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PSOL pode e deve ir muito além do PT

Por: Enio Bucchioni, de São Paulo, SP

Para efeito de uma primeira análise parcial acerca das recentes eleições municipais, tomei os dados estatísticos das primeiras dez cidades mais populosas do país, em ordem decrescente, todas elas capitais. A  saber: São Paulo, Rio de janeiro, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte, Manaus, Curitiba, Recife, Porto Alegre e Belém.

Os dados tornados públicos nas eleições para prefeitos fornecem  números importantes para uma primeira avaliação, números  que arredondei o mais próximo da realidade para facilitar  a compreensão política.

PSDB: cerca de 5,71 milhões

PMDB : 1,7 milhões

PT: 2,02 milhões

PSOL: 1,16 milhões

PSTU: 25 mil

É indubitável que o PSDB sai como a primeira força das classes dominantes, com quase três vezes mais votos que o reformismo representado pelo PT. Do ponto de vista burguês, foi o PSDB o partido mais lúcido e determinado em toda a campanha pelo ‘golpe democrático’ contra o governo de colaboração de classes de Dilma e do PT.

É interessante observarmos que o PMDB de Michel Temer obteve nestas 10 capitais menos votos até mesmo que o PT, mas menos do que um terço do total do PSDB.  No entanto, juntos eles somam perto de 7,4 milhões de votos, o que dá ao governo Temer uma consolidação do golpe nas urnas. Assim, as portas estão abertas para esse governo burguês puro-sangue desatar toda a sorte de ‘reformas’ , ajustes e austeridade contra a classe trabalhadora, a juventude e todos os demais setores explorados e oprimidos. Veja, caro leitor, que não coloquei nesse texto os votos do DEM e do Centrão, também bases do governo Temer e, em geral, mesmo com fricções e contradições, acabam por seguir as diretrizes dadas pelos quadros do PSDB.

É de se ressaltar, no entanto, que, em dinâmica, isso não significa que esse  governo espúrio possa sair da instabilidade política. As contra-reformas mais drásticas ainda não foram formalizadas na prática, veremos como se dará a luta de classes e a reação indignada dos trabalhadores contra elas. Também não está definida na conjuntura o tamanho do descalabro da economia capitalista em nosso país e a possibilidade de se sair da crise do ponto de vista capitalista.

Os dados eleitorais do PT e do PSOL
É interessante observarmos que do ponto de vista quantitativo eleitoral o PSOL conseguiu um pouco mais da metade dos votos do PT nas dez capitais mais populosas do país, o que é uma grande novidade e dá uma ideia da derrota política do reformismo petista bem como  do avanço significativo da legenda do PSOL.

Aliás, dos 53 vereadores eleitos pelo PSOL no país inteiro – antes eram 49 – 18 foram eleitos nestas dez capitais. Nestas cidades, a relação ficou assim entre os vereadores eleitos:

São Paulo : PT 9 x 2 PSOL

Rio de Janeiro: PT 2 x 6 PSOL

Salvador: PT 3 x 1 PSOL

Fortaleza : PT 2 X 0  PSOL

Belo Horizonte: PT  2 X 2 PSOL

Manaus : PT 1 X 0  PSOL  

Curitiba : PT 1 x 0 PSOL

Recife: PT 2 x 1 PSOL

Porto Alegre: PT 4 x 3 PSOL

Belém: PT 1 x 3 PSOL

Resumo das 10 maiores capitais do país e vereadores eleitos: PT 27 x 18 PSOL.

Uma pequeníssima diferença. Assim, do ponto de vista de projeção eleitoral seja em número de votos obtidos, seja no total de vereadores eleitos, a conclusão óbvia é que há um crescimento muito grande e importante do PSOL e um decréscimo imenso do PT. Ou seja, o PT já não mais tem a hegemonia indiscutível em relação àquilo que existe de esquerda no Brasil.  Devemos relembrar que o PSOL praticamente não participou dos debates televisivos, bem como tinha apenas 11 segundos de tempo nos programas políticos diários. Certamente seria bem maior o resultado eleitoral do PSOL sem essas barreiras anti-democráticas do regime democrático-burguês em nosso país.

Cabe ressaltar que o PSTU não elegeu nenhum vereador em todo o país. Aliás, se compararmos a expressão eleitoral dos votos do PSOl com os do PSTU  chega-se à conclusão simples de que o total do PSOl é um pouco mais de 46 vezes superior ao do PSTU nas eleições para prefeitos nestas 10 capitais.  

Alguém poderá afirmar que, no total geral do país, o PSOl retrocedeu um pouco pois em 2012 havia tido cerca de 2,3 milhões de votos para vereador e agora, em 2016, apenas 2,09.  Convém registrar que, diferentemente de outras ocasiões, por motivo da contra-reforma na Câmara, outrora  presidida pelo larápio Eduardo Cunha, o PSOl e o PSTU ficaram de fora dos debates das TVs e com escassos segundos na propaganda eleitoral pelo horário eleitoral das rádios e TVs.

Ampliando as estatísticas  para todo o país
Se ampliarmos os dados para o total de votos para vereadores em todo o país, teremos o seguinte quadro:

PSDB: 17,6 milhões de votos, sua maior votação desde sempre Em 2012 obteve 13,8. Foi o mais votado em 2016. Com a grande votação do Doria em SP no primeiro turno, o PSDB é o partido das classes dominantes vencedor destas eleições.

PMDB : 14,8 milhões. Apesar de perder 2 milhões desde 2012 , tem ainda capital político para influir nas eleições de 2018 junto aos outros partidos burgueses. No entanto, Temer e Serra tiveram uma grande derrota política em São  Paulo ao apoiarem Marta Suplicy contra o PSDB de  Alckmin e Doria. Maior ainda é a derrota arrasadora do PMDB no Rio.

PT: 6,8 milhões. Em 2012 obteve 17,2 milhões de votos. Perda de mais de 10 milhões de votos. O PT reformista e a sua colaboração de classes após 13 anos no comando do governo federal com Lula e Dilma foi o maior derrotado nestas eleições.  Tudo leva a crer que a grande maioria, quase totalidade destes votos perdidos foi transferido para os partidos de direita, contrariando em absoluto quem afirmava que a classe trabalhadora havia rompido com o PT pela esquerda. Assim não foi. O rompimento dos eleitores assalariados do PT foi para a direita.

PSOL: 2,09 milhões. Perdeu  300 mil em relação a 2012. No entanto, elegeu mais vereadores nessa ocasião e foi para o 2º turno em duas capitais importantes, Rio e Belém, bem como em Sorocaba, importante cidade do interior  paulista. Além disso, é importante realçar que o PSOL teve os vereadores mais votados de Belo Horizonte, Belém e  Porto Alegre.

PSTU:  cerca de 77, 9 mil votos  em seus candidatos à vereador, sendo que o MAIS, que concorreu pela legenda do PSTU, teve cerca de 12 mil votos.

Para que não fique dúvida sobre a correlação de forças pendendo à direita e refletida nestas eleições, o número total de vereadores eleitos pelo PMDB (7.551), PSDB (5.355), DEM (2.855) e Centrão ultrapassa a casa dos 27 mil. O reformismo petista conseguiu diminuir de 5.067 para 2.795 eleitos. A esse número do reformismo petista teríamos de agregar os 998 eleitos do PC do B. Já a antiga esquerda socialista não governista representada pelo PSOL tem apenas 53.

As estatísticas eleitorais servem para alguma coisa?
“ O Partido Comunista alemão recebeu três milhões e duzentos mil votos nas eleições do ano passado (1928). Esse resultado, posterior à derrota de 1923 foi sumamente significativo e prometedor. Porém, de nenhuma maneira é um sintoma de uma situação revolucionária. Sobre esses três milhões e duzentos mil pesam os nove milhões (obtidos pela social-democracia) que refutam totalmente a conversa fiada de Thaelman (máximo dirigente do PC alemão) acerca de que a situação se torna  “mais revolucionária a cada dia”. Essa citação está nas páginas 230 e 231 dos Escritos de Trotsky. Tomo I, volume I, 1929-1930, Editorial Pluma ,1977, do texto de 26 de junho de 1929 cujo título é ‘ Que nos depara el 1º de agosto?’.

Como Trotsky interpretava esses dados eleitorais?

Depois da experiência da guerra e da derrota do militarismo alemão, da insurreição revolucionária e das amargas derrotas do proletariado, amplas massas operárias , que incluem uma nova geração, sentem a necessidade de passar novamente pela escola do reformismo (da social-democracia). Página 229 do livro citado.

Várias outras vezes Trotsky utilizou as estatísticas eleitorais para obter caracterizações políticas, como essa charlatanice do PC stalinista alemão sobre a situação cada vez mais revolucionária sendo que o reformismo da social-democracia obteve o triplo de votos do PC.

O que ele diria do Brasil de 2015/2016 com os poucos  milhões de votos do reformismo PT/PC do B , os muitíssimos milhões de votos a mais da direita tradicional encarnada pelo PSDB,PMDB,DEM, Centrão e ainda os poucos votos da antiga esquerda não-governista?

O leitor poderá ver outras aplicações das estatísticas eleitorais usadas por Trotsky no livro “Revolução e Contra-Revolução na Alemanha” ou no “Aonde vai a  França?”, só para dar mais alguns exemplos.

A afirmação de que os resultados eleitorais são deformados em relação à realidade é verdadeira, mas isso não deve significar ignorar os resultados. Afinal, são uma expressão distorcida da luta de classes. Dizer, entretanto que não serve para nada é ocultar a realidade e enganar não somente a nós mesmos, aos nossos militantes bem  como a classe trabalhadora que pretendemos representar.

Desafio do PSOL: á reboque da colaboração de classes ou para muito além do  PT?
Todos os números acima indicam que houve um avanço  importante do PSOL. Politicamente o mais importante e qualitativo é a sua passagem para o 2º turno em duas capitais, principalmente no Rio de Janeiro. Aí o PSOL fez desmoronar os caciques do PMDB que comandavam a prefeitura e o Estado faz já muitos anos, bem como as candidaturas do PSDB e PC do B .Esta última apoiada pelo PT, por Lula e Dilma.

Seu adversário, o senador Crivella foi ministro do governo Dilma. Crivella é ligado à Igreja Universal do Reino de Deus e hoje acabou de obter o apoio da extrema direita  dos Bolsonaros.

A chegada de Freixo no segundo turno deve ser aproveitada para potencializar ainda mais a construção de uma alternativa política que supere o PT. Neste sentido é muito importante nacionalizar a campanha,  denunciar publicamente o ‘golpe democrático’, agitar e propagandear diretamente o Fora Temer! junto ao movimento de massas e à vanguarda dos ativistas. As alianças do PT e PC do B com os burgueses Cabral e Pezão do PMDB nunca mais devem se repetir. É a chance de ganhar milhões para a ideia de que as privatizações não resolvem nada, de que é possível ganhar e governar ao lado dos trabalhadores e do povo.  

Precisamos tirar as lições do PT. É impossível governar ‘para todos’ e defender a saúde, transporte e educação públicas. Foi muito importante ter levado a público a denúncia da violência praticada diariamente pela PM e pelas milícias.

Vale a pena  também destacar  que a Frente de Esquerda que se alinhou com Freixo participou dos espetaculares comícios de rua em pleno centro do Rio de Janeiro, levando dezenas de milhares de pessoas a participarem ativamente de sua campanha, de forma que cada um desses ativistas se transformasse em um militante a mais dessa campanha e não um  mero espectador passivo da TV.

Até o momento Freixo e o PSOl do Rio de Janeiro estão fazendo exatamente o inverso do que o  Clécio Luis  executou em Macapá. Eleito em 2012 pelo PSOL numa coligação espúria com partidos burgueses – PV, PPS, PMN,  PTC e PRTB – e apoiado por Lula e Marina no segundo turno, Clécio acabou governando contra os trabalhadores e saiu do PSOl, indo para a REDE de Marina. Ou seja, acabou por tomar o mesmo rumo do reformismo petista.

Em síntese, as eleições do Rio de Janeiro demonstram que a esquerda socialista pode e deve ir muito mais além do que foram o PT, Lula e Dilma. Esse é a expressão política da campanha de Freixo no primeiro turno.

Ainda que seja muito difícil a sua eleição, pois os votos dados ao conjunto dos partidos burgueses é muito maior do que os obtidos pelo PSOL, há um imenso significado político para todos os que militam em prol do socialismo. Opõe um senador candidato da base do governo Temer contra um que reflete as classes exploradas.

Nesse momento a candidatura Freixo representa o Fora Temer! e suas medidas anti-trabalhadores em todo o país e abre todo um espaço para a reorganização da esquerda não –reformista no Brasil.