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Brasil: país do Agro, terra do fogo

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Gabriel Santos

Gabriel Santos é nascido no nordeste brasileiro. Alagoano, mora em Porto Alegre. Militante do movimento negro e popular. Vascaíno e filho de Oxóssi

Porto Alegre, o Rio Grande do Sul e metade do Brasil estão com uma fuligem tóxica, uma nuvem de fumaça, nos olhos, no aparelho respiratório e sob a cabeça, fruto das queimadas que tomam conta do território nacional, do interior paulista, a Amazônia, passando pelo cerrado. Enquanto isso, a vida segue normalmente.

O céu está em tons apocalípticos. Como num filme distópico, em que aquilo que resta da humanidade vive debaixo de uma imensa nuvem de fumaça e não se consegue ver o sol.

Estamos assistindo inertes o maior período de queimadas da história do país. O fogo que consome biomas, matas e agora o céu, surgiu há semanas ou há meses? Não sabemos ainda. O que sabemos é que a expansão acelerada da fronteira agrícola, inaugurada da ditadura militar, tornou cada vez mais normal as imagens de florestas e outros ecossistemas sendo devorados pelas chamas.

Desde que o Brasil é Brasil, ou seja, desde que essa terra se tornou parte do processo de acumulação primitiva do capital e entrou na modernidade colonial, a destruição do meio ambiente faz parte do cotidiano. Essa movimentação de destruição do meio ambiente para a expansão da fronteira agrícola visando o mercado exterior é um elemento estrutural de nosso capitalismo dependente, mas está ocorrendo cada vez mais rápido.

Se para a destruição de 90% da Mata Atlântica foram necessários 4 séculos. Estamos vendo em um intervalo de 3 gerações algo sem igual. A partir de 1985, há quarenta anos, com a industrialização do campo (surgimento do agronegócio) foram destruídos 110 milhões de hectares, 13% do país, de áreas naturais para ceder o lugar a lavouras e pastagens. Nossa geração vive a destruição do Pantanal e da Amazônia chegando ao ponto de não retorno.

Hoje, com a crise de acumulação do capital, uma das soluções possíveis que as burguesias apresentam para aumentar seu lucro é o aumento e expansão das fronteiras produtivas. Isso pode ocorrer com o avanço do capital privado sobre o bem público, e de forma geográfica com a criação de novas fronteiras para o capital, aumentando geograficamente a área de exploração.

Cerca de 97% do desmatamento que ocorreu em áreas de vegetação nativa durante os últimos cinco anos tiveram como objetivo áreas para a pecuária.

A utilização de queimadas é uma das formas de expandir essa fronteira. Sendo usadas pelo agronegócio para o avanço de pastagem e lavoura sobre a vegetação natural, áreas conservadas, territórios indígenas e quilombolas. Cerca de 97% do desmatamento que ocorreu em áreas de vegetação nativa durante os últimos cinco anos tiveram como objetivo áreas para a pecuária.

As Terras Indígenas invadidas pelo garimpo, por coincidência são aquelas com maiores focos de incêndio. O que mostra o teor criminoso dessas ações. Os territórios Mundurucus (PA), Kayapó (PA), e Sararé (MT), sofreram com 1.111 focos de incêndio durante o mês de agosto. No mesmo período do ano passado, esses territórios registraram 163 focos de incêndio.

Os incêndios criminosos que estamos vendo encontram condições ambientais favoráveis para seu fortalecimento, como as ondas de calor e secas extremas. Estes fatores climáticos por sua vez, se intensificam com as mudanças climáticas, sendo consequências delas e contam com a contribuição do agronegócio, pelas mudanças no uso do solo e pelas próprias queimadas, que são as que mais emitem gases de efeito estufa em nosso país.

O papel destrutivo para o solo e meio ambiente que o atual modelo de agricultura adotado no Brasil é de conhecimento geral. Mas os grandes fazendeiros, a burguesia agropecuária, seguem impunes quando cometem crimes, e pior, ainda recebem benefícios do Estado brasileiro.

Um exemplo é a diferença de investimentos do governo federal para a agricultura familiar e para o agronegócio. Enquanto para o primeiro, o Plano Safra destina 76 bilhões em créditos rurais, para o último o valor foi de 400 bilhões.

Um exemplo é a diferença de investimentos do governo federal para a agricultura familiar e para o agronegócio. Enquanto para o primeiro, o Plano Safra destina 76 bilhões em créditos rurais, para o último o valor foi de 400 bilhões.

Nessas queimadas, o agronegócio tem sido colocado publicamente como vítima, por parte da mídia e da direita. Buscando ignorar a responsabilidade desse setor pelas mudanças climáticas e também a relação criminosa dos grandes fazendeiros com parte significativa dos incêndios, o governo de São Paulo anunciou que proprietários de terra estão livres de serem multados por órgãos ambientais. Foi anunciado também o crédito com 0% de juros e carência de dois anos para proprietários de terra afetados pelo incêndio.

Os caminhos adotados pelos governos estaduais e, em partes, pelo governo federal parecem ser o inverso do necessário. É preciso que se responsabilize juridicamente e economicamente os proprietários de terras que praticam crimes ambientais, como as queimadas. Em medidas que vão desde a proibição de acessar investimento estatal, passando por fortes multas e até mesmo a expropriação das terras. É necessário também investigar e cobrar as dezenas de bilhões que o agronegócio deve aos cofres públicos. 

É preciso enxergar a atuação do agronegócio como uma atuação de classe e de disputa pelo Poder. Políticas públicas e investimentos em servidores ambientais são necessários e urgentes, mas é preciso buscar debater e enfrentar o formato das propriedades rurais no Brasil. O monocultivo, somado a agrotóxicos, exploração animal em massa, violência rural, especulação financeira e uma lógica econômica que se baseia constantemente na expansão de propriedade e acumulação de terras, é uma ameaça não apenas ao pequeno agricultor, mas a todos nós.

O atual projeto agrário brasileiro que organiza nossa produção nos últimos 40 anos, pode ser parte significativa de nosso PIB, e por isso é entendível que não possamos abrir mão do mesmo de uma hora para outra. Mas é visível que esse projeto chegou em seu limite e precisa ser superado. A concentração de renda, e a monocultura visando o mercado externo, que remontam ao período colonial, as capitanias hereditárias e a Lei de Terras de 1850, precisam ser apagadas de vez de nossa história como Nação.

Não será de uma hora para outra que o poder político da burguesia do agronegócio será diminuído. Mas o investimento de bilhões de reais nesse setor, sem que se tenha uma responsabilização do mesmo, é algo que aprofunda nossos problemas, nossa desigualdade social, e nossa dependência econômica. 

A tendência é que diante das mudanças climáticas aprofundadas pelo agronegócio, esse setor tenha perdas maiores, e irão pressionar cada vez mais o Estado por subsídios. Ao mesmo tempo que avançam seu ódio de classe e sua relação política com a extrema direita e outros setores de nossa nova burguesia como os mercadores da fé. 

O Brasil precisa se ver livre de uma lógica de produção agrícola baseada na acumulação de terras. É urgente um compromisso ambiental que envolva forças populares-governo-Estado. É impossível falar sobre preservação ambiental no Brasil sem falar do enfrentamento à degradação do solo e do agronegócio. Por mais que a batalha seja difícil, ela precisa ser feita. 

Enquanto pensava nesse texto durante uma viagem de ônibus, passei por uma placa de um banco privado que anunciava com orgulho ser um parceiro e fiador do agronegócio.

Nesse atual momento que pela roda do destino nascemos e nele vivemos, precisamos saber quem são nossos inimigos. Não temos tempo a perder, justamente por termos muito pouco tempo sobrando.

Nós temos que mudar o futuro a partir do hoje, construir um outro projeto de País, enquanto as árvores não perderam suas folhas, os rios não secaram, e a terra não nos engoliu. 

A fumaça aos poucos nos devora, o céu não é mais azul e desaba sob nossa cabeça, enquanto nossa burguesia fica mais rica e bola um plano para fugirem para um planeta B. 

A nós, nos resta a miséria, a doença, o ódio e a possibilidade de lutar. Antes que o tempo acabe.