Às vésperas do 8 de março, é momento de nos perguntar: em que cenário mundial e brasileiro as mulheres irão às ruas nesta sexta-feira? Acontece atualmente um genocídio bárbaro do povo palestino promovido pelo Estado de Israel. Donald Trump confirma sua elegibilidade pela Suprema Corte norte-americana, e segue como um dos favoritos para as eleições dos EUA. As populações negras, indígenas, quilombolas, imigrantes, em particular mulheres e crianças, são as principais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas, sofrendo racismo ambiental constante. No ano passado, Javier Milei foi eleito presidente da Argentina, do mesmo país que em 2015 se levantou contra o feminicídio gritando “Nem uma a menos” e fez surgir a maré verde, que desembocou na legalização do aborto no fim de 2020.
Aqui no Brasil, vivemos tempos turbulentos. Foram as mulheres, particularmente as negras, pobres, nordestinas e mais jovens, as principais responsáveis pela derrota de Bolsonaro nas urnas no ano passado. Sabemos, entretanto, que o neofascismo brasileiro e sua política misógina, racista e LGBTI+fóbica, segue forte e mobilizando parcela importante da população. Enquanto não houver punição aos golpistas, em particular a prisão de Bolsonaro e dos generais envolvidos com o 8 de janeiro, além de respostas sobre quem mandou matar Marielle e Anderson, não haverá justiça. A violência política de gênero e raça, os recentes assassinatos de Mãe Bernardete e Nega Pataxó, o feminicídio da artista palhaça Julieta Hernández, as constantes ameaças de morte à lideranças e parlamentares negras, trans, lésbicas, junto com índices avassaladores de feminicídio e violência doméstica, segue sendo uma realidade que precisa ser combatida.
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O movimento feminista e o 8 de março, em particular, podem cumprir um papel fundamental na atual conjuntura, de levantar bem alta a bandeira Sem anistia aos golpistas e pelo Cessar-fogo já na Palestina, além de fincar pés na luta pela descriminalização e legalização do aborto e o fim da violência contra a mulher. Após o ato que mobilizou milhares na Av. Paulista, e que não à toa empunhava bandeiras de Israel, precisamos de uma resposta contundente nas ruas. E quem considera que o 8 de março, por ser uma data feminista, não é o momento ideal para essa resposta, não entendeu nada sobre os avanços e o lugar que o movimento de mulheres acumulou nos últimos anos.
O movimento feminista é antifascista!
Desde 2015 e 2016, vivemos no Brasil, combinado com um processo internacional, o surgimento daquilo que ficou conhecido como Primavera Feminista. Este fenômeno, interconectado com a luta antirracista e LGBTI+, se vinculou aos desafios do nosso tempo. Dotado de um programa “para os 99%”, foi parte ativa do combate ao crescimento do conservadorismo em nosso país, desde o momento em que Eduardo Cunha presidia a Câmara dos Deputados e apresentava projetos contra nossos direitos reprodutivos, ao mesmo tempo em que arquitetava o golpe reacionário e misógino contra a primeira presidenta mulher do Brasil, Dilma Rousseff.
Durante o governo Temer, o movimento feminista foi linha de frente do enfrentamento à PEC do teto de gastos e às reformas da previdência e trabalhista, organizando gigantescas marchas nos 8 de março, ao mesmo tempo em que fortalecia o debate sobre a greve internacional de mulheres e a crise da reprodução social, reivindicando políticas públicas e direitos.
Em 2018, poucos dias após o 8 de março, fomos atingidas pelo brutal assassinato da então vereadora do PSOL Marielle Franco, um verdadeiro divisor de águas que marcou a escalada de violência dos grupos políticos e paramilitares da extrema direita. A reação foi imediata, e a força nas ruas foi se multiplicando até culminar no grande #EleNão, às vésperas da eleição de Bolsonaro, numa gigantesca e nacional mobilização feminista antifascista. Como consequência desse processo, vimos uma série de mulheres, lideranças negras, indígenas, populares, assumindo cadeiras no parlamento e sendo linha de frente das lutas. Assim como a Marcha das mulheres contra Trump no início de 2017, logo após sua eleição, e uma série de mobilizações feministas contra as pautas conservadoras e em defesa de nossas vidas. É verdade que não conseguimos deter o avanço do fascismo no mundo. Mas também é verdade que as mulheres, em particular as mulheres negras, imigrantes, LGBTs, foram a linha de frente do enfrentamento a esses setores, e seguem sendo.
A luta por justiça reprodutiva e a legalização do aborto
A defesa do aborto legal e a reafirmação da luta pela legalização do aborto, além de representar a bandeira histórica das feministas, significa enfrentar o bolsonarismo na raiz das suas ideias: o conservadorismo e o fundamentalismo religioso materializados na prática do “pânico-moral”, que sob a farsa da defesa da família, torna-se um impulsionador de discursos misóginos, racistas e LGBTI+fóbicos.
Ao longo de todo esse processo, o debate sobre direitos sexuais e reprodutivos, mais precisamente sobre justiça reprodutiva, ganhou força. A defesa do aborto legal e a reafirmação da luta pela legalização do aborto, além de representar a bandeira histórica das feministas, significa enfrentar o bolsonarismo na raiz das suas ideias: o conservadorismo e o fundamentalismo religioso materializados na prática do “pânico-moral”, que sob a farsa da defesa da família, torna-se um impulsionador de discursos misóginos, racistas e LGBTI+fóbicos. Em uma série de países o acesso ao aborto legal avançou, e vimos recentemente na França entrando formalmente na Constituição o direito que já existia desde 1975 no país. Por outro lado, com a ofensiva conservadora da extrema direita, outros países do mundo como EUA, Hungria, Polônia, El Salvador e Nicarágua, retrocederam no acesso ao aborto.
Em setembro do ano passado, às vésperas de sua aposentadoria, a ministra Rosa Weber encaminhou seu parecer favorável à aprovação da ADPF 442 (apresentada pelo PSOL e Instituto ANIS) no STF, que propõe descriminalizar o aborto no Brasil. Ainda que estejamos longe de ver o aborto legal incorporado ao SUS como política pública estatal, avançar para a sua descriminalização seria muito importante, já que milhares de mulheres, todos os anos, morrem ou adquirem sequelas fruto de abortos inseguros. A realidade hoje, após anos de governo Bolsonaro com mulheres como Damares Alves e Michelle Bolsonaro sendo porta-vozes de um terrorismo anti-aborto, é que no Brasil retrocedeu o acesso até mesmo aos casos em que o aborto é permitido por lei: anencefalia do feto, risco de vida da mulher e gravidez por estupro, o que inclui gravidez de meninas de até 14 anos.
Portanto, neste 8 de março, também iremos às ruas defender a vida de meninas e mulheres e dizer o óbvio: criança não é mãe e estuprador não é pai! O Estado é laico e o copo é da mulher! A garantia de acolhimento, encaminhamento e realização de um aborto seguro nos casos previstos em lei é obrigação do Estado, e será cobrado pelo movimento feminista que avance como política pública. Quem mais sofre são mulheres pobres, negras, indígenas, porque como sabemos, quem pode pagar por um serviço particular de aborto, consegue fazer com segurança. É uma questão de saúde pública e defesa da vida das mulheres!
Protestos em todas as capitais: pintar as ruas de lilás e verde!
A organização do 8 de março está a mil em todas as cidades do mundo e, claro, também no Brasil. Por aqui, tivemos plenárias cheias nas capitais que reuniram mulheres para pensar o trajeto do ato, os eixos prioritários, a organização das colunas, batucadas, etc. Nos somamos às mulheres de todo o mundo que irão às ruas honrar a memória de tantos bebês, crianças e mulheres palestinas executados pelo Estado de Israel, além de prestar solidariedade a outros tantos que foram mutilados, que perderam seus familiares, que passam fome, exigindo o cessar-fogo já, pelo fim do genocídio!
Iremos às ruas defender a democracia, lutar por punição aos responsáveis pela tentativa de golpe no 8 de janeiro e exigir respostas já sobre a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, reforçando o chamado à mobilização no dia 14 de março, quando completam 6 anos do crime. Sem anistia para os golpistas, de ontem e hoje!
Iremos às ruas defender a democracia, lutar por punição aos responsáveis pela tentativa de golpe no 8 de janeiro e exigir respostas já sobre a execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, reforçando o chamado à mobilização no dia 14 de março, quando completam 6 anos do crime. Sem anistia para os golpistas, de ontem e hoje! Há um chamado para uma mobilização unitária no dia 23 de março, e o 8M deve servir como o início de uma jornada de lutas que ganhe cada vez mais força. A derrota do fascismo no Brasil e no mundo não será fácil, muito menos rápida, e exige um enfrentamento implacável que terá, sem dúvidas, as mulheres, a negritude e as LGBTI+ à frente.
Defenderemos nossas vidas por justiça reprodutiva e ambiental, pelo fim do assédio e da violência machista, racista e transfóbica. A nossa unidade e presença nas ruas é o caminho para fincar trincheiras contra os retrocessos e defender nossos direitos. Não deixemos de aproveitar a oportunidade de fazer belas manifestações na próxima sexta-feira. A rua será nossa!
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