Este ano marca o primeiro feriado nacional no dia 20 de novembro, dia da consciência negra. Sancionado para lembrar a resistência negra, é acompanhado da possibilidade de um dia de folga no trabalho, para aqueles que diariamente sustentam a engrenagem da economia. O feriado vem, no momento em que o direito ao descanso, tem sido pauta dos últimos debates levantados nacionalmente pelo movimento VAT- Vida Além do Trabalho.
Esse movimento foi o responsável por demarcar em todos os espaços, nos últimos meses, principalmente nas redes sociais, que a existência da escala 6×1, ou seja, 6 dias trabalhando e apenas 1 descansando, está ligada a uma compreensão desumana e escravista do trabalho no Brasil. Essa escala utiliza a mesma lógica da escravização, para justificar as jornadas exaustivas de trabalho, onde o descanso é dito como privilégio e não como um direito.
A petição online do VAT, contra a escala 6×1, já ultrapassou 2 milhões de assinaturas e agora ganha novos contornos com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) defendida brilhantemente pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), em colaboração com o líder do movimento VAT, Rick Azevedo. Rick, atual vereador eleito do PSOL, teve uma votação expressiva de 29 mil votos, vindos principalmente dos eleitores das periferias e subúrbios do Rio de Janeiro.
Mas esse debate não é novo. Faz parte de uma luta histórica da esquerda por melhores condições de trabalho e a redução da jornada. Mas é nítido que o debate ganha novos aspectos frente à atual ofensiva neoliberal sobre os direitos trabalhistas e ao avanço do debate racial conectados à leitura sobre a classe trabalhadora brasileira.
Por isso é tão expressivo que sejam duas pessoas negras e LGBTs, Erika e Rick, que assumam na esfera política institucional o protagonismo de uma luta travada diariamente pela classe trabalhadora negra desse país, que estão nos piores e mais precarizados postos de trabalho.
A história do Brasil já demonstra que é possível que o moderno sirva ao arcaico, afinal, somos de um país em que o trabalho livre começou a ser empregado concomitante com a permanência do trabalho escravo. Que possui uma burguesia atrasada, que demorou a abolir a escravidão e sempre usou do racismo como argumento para barrar qualquer avanço sobre o povo preto. Heranças deixadas e assimiladas pelo supremacismo branco, dominante na extrema direita do Brasil, que segue contra o fim desta escala desumana.
Então, não é surpreendente que seja justamente essa burguesia que agora utiliza os argumentos de “quebra na economia” para a manutenção de uma carga horária e condições de trabalho análogas a escravidão. Nesse país, como afirma o intelectual Clovis Moura, a escravidão foi o cimento e os alicerces da sociedade capitalista, em que durante um período de tempo relativamente longo, foi um de seus elementos mais importantes. Nesse sentido, ao povo historicamente responsável pelo acúmulo de riquezas no país, resta seguir ouvindo que ter seus direitos é um empecilho para o avanço da economia.
Por isso, foi uma importante demonstração de força, que todos os movimentos ocuparam as ruas do Brasil no dia 15/11 pelo fim da escala 6×1 e pressionando o governo Lula a assumir essa pauta. Agora, no dia 20 de novembro, é de extrema importância seguir pautando esse debate, como aqueles que sabem que é da classe trabalhadora negra da qual estamos falando, quando exemplificamos os atingidos por tamanha precarização.
No dia da consciência negra, a nossa luta ainda é sobre reparação. A escala 6×1 demonstra as faces dessa falsa abolição e dos mecanismo do capitalismo, que precisa do racismo para manter os seus mais altos níveis de exploração sobre a classe trabalhadora.
No dia da consciência negra, a nossa luta ainda é sobre reparação. A escala 6×1 demonstra as faces dessa falsa abolição e dos mecanismo do capitalismo, que precisa do racismo para manter os seus mais altos níveis de exploração sobre a classe trabalhadora.
Queria acreditar que estamos perto de vencer essa realidade, mas cenas como a dos estudantes da PUC-SP com xingamentos racistas aos estudantes cotistas da USP, ou mesmo do prefeito de Dilermando de Aguiar no Rio Grande do Sul que se recusa a dar o feriado do dia 20 de novembro por negar a existência do racismo na sua cidade, demonstram que a caminhada ainda é longa. Mas sabemos que a liberdade é uma luta constante.
Zumbi dos Palmares, em mais um dia 20 de novembro, segue mostrando o caminho: apenas a luta dos explorados e oprimidos poderá emancipar a classe trabalhadora negra e construir Palmares de novo!
Comentários