Antes de tudo, é preciso destacar que se trata, na verdade, de uma nova revisão da referida lei, não apenas uma “correção de erros técnicos”. Muitas alterações substanciais em todos os aspectos da lei foram aprovadas. A Bancada Feminista do PSOL alertou, logo na primeira audiência pública realizada sobre o projeto, acerca da ilegalidade e dos perigos que se apresentavam com a apreciação daquele projeto.
No ano passado, a Câmara Municipal se debruçou sobre a revisão do Plano Diretor em decorrência de exigência legal para tanto e, logo em seguida e como consequência, realizou a primeira revisão da Lei de Zoneamento. O momento e a ordem dos fatores não ocorreram por entendimento exclusivo dos vereadores, mas também do Poder Judiciário. O planejamento urbano se apoia em premissas constitucionais e, sendo assim, deve seguir procedimento ordenado, concatenado com as demais legislações do tema para que não ocorra violações graves de direitos fundamentais.
Apesar de vetar artigos importantes, Ricardo Nunes reforça seu compromisso com o mercado imobiliário e mantém no planejamento urbano da capital a máxima de expansão dos famigerados eixos, as ZEUS, zoneamento preferidos pelas construtoras e incorporadoras por ser o mais permissivo
Na ocasião da primeira revisão do Zoneamento, muitos aspectos importantes do processo foram mitigados ou cumpridos meramente para atender a exigências legais, sem dar efetividade, o que gerou erros e uma lei que não correspondia aos anseios da população.
Na sua segunda passagem pela Casa, esse cenário se agravou, tendo sido realizadas poucas audiências publicas, todas no prédio da Câmara Municipal, e em lapso de tempo recorde para suaaprovação. Sendo assim, o projeto inteiro é ilegal em sua forma. Em razão disso, a sociedade civil, associações de bairros e outros movimentos se organizaram e exigiram o veto total do, na época, Projeto de Lei 399/2024, o que não ocorreu.
Apesar de vetar artigos importantes, Ricardo Nunes reforça seu compromisso com o mercado imobiliário e mantém no planejamento urbano da capital a máxima de expansão dos famigerados eixos, as ZEUS, zoneamento preferidos pelas construtoras e incorporadoras por ser o mais permissivo. Entendemos que o veto total se fazia absolutamente necessário pelos vícios formais presentes na aprovação do projeto.
Os vetos pontuais do prefeito mantiveram o conteúdo crítico do texto. A seguir, destacamos os 5 pontos principais problemas da nova lei para exemplificar:
1) Apesar da alteração que ganhou mais espaço na mídia, que permitia o avanço dos Eixos para cima das Zonas Exclusivamente Residenciais (ZERs), ter sido vetada, o objetivo de ampliar os limites possíveis das ZEUs na cidade continua sendo atendido. O art. 2 da lei sancionada, que altera inciso III do § 1º do art. 77 da LPUOS, define novos parâmetros ambientais para a exclusão de quadras na ampliação das Zonas Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEUs), que são absolutamente desfavoráveis aos objetivos urgentes e explícitos do Plano Diretor de preservação e preparação das cidades para a crise climática.
Um exemplo é a exigência de mais de 50% da quadra com incidência de Áreas de Preservação Permanente de cursos d’água em curso natural, de nascentes ou de olhos d’água, ou de mais de 30% (trinta por cento) de cobertura vegetal com exemplares remanescentes de Mata Atlântica, para que essas não estejam sujeitas à ZEU. Na lei anterior, bastava a identificação destas características em qualquer proporção na quadra para que automaticamente ela estivesse excluída da destruição causada pelo avanço do Eixo.
2) Aquilo que o art. 2 faz com quadras o art. 3 opera em lotes e com um agravante. Antes não se exigia uma incidência mínima para motivar a exclusão de um lote do Eixo. Agora, a nova lei determina que um lote seja integralmente localizado em Áreas de Risco Hidrológico ou Geológico ou em áreas sujeitas a recalque e problemas geotécnicos, conforme mapeamento oficial do Município, para que os parâmetros das ZEUs não o atinja.
Essa medida coloca em risco a vida da população mais vulnerável da cidade, que será sujeita a morar em empreendimentos enormes em áreas que não os comporta.
3) O ataque também chega na preservação do patrimônio cultural, quando o art. 3º do PL aprovado, que altera o mesmo artigo na LPUOS, retira a previsão da exclusão das ZEPECs (Zonas Especiais de Preservação Cultural) da aplicação dos parâmetros de ZEU, ZEUP, ZEUa e ZEUPab (os Eixos). Vimos essa tentativa ocorrer em outros termos tanto na revisão do Plano Diretor como na primeira revisão da própria LPUOS, o que foi vigorosamente repudiado pela população e, por isso, retirado das leis aprovadas. A cruzada contra a preservação do patrimônio cultural é uma batalha abertamente assumida pelo mercado imobiliário, que tem Ricardo Nunes como aliado.
4) Do art.10 ao art. 33, apesar dos 9 vetos, estão contidas emendas que fazem alterações de zoneamento locais, em lotes definidos a partir de interesses particulares dos vereadores que as propuseram. Essas emendas não foram apresentadas em nenhuma audiência pública, não tiveram a devida publicidade, nem sequer forma debatidas com a população, que foi pega de surpresa quando já haviam sido aprovadas em bloco negociado entre os vereadores da base do prefeito.
Entre elas, há emenda para toda sorte, sem nenhum tipo de análise de impacto, ciência, interesse público ou debate democrático por trás de sua propositura e aprovação. Algumas transformam mais áreas em ZEUs (a exemplo dos artigos 13, 16, 28 e 33), outras excluem ZEIS para dar lugar a zoneamentos mais lucrativos ao mercado (a exemplo dos artigos 19, 20 e 31) e tem até emenda sobrepondo área de preservação ambiental em decorrência de curso d’água (a exemplo do artigo 13). Uma verdadeira festa a qual população de São Paulo não foi convidada a participar, apenas os interesses econômicos de grupos selecionados.
5) Como se não houvesse motivos suficientes de conteúdo e forma para comprovar a ilegalidade da lei sancionada pelo prefeito, ela também invade a competência do Plano Diretor Estratégico. O art. 5º altera o art. 38 da lei que realizou a revisão do PDE para mudar o parâmetro de computo de gabarito, ou seja, altura máxima das construções. O que anteriormente se contava a partir do primeiro pavimento acima do solo, agora conta-se a partir da altura de 6 metros do perfil natural do terreno, potencialmente majorando o cômputo final do gabarito.
Essa também é uma demanda histórica das construtoras, que foi combatida pela população nas revisões urbanísticas anteriores e que conseguiu ser inserida nesta lei.
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