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MOVIMENTO

Campanha salarial da construção civil de Fortaleza: uma vitória da mobilização

Corredor, Nestor Bezerra e Fábio José de Queiroz, de Fortaleza (CE)

O estudo das campanhas salariais no contexto do governo Lula é uma necessidade não apenas para as lutas de agora, mas para as que virão no próximo período. É desse pressuposto que partimos para analisar os resultados da campanha salarial da construção civil da Grande Fortaleza.

Três dimensões para o êxito da campanha salarial

De maneira concreta e objetiva, pode-se dizer que teriam de convergir, numa síntese confiável, três medidas para que a campanha dos operários e operárias da construção civil acabasse em bom termo.

Seria preciso, em primeiro lugar, uma situação em que as lutas sociais não se resumissem aos trabalhadores e às trabalhadoras da construção civil. Ora, nesse momento, várias categorias, sobretudo do serviço público, estão mobilizadas ou em greve, reivindicando melhores salários e condições de trabalho. A derrota eleitoral do bolsonarismo e a vitória do Lula deram maior confiança a classe trabalhadora, que passou a reivindicar mais diretamente suas pautas, ainda que tendo que conviver com um governo cercado não apenas pelos inimigos, que não são poucos, mas também pelos seus erros de estratégia.

Mas isso é apenas uma condição geral. Haveria necessidade de que a própria categoria demonstrasse disposição para luta, que desejasse arrancar também a sua pauta em meio ao cenário de lutas e greves em curso. Sentindo crescer o número de obras e de ocupação no setor, o operariado da construção civil evidenciou a cada instante da campanha sua disposição de lutar e conquistar. As paralisações setoriais – que moviam dezenas de empresas ao longo de cada semana – mobilizavam milhares de operários(as) pelas ruas da cidade, assustando a patronal e dando visibilidade ao movimento. Essa disposição, inclusive, já sinalizava a possibilidade de uma greve geral da construção civil na grande Fortaleza.

Por fim, haveria uma terceira medida ou dimensão a ser considerada: o ânimo da direção para conduzir a luta. A partir do momento em que a categoria votou a pauta da campanha salarial, a direção do sindicato não fez outra coisa, ao longo dos meses, senão mobilizar e organizar pela base. A partir de uma determinada fase da campanha, as “blitz” provocavam prejuízos enormes a patronal. Trata-se de parar o concreto ao final do expediente ou no sábado, não só impedindo o trabalho, mas ocasionando prejuízos gigantescos para patronal (um m3 de concreto varia de 250 a 290 reais, e no caso do concreto de base, até mais. Um caminhão traz muitos e muitos metros cúbicos de concreto, e, em geral, os patrões vinham perdendo de 2 a 6 caminhões a cada blitz, e isso durante semanas). A direção sindical, acatando decisão de assembleia, também impedia a adoção de hora-extra pelas empresas. Ou seja, a diretoria do sindicato se mostrava disposta a conduzir a luta ao êxito.

Uma quarta dimensão para o êxito da greve: a patronal sentiu o baque

Os patrões começaram as negociações e a estenderam por longas semanas, oferecendo unicamente a inflação e um aumento de pouco mais de 3% na cesta básica. Tentaram aproveitar a brecha de que havia uma eleição sindical no meio do caminho e ia empurrando com a barriga as conversações, negando-se a avançar na pauta da categoria.

À medida que a direção sindical e a categoria davam peso ao tema do vale-combustível (uma reivindicação do operariado que já se prolonga por uma década), o empresariado e a sua entidade representativa (Sinduscon) foram segurando qualquer possibilidade de avanço nos índices econômicos.

Resolvida a pendenga sindical, com a corrente União e Luta (Resistência-Psol e PCB) reconduzida ao comando da entidade dos(as) trabalhadores(as), os processos foram se radicalizando e as margens de manobra da patronal também foram se reduzindo.

As paralisações setoriais de 2 horas, as “blitz”, o combate permanente ao trabalho extra e a tendência a uma greve geral da categoria, por fim, colocaram os patrões contra as cordas. Agora, ou eles apresentavam uma proposta condizente ou teriam que enfrentar o aprofundamento e a ampliação das mobilizações da categoria. No limite, teriam de enfrentar uma greve generalizada do setor mais organizado e radical do operariado cearense.

Ao examinar o contexto de crescimento do setor, seus prazos de entrega, a preservação de seus ganhos e o que significaria para tudo isso uma greve geral do operariado, por fim a patronal ofereceu uma proposta, no apagar das luzes, que reunia condições de, efetivamente, ser apreciada em assembleia.

A decisão da categoria em assembleia

Finalmente, as operárias e os operários da construção civil se reuniram para tomar uma decisão. Assim, na quinta-feira, 6 de junho, centenas de trabalhadores(as) se encontraram no amplo pátio do sindicato, ouviram a proposta, intervieram nos debates decisivamente e deliberaram.

Em primeiro lugar, é preciso perguntar: qual era a proposta que estava em discussão? Os patrões, pela primeira vez na história, estavam propondo aumentos reais de até mais de 2% acima da inflação. Vale lembrar que a inflação de março de 2023 a fevereiro de 2024 alcançou o patamar de 3,86%. Ora, quando compararmos isso aos índices arrancados para os pisos da categoria, talvez dimensionemos o significado dessa campanha salarial. O Piso do servente atingiu 6,95%, o do meio-profissional, 5,33% e o do profissional, 5,01%. Ou seja, todos bem acima da inflação.

Para completar os ganhos econômicos traduzidos nos índices, pela primeira vez a cesta-básica foi majorada em 10%, quase o equivalente à evolução da cesta-básica no mesmo período, bem acima dos indicadores do reajuste salarial e, naturalmente, muito acima da taxa inflacionária.

Restou sobre a mesa um problema: o do vale-combustível. Uma vez mais, “neste ano, como sempre, salve chuva, salve engano”, a negação da patronal foi geral. Alegando fatores de “ordem jurídica”, eles se recusaram a aceitar a introdução desse ganho novo para categoria. Diante desse fato, a assembleia teve que medir se valeria a pena fazer a greve e arriscar perder os ganhos da campanha salarial e os 40% de PLR.

Essas observações nos levam ao problema seguramente básico: os(as) operários(as) da construção civil avaliaram as conquistas da campanha mais do que aquilo que permanece como o enigma a ser resolvido: o do vale-combustível. Assim sendo, mais de 600 trabalhadores(as) votaram pelo acordo. Menos de 10 votos se destinaram à recusa da proposta. Uma diferença arrasadora.

Restou às vozes opositoras, fragorosamente derrotadas na assembleia, murmurar que a reposição bem acima da inflação não era suficiente e que se deveria tomar como bússola o aumento do salário mínimo, critério que, aliás, nunca usaram quando eram dirigentes da entidade. Isso significa, como diz o velho dicionário, “Agitar os braços, as pernas e a cabeça, convulsivamente”, isto é, o direito de estrebuchar.

Enquanto isso, a categoria decidiu o que ela entendeu ser o melhor caminho.