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BRASIL

‘Cidade Linda’: um crime contra a arte e a cultura do povo paulistano

Por: Mayara Conti, de São Paulo, SP

O grafite foi introduzido em meados dos anos 70, início dos 80 no Brasil, quando alguns artistas começaram a usar o espaço público para democratizar a arte. Mais do que uma expressão artística, toma seus primeiros contornos políticos ao final da ditadura militar, quando o simples ato de “tomar as ruas” já era considerado progressivo. Sofreu influência direta do Hip Hop e da cultura da periferia, se consagrando como expressão da arte urbana e servindo, inclusive, como base para inúmeros projetos sociais, que buscam retratar a realidade das ruas e oferecer uma saída cultural aos jovens da periferia, ou em situação de rua.

A “cidade cinza” não demorou a cair nas graças e nas cores dessa arte. Conhecida mundialmente como a “capital do grafite”, São Paulo atrai artistas e turistas do mundo inteiro encantados com a beleza dos traços e cores que se espalham por suas paredes.

Grafites se espalhavam pelas paredes da cidade
Grafites se espalhavam pelas paredes da cidade

Ao contrário da arte elitizada dos museus e galerias, a qual o povo pobre infelizmente tem acesso muito restrito, o grafite de rua está aí pra quem quiser ver, sem cobrar ingresso, sem exigir boa crítica para existir, pulsando nas ruas.

Até pouco tempo, entretanto, o grafite era considerado “crime ambiental e vandalismo” pela legislação brasileira, quando uma alteração na lei nº 12.408, no ano de 2011, descriminalizou a prática:

“§ 2o  Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.”

Já a pichação, polêmica até os dias de hoje, segue criminalizada, com pena de três meses a um ano.

Há quem diga que a pichação deixa a “cidade feia e suja”, enquanto, por outro lado, há quem defenda seu valor “antropológico” e até a coloque no mesmo patamar que o grafite, enquanto arte urbana e forma de expressão.

grafite 2

Um crime contra a arte e a cultura paulistanas
Dória assumiu o mandato no início do ano, achando que São Paulo é seu quintal. Sem consultar a opinião pública, com arrogância e mau gosto, simplesmente mandou apagar boa parte das obras da avenida vinte e três de maio e as substituiu por tinta cinza, nada mais emblemático. Os contornos coloridos e fortes de renomados artistas internacionais e nacionais, como Eduardo Kobra, deram lugar a um paredão de concreto sem vida e vazio. O prefeito engomadinho conseguiu a “façanha” de acabar com o maior corredor de grafites da América Latina, com quase cinco quilômetros de extensão.

Não a toa, sobra indignação e repúdio à atitude do prefeito nas redes sociais e nas ruas, e os grafiteiros já começam a se organizarem para resistir a esse absurdo.

O projeto “Cidade Linda” de Dória, até agora, vem se provando cada vez mais anti-periferia, anti-povo, um projeto higienista e preconceituoso. Se opor ao grafite é se opor à cultura popular e, principalmente, à forma de expressão mais conhecida e difundida nas periferias. Isso, por si só, com certeza explica o ódio de Dória aos grafites: é arte do povo para o povo.

Mas, o prefeito que quer transformar “São Paulo em Miami” está longe de vencer essa batalha. O povo resiste e não será calado com tinta cinza. Em breve, iremos ver as cores ressurgirem e se reinventarem pela cidade.