Pular para o conteúdo
BRASIL

Direito e ética médica: o que andam ensinando nas faculdades de medicina?

Por Larissa Vieira e Juliana Benício
Saúde Prefeitura Rio Bonito RJ / CC

Nesta semana, viemos falar sobre um tema que há algum tempo vem nos incomodando: que tipo de médicas e médicos estão sendo formados no país? Quanto de empatia podemos esperar desses e dessas profissionais quando lhes confiamos o bem mais precioso de que dispomos, a nossa vida?

Para nortear as reflexões, trataremos de alguns fatos notórios ocorridos nos últimos tempos e que nos deixaram pensativas sobre qual tipo de ensino as e os estudantes de medicina têm acesso nas faculdades.

Nos dias em que o país estava em um momento de grande fervor político, tão logo Lula foi nomeado pela então presidenta Dilma Rousseff como Ministro da Casa Civil, uma médica de Porto Alegre mandou mensagem para uma mãe, cujo filho era seu paciente “declinando, em caráter irrevogável”, de continuar atendendo a criança de um ano. A mãe aqui tratada era filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) e essa foi a justificativa dada pela profissional para cessar o tratamento.

Na época de uma das eleições mais acirradas da história de nosso país, em 2014, quando muitas médicas e médicos faziam forte campanha para eleger o candidato Aécio Neves, não foram raros os relatos estarrecidos de amigas, amigos e familiares narrando que durante as consultas eram questionados acerca de seu posicionamento político. “Pacientes”, cuja estupidez é pressuposta já sob a análise semântica do substantivo que lhes nomeia, muitas vezes tinham que mentir ou declararem-se conforme o já esperado posicionamento da “doutora” ou “doutor” que lhes atendia.

Em julho do ano passado, viralizou nas redes sociais a foto de um médico segurando um cartaz com os dizeres “Não existe pneomolia e nem raôxis”. O médico fez a zombaria pouco depois de atender o mecânico de 42 anos que estudou apenas até o segundo ano do ensino fundamental e não falou essas palavras conforme as exigências do padrão linguístico culto. O médico acabou demitido.

Recentemente, vimos notícias que comprovam que demonstrações de respeito são esquecidas até mesmo quando pacientes estão no leito de morte. Por ocasião da morte de Marisa Letícia, ex-primeira dama, uma médica do Hospital Sírio Libanês divulgou, em grupos de WhatsApp, informações e resultados de exames sobre o estado de saúde da paciente. Colegas do grupo não hesitaram em fazer piadinhas com a dor alheia. Nesse caso, a médica também foi demitida do hospital Sírio Libanês.

É possível escalonar e atribuir pontuação para as atitudes pautadas pela falta de profissinonalismo, ética e humanidade? Difícil responder a esse questionamento, visto que basta uma atitude desumanizadora para se causar dano à personalidade. Todavia, há de se reconhecer a gravidade diferenciada da conduta de médicas e médicos que, quebrando o sigilo profissional, denunciam pacientes que acessam hospitais públicos, quando suspeitam que essas fizeram aborto. Nesse caso, as médicas e médicos não consideram, ou não querem considerar, que as usuárias do serviço público de saúde são as mulheres pobres, que não têm condições financeiras de pagar por uma clínica clandestina de aborto, segura e confortável das muitas que existem pelo país.

Cabe reforçar, portanto, que as maiores prejudicadas por essa conduta antiética são as mulheres negras, já que são a maioria das mulheres pobres. O que leva as médicas e médicos, frente a um momento de tanto sofrimento para a mulher, quebrar o sigilo profissional para puni-la ainda mais? Independente da posição político/ideológica/religiosa, a médica e o médico jamais poderiam quebrar o sigilo profissional nesses casos. A prática atenta contra a ética profissional, encontra proibição legal (Art. 229, I, Código Civil Brasileiro de 2002; Art. 207, Código de Processo Penal.) e, em caso de quebra do dever de silêncio, esse profissional pode ser submetido tanto a procedimento administrativo perante o CRM (Art. 102, Código de Ética Médica), como a procedimento criminal (Art. 154, Código Penal).

Qualquer um de nós, pobres mortais, sabe que médicas e médicos que se acham acima do bem e do mal juram compromisso com a ética médica em primeiro lugar e que cada paciente deve ser tratada e tratado sem distinção de qualquer natureza, devendo prezar, ainda, pela DIGNIDADE da pessoa doente e de seus entes queridos. É bom lembrar que esse não é apenas um mandamento para profissionais da saúde, recaindo indistintamente sobre todas as brasileiras e brasileiros, uma vez que a Constituição de 1988, além de alçar a dignidade da pessoa humana à condição de fundamento da República, estabelece que TODAS E TODOS são iguais perante a lei.

As demissões, sindicâncias e penalidades para quem descumpre esses princípios básicos podem ser pedagógicas? Não sabemos. O que sabemos é que igual a essas e esses médicos há milhares sendo formados anualmente nas centenas de faculdades de medicina existentes por todo o país. Depois desses ocorridos, quem nos garante que no próximo hospital onde forem trabalhar, não farão o mesmo? Quem assegura que aquela ou aquele profissional contratado para substituir protagonistas dos terrores da vida real não vestirão a capa da vilania quando chegarem ao hospital “desafetos”, “inimigas” e “inimigos”, ou simplesmente alguém que não saiba pronunciar corretamente palavras do vocabulário médico?

Não é demais dizer que não se trata de fazer generalização quanto às e aos profissionais médicos ou da área da saúde, até porque acreditamos e conhecemos muitas e muitos que exercem com ética a profissão.

Nesse sentido, refazemos a pergunta: o que médicas e médicos andam aprendendo nas faculdades de medicina? Que tipo de profissionais estão sendo formados nessas escolas? Parece-nos, pelos exemplos vistos, que para além de compreender sobre a anatomia e doenças que afetam o ser há humanidade, tais profissionais precisam compreender que por trás daquele pedaço de carne há um ser humano, único em suas individualidades e sentimentos. De nossa parte, queremos saber que quando nos dirigimos à sala dessas e desses profissionais, seremos tratadas com gentileza e que seremos respeitadas diante de nossas vulnerabilidades, incertezas e individualidades.

São pontos para se refletir. E, enquanto tudo isso não muda, é seguir cuidando da saúde para não precisar de uma médica ou médico.