Por: Maria Hora de Macêdo, de Maceió, AL
Há que se começar repetindo os poucos dados disponíveis sobre a população trans no Brasil: nós somos o país que mais mata travestis e transexuais, e 90% dessas pessoas estão ou já estiveram em situação de prostituição.
Desde o lançamento da campanha “Travesti e Respeito” pelo Ministério da Saúde na criação do Dia da Visibilidade Trans, em 2004, a discussão sobre o acesso aos direitos básicos de cidadania por parte de travestis e transexuais é uma pauta de segunda ordem nas lutas sociais e principalmente no Congresso Nacional — onde, ironicamente, foi lançada a campanha.
É preciso, antes de tudo, compreender que o relacionamento entre o Ministério da Saúde e os setores do movimento trans nasce a partir da necessidade de atentarmos a um dos principais problemas que travestis e transexuais enfrentam atualmente no Brasil: a ausência de humanização no atendimento público de saúde, somada ao índice crescente de HIV entre essas pessoas e às consequências causadas pela transição hormonal, muitas vezes autocontrolada, contribui com os fatores responsáveis pela baixa expectativa de vida de uma pessoa trans: 35 anos.
Não podemos, entretanto, nos omitir a uma discussão maior: o discurso médico ainda enxerga a transexualidade e a travestilidade como patologias. A Classificação Internacional de Doenças classifica o “transtorno de identidade de gênero” (sic) como um dos transtornos mentais e de comportamento.
Lutar pela saúde de travestis e pessoas transexuais ignorando o histórico de violências médicas a que essas pessoas são submetidas é reforçar a marginalização e o pouco acesso aos direitos mais básicos.
Mesmo dentro dos movimentos sociais, a criação de espaços seguros para debater as pautas trans tem sido uma tarefa pouco eficiente: essas demandas se tornam sempre secundárias dentro dos movimentos LGBT e feminista. Não há espaços exclusivos para a voz da população T, e as especificidades desse grupo só são citadas quando há uma tentativa de provar interseccionalidade dentro das lutas de minorias.
Numa época em que a “cura gay” tornou-se uma discussão emergente no país — com efeito, por uma proposta absurda de decreto legislativo que determina a atuação de profissionais da Psicologia em assuntos de orientação sexual —, a “cura trans” passou batida e não se discutiu a obrigatoriedade de passar pelos violentos processos de psicoterapia para obter laudos médicos a fim de garantir a transição hormonal, a cirurgia de redesignação genital e a aprovação do nome social nos documentos de registro geral.
Discutir o acesso trans aos espaços dentro da sociedade e dos movimentos sociais é atentar-se às necessidades básicas de uma camada invisível da população, que pouco usufrui dos direitos à educação, à saúde e às condições humanizadas de trabalho. É entender a urgência de priorizar o debate de pautas que não podem mais ser adiadas.
Foto: Sylvia Rivera e Marsha P Johnson, fundadoras do Travestis de Rua em Ação Revolucionária (STAR).
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