Pular para o conteúdo
BRASIL

É hora de falar de política? Enchentes no RS e a estratégia da desinformação

Por Juliana Bimbi, de Porto Alegre (RS)
Defesa Civil RS

Em primeiro lugar, é preciso começar dizendo: sim, vamos falar de política. A ideia de que “não é hora de política, é hora de se unir” não entende a política como o que ela é de fato: as decisões que interferem na vida coletiva como um todo. Ativistas da causa ambiental, militantes e lideranças de esquerda, nos últimos anos, já vem alertando para o problema da mudança climática e sua relação com as catástrofes ambientais que ocorrem no mundo. No RS, especificamente, esses avisos foram sistematicamente ignorados pelos dirigentes políticos do estado e de muitos municípios, como é o caso de Porto Alegre, que nesse momento se encontra com boa parte do seu território submerso pela alta elevação do nível do Rio Guaíba.

Para além de todas as discussões sobre a crise climática e seus efeitos, estamos falando das decisões que acontecem aqui e agora. O podcast “Angu de Grilo”, apresentado pelas jornalistas Flávia Oliveira e Isabela Reis, no episódio deste domingo (05/05), demonstrou uma linha do tempo da última catástrofe ocorrida no Estado, onde se compara as previsões dadas pela MetSul, principal empresa privada de meteorologia do sul do Brasil, e os avisos e orientações da Defesa Civil do RS e do governador Eduardo Leite, onde é fácil ver que os alertas de inundação e os avisos de evacuação de regiões afetadas pelas enchentes foram dados com grande atraso, considerando as previsões meteorológicas já feitas não só pela MetSul, como por outras empresas e órgãos da região. Nessa linha do tempo, fica claro: o problema do RS certamente não foi meteorológico, e sim de atraso e incompetência dos órgãos públicos de comunicarem para a população a gravidade que a situação chegaria e a necessidade de evacuar suas casas.

Mostrando mais um exemplo de incompetência e falta de prioridades, o engenheiro Augusto Damiani declarou que o sistema de mitigação de enchentes, como as compotas do Mauá, não receberam manutenção por parte da prefeitura de Porto Alegre, mesmo após as tragédias climáticas que aconteceram no Estado e na cidade em 2023. Sobre a distribuição de água, que hoje afeta fortemente a cidade de Porto Alegre, funcionando com apenas três estações de tratamento e com falta de água mineral em todos os mercados, a cidade de São Leopoldo deu um exemplo de alternativas possíveis para o problema, criando um sistema de captação de energia e aquecimento dos motores para possibilitar que a água, gradualmente, volte na cidade. Já o prefeito Sebastião Melo, orientou a população de Porto Alegre a viajar para o litoral do Estado, sem oferecer nenhuma alternativa para distribuição de um recurso essencial à vida das pessoas, causando uma crise hídrica na cidade sem precedentes. Em resumo, quando “falamos em política” não estamos falando apenas de disputas eleitorais ou de questões para o futuro: estamos falando de escolhas que determinam quem vive e quem morre no Estado do RS.

Dito isso, a importância dos ativistas que estão auxiliando com as campanhas de solidariedade nesse momento, atuarem para identificar os responsáveis pela tragédia, não anula a prioridade do salvamento de vidas, pelo contrário, é parte dela. Para além da responsabilidade, é necessário também combater a desinformação que atinge em especial o debate das redes sociais sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. Esse fenômeno é geral, mas tem acontecido especialmente em relação às tragédias no RS. Áudios descrevendo bebês e corpos boiando na água, ou de que haveriam mais de 300 corpos empilhados na cidade de Canoas/RS, denúncias de fiscalização de barcos e jet skis que atuam em resgates estão sendo divulgados em redes sociais sem a devida averiguação e já foram desmentidos pela agência Lupa, criando uma situação de pânico nos usuários.

Para além disso, a ministra Damares Alves vem fazendo uma série de postagens no seu instagram alertando e sugerindo que existem casos de abuso infantil em abrigos das cidades que foram vítimas das enchentes, reforçando outras fake news de usuários comuns que afirmam casos como esse sem nenhuma prova, e Eduardo Bolsonaro faz diversas afirmações sobre retenção de doações destinadas ao RS nas estradas, fato que também já foi averiguado e desmentido. Essa disseminação de desinformação é uma estratégia da extrema direita para inflar a oposição ao governo federal, independente de serem informações plausíveis ou não, vide a afirmação de que Lula teria financiado o show da Madonna com recursos que poderiam ser enviados ao RS. É urgente combater a desinformação e incentivar que se tenha cautela ao compartilhar informações não averiguadas ou aprofundadas. O Estado do Rio Grande do Sul vive um momento frágil e trágico, onde milhares de famílias perderam tudo e ainda há muitos resgates a serem feitos. A tática de criar uma mentalidade conspiracionista e alarmista na população, utilizada pela extrema direita para fins políticos, precisa ser combatida com crítica real aos políticos responsáveis e informações confiáveis.