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BRASIL

Temendo perder não é possível vencer

À luz dos últimos fatos da conjuntura e partindo da ideia popular de que “O medo de perder tira a vontade de ganhar”, analiso sucintamente o quadro político e as possibilidades de proteger o programa de mudanças sociais do efeito devastador dos últimos dias.

Por Fábio José de Queiroz, Fortaleza (CE)
Joédson Alves/Agência Brasil

 

De medos, moderações e derrotas

Certa vez, em uma entrevista, o falecido jornalista Clóvis Rossi falou: “A sabedoria convencional teme o radicalismo do PT; eu temo a moderação” (CULT, 2002, p.13). Ele referia-se ao primeiro governo de Lula, mas as palavras não caberiam também para o terceiro?

Há poucas semanas, escrevi um artigo no qual tratei do tema do medo da mudança que se apodera de setores progressistas, que apoiaram a eleição de Lula para mudar o Brasil e, agora, quase inexplicavelmente, temem lutar pelas transformações necessárias.

Atribui-se ao técnico de futebol, Vanderlei Luxemburgo, a frase “O medo de perder tira a vontade de ganhar”. Certamente, é uma frase que pertence ao universo do senso comum, e que o treinador ajudou a tornar ainda mais popular. A questão é: o que isso tem a ver com esta discussão?

Foi observado em várias ocasiões, ao longo da história, como o temor pela mudança e o medo de perder não são bons parceiros, nem na vida nem na política. O governo provisório, na velha Rússia do começo do ano de 1917, de tanto temer pôr em prática a decisão de tirar o país da guerra, perdeu autoridade e não demorou a sair da cena histórica, apesar do grande prestígio de que gozou inicialmente. O medo de João Goulart de um derramamento de sangue no Brasil, em larga medida, o impediu de coordenar a resistência ao golpe de 1964, cujos desdobramentos tingiram-se de sangue.

Evidentemente, o governo Lula não é o governo provisório nem o de Goulart, nem o Brasil de hoje é o de 1964 e, muito menos, a velha Rússia imediatamente pós-queda do czarismo. Trata-se de estabelecer analogias históricas para recordar ao leitor o quanto o medo paralisante não é uma boa saída política.

Nesse momento, diante de concessões que faz Lula da Silva ao “mercado’ e ao parlamento – dominado por forças de direita e extrema-direita -, esses amplos campos de interesse reclamam anuência do governo, ainda mais, às pautas que eles defendem ardorosamente.

Nessa contenda, o país não jaz diante de um cenário irreversível. É possível enfrentar o rolo compressor das forças reacionárias e deter medidas que ferem o presente e o futuro das pautas que dizem respeito ao serviço público, aos servidores públicos, aos indígenas e ao meio ambiente, duramente feridos pelas últimas decisões da câmara dos deputados.

Os que temem a mudança declaram que não há correlação de forças na sociedade e na vida política que permita que as transformações sociais reclamadas pelas forças progressistas possam, enfim, ganhar direito à cidadania. Mas não há como modificar a correlação de forças sem mover as nossas forças. É aqui que o medo de perder tira a vontade de ganhar.

A deliberação da bancada do PSOL de votar contra o arcabouço fiscal é um sinal de que há vida inteligente no planeta Brasil. Do mesmo modo, deve ser saudada a atitude corajosa e coerente das lideranças indígenas e ambientalistas, dentro e fora do governo, contra o desmonte das estruturas que, desde o interior do condomínio governamental, podem servir de suporte, por exemplo, às florestas e aos povos da floresta.

deve ser saudada a atitude corajosa e coerente das lideranças indígenas e ambientalistas, dentro e fora do governo, contra o desmonte das estruturas que, desde o interior do condomínio governamental, podem servir de suporte, por exemplo, às florestas e aos povos da floresta.

A luta está só começando. Os apressados já desistiram dela. Mas há esperança! Em relação a isso, só é preciso renunciar ao medo de perder. É a condição, não digo da vitória, sim da luta, e sem essa, seguramente, nunca houve, não há e nem haverá vitórias.

Por fim …

A dolorosa experiência dos últimos dias, e até mesmo das últimas horas, pode levar o sujeito social a abaixar-se diante do que parece inexorável. Nada mais equivocado! É preciso cuidar das feridas e se agarrar ao sentido mais profundo da canção popular: “Nada a temer senão o correr da luta/ Nada a fazer senão esquecer o medo”.

Isso é assim, sobretudo, porque não é possível vencer temendo perder.