. No entanto, a ameaça foi lançada. No mínimo, ela é um chamado às FFAA a participarem imediata e ativamente da atual luta política.

Os movimentos sindical, popular e estudantil não podem tomar essas palavras por bravatas. A única resposta eficaz dos trabalhadores e do povo aos “Alertar é Preciso” do general Rômulo Bini será um retumbante “Lutar é Preciso” para reverter a atual correlação de forças, derrubar Temer, conquistar novas eleições para a presidência da República e o Congresso, realizar um plebiscito sobre a PEC do corte de gastos, as contrarreformas previdenciária e trabalhista, bem como defender as liberdades democráticas. Mais do que nunca: Lutar é preciso!

Foto: Nelson Almeida/AFP