Diante da calamidade pública no Rio Grande do Sul, a Prefeitura de Porto Alegre, sob a liderança de Sebastião Melo, optou por contratar a empresa americana Alvarez & Marsal para coordenar a reconstrução da cidade. Esta decisão gerou polêmicas, dado o histórico da empresa em crises anteriores, como o desastre de Brumadinho e a privatização da educação em New Orleans após o furacão Katrina. Ambas as situações resultaram em soluções insatisfatórias e prejudiciais para as comunidades afetadas. A empresa é muito conhecida por outro fator: seu papel em limpar o nome dos gestores públicos negligentes e ineficientes em situações de catástrofe.
Em contrapartida, as universidades públicas têm mostrado um enorme potencial em oferecer soluções sustentáveis e baseadas em evidências científicas para enfrentar crises climáticas. Um exemplo é o grupo interdisciplinar de pesquisadores da UFRGS, que criou um repositório de informações geográficas permitindo análises e simulações para auxiliar na tomada de decisões em momentos de crise. Essa ferramenta é essencial para a reconstrução e planejamento urbano resiliente.
Qual o interesse da prefeitura em contratar uma empresa de índole duvidosa, por uma quantia gigantesca, quando tem à disposição iniciativas muito mais efetivas desempenhadas por cientistas e pesquisadores de instituições públicas? Uma saída organizada a partir das pesquisas das universidades públicas, órgãos especializados nos temas climáticos e cientistas com atividade pública, além da integração das comunidades atingidas no debate e tomada de decisões, é muito mais efetiva — além de não custar milhões aos cofres públicos. A participação ativa desses atores pode garantir que as soluções sejam fundamentadas em ciência e voltadas para a sustentabilidade e resiliência a longo prazo.
Se o governo municipal continuar a aplicar políticas ultraliberais e negligenciar a ciência e a comunidade, a cidade permanecerá vulnerável a futuras crises climáticas. Portanto, as universidades públicas desempenham um papel vital na formulação de estratégias eficazes para a recuperação e adaptação às mudanças climáticas, oferecendo conhecimento técnico e científico indispensável para um planejamento urbano robusto e inclusivo. Repensar Porto Alegre à luz da atual tragédia será crucial, integrar os conhecimentos produzidos nas universidades é indispensável.
As universidades públicas têm um papel central na reorganização do Estado, proporcionando suporte científico e técnico para políticas eficazes. Sem essa reconstrução e colaboração, continuaremos vulneráveis a futuras crises climáticas e desastres. A professora Marcia Barbosa, do Instituto de Física da UFRGS, lidera a iniciativa da construção do Programa Gaúcho de Emergência Climática e Ambiental e destaca a importância da colaboração entre universidades, governos e comunidades para implementar soluções eficazes e sustentáveis, evitando a repetição de reconstruções ineficazes. A proposta também enfatiza a necessidade de diálogo com o poder público e a aplicação adequada de recursos financeiros para prevenir futuras tragédias climáticas.
Iniciativas de pesquisadores e estudantes da UFRGS têm sido um exemplo do papel que as IES públicas podem cumprir. Além do repositório já mencionado, outro grupo de pesquisadores da universidade criou um mapa que reúne dados sobre abrigos, cozinhas solidárias e pontos de coleta para atingidos pela enchente, facilitando o trabalho de socorro e assistência. Na Faculdade de Farmácia da UFRGS, existe a iniciativa de centralização de doações de medicamentos para triagem e distribuição aos abrigos, realizando um importante trabalho no momento em que há dificuldade logística para chegada de novos medicamentos. A Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança transformou-se em um abrigo para pessoas e animais, acolhendo centenas de pessoas e dezenas de animais, além de se tornar um ponto de arrecadação. Existem outras dezenas de ações de solidariedade espalhadas por toda a universidade.
Essas e outras iniciativas demonstram que as universidades públicas desempenham um papel crucial na resposta à emergência climática. Elas são não apenas fontes de conhecimento e inovação, mas também agentes ativos na formação de políticas e na capacitação da sociedade para enfrentar os desafios climáticos. Com uma abordagem interdisciplinar e colaborativa, as universidades públicas têm o potencial de liderar a jornada rumo a um futuro mais resiliente e sustentável.
Comentários