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MOVIMENTO

Autocompaixão

por Flavia Torres Presti, Professora Doutora em Ciências Biológicas e Doutoranda em Educação

É difícil descrever a complexidade de um ser humano. São tantas emoções (impossível não lembrar de Roberto Carlos) vindas do inconsciente, que mal conseguimos expressar e que, muitas vezes nem as discernimos. E existem emoções boas e ruins, talvez ambas em muitos momentos. O fato é que todos nós as sentimos e experenciamos a todo momento. A questão é, o que fazemos com elas? Elas dirigem nossas ações, que podem ser para o bem ou para o mal. Com o desastre do Rio Grande do Sul (2024) pudemos ver exatamente isso: enquanto pessoas se desdobravam para ajudar ao próximo, outras exploravam o trabalho de quem estava sofrendo e aumentava o preço dos produtos.  É uma contradição. Ser um ser humano é viver todos os dias essa contradição. E somos nós que podemos aprender a lidar com as nossas emoções.

E enxergo um ciclo vicioso, que começa nas crianças, que são criadas por adultos machucados e que não conseguem lidar com as próprias emoções e que viram adultos machucados, gerando uma população de pessoas machucadas. E uma sociedade doente.

Entendo que essa doença surge, não sei se em sua totalidade, por causa do capitalismo, que faz com que nosso tempo seja quase todo utilizado para um trabalho que beneficia outros indivíduos e que não nos permite viver a nossa plenitude. Que nos faz desejar o Iphone para tirar fotos bonitas e exibir no instagram. Que nos deixa tão cansadas (odeio a nossa língua que difere o masculino e feminino, então vou inverter a lógica e usar tudo no feminino) da rotina na busca pela sobrevivência que mal conseguimos refletir sobre o que estamos fazendo, destruindo o nosso planeta. Que cada dia que passa nos deixa mais solitárias. 

E essa é uma questão que me chama atenção. Será que não podemos amenizar essa situação tentando lidar melhor com as nossas emoções? Sentir as emoções ruins e trabalhar com elas, mas incentivar e praticar a chegada de boas emoções como a compaixão e empatia, por exemplo? No entanto, gostaria de dar uma ênfase à autocompaixão, que é o sentimento bom que eu tenho mais dificuldade em praticar. Em um mundo sexista, mulheres são criadas para o cuidado. Cuidado com o marido, com as filhas e com a casa, ou seja, o cuidado com outrem. Vejam bem, temos um núcleo privado e individual, bem como é interessante para o sistema vigente. E eu, mulher, cresci e vivi nesse mundo: sexista e capitalista. E me sinto tão sozinha nesse cuidado todo. Às vezes queria ser cuidada por uma sociedade empática, ter vizinhas e comadres. Não ter medo de não conseguir pagar as contas do mês. Enfim, esse é o desejo e não a realidade. Assim, a partir da realidade, precisamos exercitar a autocompaixão. Sentir menos culpa e viver mais. Quem sabe abraçadas por nós mesmas conseguimos abraçar mais pessoas?