Nesta segunda, 08/04/2023, deliberamos sobre a deflagração da greve docente em nossa Universidade Brasília. Estamos em um cenário amplo de debate e deliberações nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFESs). Contudo, já podemos ressaltar a força do movimento grevista de nossos(as) companheiros(as) técnicos(as)-administrativos(as) (já com algumas conquistas parciais), da greve que também já foi deflagrada por colegas docentes de várias IFES, bem como as movimentações de outras carreiras do serviço federal que já entraram e saíram da greve (também com conquistas) ou que estão em processo ascendente de mobilização.
São muitas as justificativas para deflagrar a greve (ou não). Busco aqui argumentar que a greve, para além das pautas mais imediatas (e que dizem de necessidade fundamentais da categoria, como o reajuste salarial) é um freio – pequeno, mas necessário – contra o avanço neofascista no presente.
Lembro aqui de uma passagem na última seção de Miséria da Filosofia, em que Marx critica Proudhon. Nela, Marx refuta a tese de Proudhon e dos socialistas utópicos da época, de que as greves seriam maléficas aos próprios trabalhadores – se assemelhando, neste ponto, aos economistas liberais. Para estes, as coalizões deveriam ser condenadas por serem uma obstrução da “marcha regular da história” (p. 144), uma “revolta contra as leis eternas da economia política” (p. 145), que poderiam se voltar contra os próprios trabalhadores.
Enquanto, por um lado, reproduzimos o fortalecemos as narrativas do não há alternativa, do outro, ampliam-se as alternativas – de manutenção da ordem e sua marcha cada vez mais destrutiva.
Enquanto, por um lado, reproduzimos o fortalecemos as narrativas do não há alternativa, do outro, ampliam-se as alternativas – de manutenção da ordem e sua marcha cada vez mais destrutiva.
Enquanto conciliamos com o inconciliável, o inconciliável se radicaliza, se fortalece e nos abocanha.
Enquanto tememos a revolta contra a marcha regular da história, ela se desenvolve cada vez mais normalizando o anormal, e normatizando o inaceitável.
Uma das principais dúvidas que temos é se a greve pode acabar sendo maléfica a nós, trabalhadores(as). Se, no nosso caso e conjuntura presente, a greve não poderia recrudescer essa marcha (neo)fascistizante que tanto já nos atinge quanto preocupa em termos do que ainda pode ser. Ora, na verdade, o próprio neofascismo diz desse desenvolvimento, dessa marcha regular da história. Ele é resultado dessa marcha. Ele é a face sem maquiagem dessa marcha no presente. Para piorar, ele tem se expressado – e se recrudescido –, mesmo num governo democrático, de composição ampla (amplíssima).
Essa marcha segue – e se fortalece – na política econômica austera (por exemplo, no arcabouço fiscal); nos consequentes cortes nas políticas sociais, inclusive, no ensino público superior; na minimização do Estado quanto à garantia de direitos e de condições mínimas de vida para a classe trabalhadora, enquanto o mesmo Estado se maximiza para atender as necessidades acumulativas do mercado e as espoliativas do capital, ampliando inclusive a sua faceta penal e punitiva. O neofascismo cresce no recuo frente àquilo que nos constitui, nos diferencia do outro lado e que, portanto, nos é tão caro; no esquecimento do passado; na anistia do que não deveria ser anistiado.
Tudo isso, e muito mais, tem servido a essa marcha regular da história que, no presente, mostra sua cara ainda mais barbárica, monstruosa. Da mesma forma, tudo isso denota a relevância de fortalecermos as obstruções contra essa marcha regular; de colocarmos em voga algumas revoltas contra aquilo que nos dizem ser eterno.
Ao contrário do que alguns(mas) dizem, houve luta por nossa parte nos últimos anos. Por exemplo, só no governo do golpista Temer foram 44 IFES em greve, entre inúmeras outras formas de mobilização. No governo Bolsonaro, procuramos construir e fortalecer a unidade na luta com as demais categorias do serviço público contra a reforma administrativa – que até então tem sido barrada –, bem como com movimentos sociais e populares. Foi colocada em voga uma campanha pelo “Fora Bolsonaro” e em defesa da vida, com manifestações em todo o Brasil contra os cortes da educação. Quanto à greve, nós, a base, fomos consultados, mas em decorrência de toda a conjuntura, decidimos que não era algo viável ou a melhor tática para aquele momento, sobretudo, considerando a pandemia e desprezo do governo Bolsonaro.
Podemos concordar que todas essas iniciativas, apesar de valiosas, foram insuficientes, em termos do que necessitávamos (e continuamos a necessitar). Mais uma vez, há de se acrescentar os obstáculos inerentes à pandemia e a uma gestão genocida da pandemia que levou muito de nós, inclusive os(as) nossos(as). Mas também é evidente que não só a nossa categoria, mas toda nossa classe vem passando por inúmeras dificuldades de organização. Nisso, tem reinado cada vez mais entre nós um fatalismo resignado, muito dele contra a nossa vontade ou ação, o que ressalta como temos sido cada vez mais capturados objetiva e subjetivamente.
Evidentemente que há incerteza(s), que existem – muitas – dúvidas. Todos nós as temos. Mas se elas não existissem, nem se cogitava a greve. A greve aparece no horizonte justamente de incertezas, na qual uma das – poucas – certezas é a de que precisamos fazer algo; de que o que está certo, acertado, está errado, não nos serve. Temos certeza de que o que foi feito até então não foi suficiente.
Nesse mar de incertezas, salta a certeza de que podemos e precisamos tomar as rédeas das nossas próprias condições de trabalho e de vida. De que elas não serão dadas, a não ser que as tomemos pelas próprias mãos.
Nesse mar de incertezas, salta a certeza de que podemos e precisamos tomar as rédeas das nossas próprias condições de trabalho e de vida. De que elas não serão dadas, a não ser que as tomemos pelas próprias mãos.
A greve, portanto, como instrumento de incertezas certas, e de certezas incertas, se apresenta como freio à marcha regular da história – que, em nossa conjuntura, tem sido do avanço do neofascismo, da barbárie. A greve é o questionamento do que está dado, do que está posto e naturalizado; das eternizações do que é histórico, produção social, pois do indivíduo como ser social – mas cuja produção se dá em condições e circunstâncias as quais não escolhe ou, mesmo, deseja.
Em nossa quadra histórica, e nas particularidades das IFESs, a greve é uma revolta contra o fatalismo resignado, contra a paralisia. Ao contrário do que se pode pensar, a greve é um cruzar de braços contra aquilo que já tem algemado nossos braços (pernas e mentes). É uma interrupção das atividades que já vêm sendo paralisadas por conta das políticas econômicas de austeridade fiscal, dos cortes orçamentários das universidades e da educação pública como um todo.
A greve é uma paralisação momentânea, excepcional e necessária contra a paralisia. É uma paralisação coletiva contra o individualismo que tano nos divide e enfraquece.
A greve é um protesto consciente e coletivo, contra aquilo que tem se expressado enquanto protesto só que de maneira alienada, individual e inconsciente na forma de um fatalismo resignado. Um fatalismo que, dialeticamente, ao ser alienado, inconsciente e individual, se trata de uma denúncia só que se volta contra quem protesta, sendo mais um grilhão a aprisioná-lo(a). Não à toa, temos cada vez mais protestos por outras vias igualmente alienadas, individuais e aprisionantes, como é evidente no crescimento do adoecimento e do sofrimento psíquico – de técnicos-administrativos, docentes e discentes.
A greve é uma das demonstrações mais pronunciadas de que que queremos e podemos mais. Queremos melhores condições de trabalho, para uma melhor universidade pública, para uma melhor educação. Queremos melhores condições de trabalho, ensinarmos melhor; para produzirmos mais e melhor, não nos termos de um produtivismo tacanho, que se volta a si e se encerra em si mesmo, mas de uma produção socialmente referenciada, por meio do ensino, da extensão, dos estágios, orientada à transformação da nossa sociedade.
Ouçamos o grito, o chamado de nossos colegas técnicos-administrativos, que parecem não só terem visto o bonde da história antes de nós, como perceberam a necessidade de não embarcar nele, mas de puxar o seu freio. Somemos nossas mãos às deles(as).
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