O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas
Que cresceram com a força de pedreiros suicidas
Cavaleiros circulam vigiando as pessoas
Não importa se são ruins, nem importa se são boas
E a cidade se apresenta centro das ambições
Para mendigos ou ricos e outras armações
Coletivos, automóveis, motos e metrôs
Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs
A cidade não para, a cidade só cresce
O de cima sobe e o de baixo desce
A cidade não para, a cidade só cresce
O de cima sobe e o de baixo desce
Chico Science
Nesta quinta, 4 de abril, a Deputada Estadual pelo PSOL de Pernambuco, Dani Portela, reafirmou uma importante decisão do seu partido na capital pernambucana. Desde dezembro, teve sua pré-candidatura aprovada na Conferência Municipal do Psol Recife, por ampla maioria, mas como se sabe o Psol e a Rede conformam uma Federação que do ponto de vista jurídico é como se fosse um só partido na escolha das candidaturas.
Ocorre que as diferenças políticas e metodológicas com a Rede no Estado aumentaram desde que o Deputado Federal, Túlio Gadelha, eleito Deputado Federal pela Rede/Federação em 2022, decidiu sem diálogos com o Psol, apoiar a candidatura de Raquel Lyra, no 2o turno das eleições para governador e o Psol deliberou por apoiar a então concorrente candidata Marília Arraes, seguindo as aspirações da maioria esmagadora dos movimentos sociais de esquerda.
Naquele assombroso contexto de 2022, Raquel Lyra, além de se declarar “neutra” em relação às candidaturas presidenciais, uma tática para evitar a polarização esquerda x direita – num Estado onde Lula teria mais de 66% – mas que na prática significava o apoio nas bases eleitorais, nas representações dos segmentos sociais e religiosos de direita e das oligarquias, e nas negociações de cúpula, abrigar em seu palanque as candidaturas bolsonaristas (explicitadas ou não) derrotadas no 1° turno.
Ao passo que a candidata derrotada no 2o turno, Marília Arraes (que saiu do PT para o Solidariedade aos 45 do segundo tempo para inscrever seu nome ao governo) apesar de aglutinar segmentos minoritários da burguesia e das oligarquias, devido a sua localização de apoio ao Lula, conseguiu aglutinar a maioria dos segmentos de esquerda, movimentos sociais e progressistas do Estado.
Desta forma, a posição de Túlio Gadelha, que conseguiu ser eleito Deputado Federal pela Rede/Federação com 134 mil votos (somando ainda com os 115 mil votos alcançados pelo Psol), ficando o Psol na 1a suplência com Robeyoncé tendo mais de 80 mil votos, significou “um pingo” de esquerda que faltava no palanque neoliberal de centro-direita de Raquel Lyra.
Após um ano de todos os balanços desastrosos do Governo de Raquel Lyra, o Deputado Federal da Rede reaparece em 2024 se lançando pré-candidato a Prefeito da Capital Pernambucana, com um evento que chamou atenção pelo apoio da Ministra do Meio Ambiente, no mês de março.
Ocorre que a Federação Rede/Psol precisa responder se apresentará uma candidatura à sombra do Governo de Raquel Lyra e com um perfil e programa de oposição pela esquerda ao PSB que controla a Prefeitura ou não. E quais as consequências dessa decisão para o conjunto da esquerda e movimentos sociais em uma das maiores cidades do país? A deliberação será realizada proximamente no Diretório Municipal da Federação em Recife onde o PSOL, pelos critérios estatutários de fundação da Federação, possui 70% dos seus integrantes em razão da proporção das respectivas votações na eleição municipal anterior.
Dani Portela lançou um importante Manifesto, nas redes sociais, nesta quinta, 4, denominado Manifesto ao Futuro onde protocola junto à Federação Psol/Rede, reafirmando seu compromisso para uma candidatura de esquerda na cidade, conforme se vê de alguns trechos:
[…]
Continuamos na oposição ao Governo Raquel Lyra, que, após mais de um ano de atuação, tem demonstrado que sua política, de cunho nitidamente neoliberal, atinge negativamente a prestação de serviços essenciais à população mais vulnerabilizada.
O governo comemorou a baixa execução orçamentária do Estado como se isso não significasse menores investimentos em educação, saúde e segurança para a população. Em seu segundo decreto, conhecido como exoneraço, a Governadora paralisou a gestão estadual durante meses, tendo consequências graves, como a falta de fornecimento de remédios às pessoas que mais precisam e a inexecução de programas e projetos prioritários, apesar de o governo ter angariado recursos suficientes através de um empréstimo de 3,4 bilhões aprovados na Alepe.
[…]
Considerando os últimos anos, o Recife em 2020 ocupava o lugar de capital mais desigual do país. De acordo com pesquisa recente, a nossa cidade continua numa posição crítica no que se refere às desigualdades, ocupando o segundo pior lugar no ranking das capitais. Recife tem hoje a segunda maior taxa de desocupação do Brasil, com 15% da população desempregada. É também a segunda capital com a maior quantidade de pessoas abaixo da linha da pobreza, com 11,2%. Esse quadro é ainda mais preocupante, quando analisamos os dados sob as perspectivas de gênero e raça, considerando que grande parte das pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social são mulheres, em sua maioria mulheres negras e periféricas.
[…]
Nosso projeto é transformar o Recife, priorizando políticas que reduzam as desigualdades e melhorem a vida das pessoas. Quero governar o Recife com um projeto que se contraponha ao da extrema-direita e também ao da direita tradicional, dando continuidade ao que já venho fazendo hoje na Assembleia Legislativa, como líder da oposição ao governo Raquel Lyra.
Não podemos deixar de lembrar que este governo atual, de João Campos, é uma continuidade de oito anos de governos do PSB em Recife e de mais de 16 anos de governo do PSB no Estado. Existem alguns gargalos que João Campos tem escolhido não enfrentar, o que faz com que problemas históricos da cidade não sejam resolvidos.
O Recife continua sendo a cidade das palafitas após 12 anos de governos do PSB. O déficit habitacional é enorme e passa de 70 mil unidades, mantendo grande parte da população em condições precárias de moradia e saneamento básico. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), referentes a 2022, apenas metade da população recifense é atendida com coleta de esgoto. Um dado ainda mais grave é que cerca de 60% da água potável é perdida nos sistemas de distribuição, ou seja, todo esse volume não chega de forma oficial às residências do município.
Recife tem vivido também as graves consequências do racismo ambiental, com enchentes e deslizamentos de terra causando desespero, destruição e morte nas periferias da cidade. Foram mais de 50 mortes apenas em 2022, em dois meses de chuvas. Os impactos das mudanças climáticas são agudizados pela falta de políticas públicas, especialmente nas áreas de habitação, saneamento e infraestrutura urbana. É a população negra, pobre e periférica a mais atingida por esses desastres, pois moram nos territórios mais precarizados. O poder público vem aplicando uma política de gentrificação e aumento das desigualdades, priorizando o espaço da cidade para grandes empreiteiras, o que tem forçado a expulsão de comunidades em benefício da especulação imobiliária, inclusive desrespeitando a legislação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).
O péssimo trânsito é também uma das características que chama a atenção no Recife. De acordo com uma pesquisa holandesa que avaliou 416 cidades em 57 países, no ano de 2020, Recife era a cidade brasileira com o maior nível de congestionamento, seguida por Rio de Janeiro, Fortaleza e Salvador. O recifense passa, em média, 24 minutos a mais no trânsito por dia, contabilizando até 193 “horas extras” de viagem por ano. O modelo de transporte público da cidade tem também favorecido o crescimento de diferentes formas de violência contra as mulheres. As medidas adotadas pela Prefeitura têm sido insuficientes para superar esses problemas. Precisamos de um transporte público de qualidade e a preço justo para toda a população.
Na Saúde da cidade tem sido escolhido um modelo de gestão através das Parcerias Público-Privadas (PPPs), que privatiza o atendimento e dificulta a transparência na utilização dos recursos públicos. Em cidades onde foi aplicado este modelo, como no Rio de Janeiro, a cobertura foi reduzida de 70% para 47% da população, o que traz uma grande preocupação para o atendimento à atenção básica na nossa cidade.
Na Educação também preocupa o modelo de gestão através das PPPs e a desvalorização dos profissionais de educação através da desestruturação da carreira docente, o que pode prejudicar a qualidade do ensino a médio e longo prazo.
A política de geração de Emprego e Renda da Prefeitura também é insuficiente, tendo em vista que hoje Recife tem a segunda pior taxa de desemprego do país, entre as capitais. Inclusive, a política tributária da prefeitura não está atrelada à garantia do emprego, a exemplo dos incentivos concedidos às empresas de ônibus, o que não impediu a demissão em massa dos cobradores e estabeleceu a dupla função, o que compromete a qualidade do serviço prestado.
[…]
As eleições municipais deste ano tenderão a reproduzir a polarização nacional entre esquerda versus bolsonaristas ou candidatos apoiados pelo inelegível, mas estamos no Nordeste e as recentes pesquisas de intenção de voto indicam que o atual Prefeito, segundo o Instituto Paraná, João Campos teria cerca de 65% se as eleições fossem hoje.
Será um cenário difícil onde altos investimentos em publicidade da Prefeitura atual, associados a algumas reformas urbanas com apoio financeiro pesado do Governo Lula tem seu impacto na popularidade da atual gestão, mas que os próprios indicadores sociais revelam não mudaram em nada as históricas megaestruturas excludentes do espaço urbano, tanto na desigualdade social, como índices de pobreza, precarização da vida social, mobilidade, falta de projetos de habitação popular, etc. Por isso, é necessária uma candidatura à prefeitura que busque mobilizar os segmentos populares em torno destas pautas essenciais e históricas.
Não existe no cenário de médio prazo ameaças de candidaturas de extrema-direita que alcançam no máximo 5,5% das intenções de voto. Nas mesmas pesquisas, as candidaturas de Dani Portela e Tulio Gadelha por enquanto apenas pontuaram, mas o mais revelador é que a pré-candidatura do ex-prefeito João Paulo (PT), alcança 7,5%, demonstrando que existe uma esquerda social na cidade que não está satisfeita com a atual gestão. O PT busca obter o lugar de vice de João Campos, mas até agora sem sucesso.
A candidatura de Dani Portela possui potencial para crescer e aglutinar segmentos expressivos das esquerdas e movimentos sociais e periféricos da cidade. Somente a candidatura dela poderá aglutinar e mobilizar tais segmentos. Dani foi candidata a governadora em 2018, obtendo 4,97% no Estado e 10,59% em Recife. Em 2020, ela foi a vereadora mais votada da cidade com mais de 14 mil votos e em 2022 foi eleita Deputada Estadual com 38 mil votos.
Mesmo num cenário de competição adverso, pois o marketing político pode buscar amplificar os logros e subtrair os grandes problemas, mas tão importante quanto o histórico das boas votações são as pautas que podem mobilizar segmentos populares e de esquerda significativos da cidade porque os reais problemas estruturais da metrópole circundam a vida do povo pobre e trabalhador, a vida da população LGBTQIAPN+, das mulheres negras e periféricas.
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