“Jamais te estupraria porque você não merece”. Em 2003 essa foi uma das frases que a deputada Maria do Rosário teve que ouvir em frente às câmeras de televisão e dentro do Congresso Nacional. O agressor todo mundo sabe quem é: Jair Bolsonaro.
Em 2014, 11 anos depois, durante reunião do plenário e em entrevista, o então deputado comete novamente essa violência. E segue seu discurso atacando a atuação de Maria do Rosário em defesa dos direitos humanos, após seu discurso contra os crimes da ditadura militar.
A violência política desencadeou ataques de pânico e depressão em Maria Laura, filha da deputada, que desenvolveu anorexia. Em 2017, ainda menor de idade, ela passou a ser o alvo. Divulgavam suas fotos com informações falsas.
O fascista foragido Allan Santos fez declarações na época defendendo a exposição da adolescente com a justificativa de que Maria do Rosário atrapalhava Bolsonaro. O motivo principal era porque, às vésperas das eleições, as declarações criminosas do então presidenciável contra a deputada vieram à tona novamente.
Manuela D’Ávila e sua filha Laura também foram alvo de ameaças e agressões físicas nas ruas, incentivadas pela rede de ódio que foi se fortalecendo e se empoderando. Aos 2 meses de idade, Laura levou um tapa. Aos 6 anos, sofreu ameaça de estupro.
Agora foi comigo e com minha filha, que, aos 3 anos, está sofrendo ameaças de morte e estupro porque sua mãe é uma vereadora negra, feminista e bissexual. E isso não sou eu que afirmo, são os próprios e-mails dos criminosos.
Começo falando de duas mulheres que sofreram violência política de gênero anteriormente a mim porque há um padrão na forma de nos violentar. A covardia fascista tem como método a ameaça a crianças e familiares de seus oponentes com o objetivo de intimidação. São 20 anos desde o primeiro ataque de Bolsonaro a Maria do Rosário, e os comentários na internet sobre as ameaças que estamos sofrendo são exatamente os mesmos.
Se, apesar disso, em todos esses anos avançamos, foi graças à força de mulheres que não desistiram de ocupar a política e denunciar a violência. Avançamos, mas não o suficiente para evitar que mais crianças sejam atacadas pelo único motivo de suas mães disputarem a política.
Durante a ditadura militar na América Latina, filhos de militantes também foram alvo de violência. A mineira Maria Amélia de Almeida Teles é exemplo disso. Amelinha, aos 27 anos, além de ter sido presa e torturada fisicamente, seus próprios filhos de 4 e 5 anos foram obrigados a ver a mãe ser violentada. Quem comandou e efetivou a tortura foi o coronel Brilhante Ustra, ídolo dos fascistas.
Eu não quero deixar para minha filha e para as crianças do nosso país, que hoje estão ameaçadas de morte, a impunidade dos agressores. Não quero a perpetuação de um legado de violência e de ódio, eu serei parte da construção de outro futuro.
Hoje, em um regime democrático, eu estou com medo. Por mim, mas principalmente pela minha filha. A violência psicológica já aconteceu. Mas escolho um lugar para construir minha coragem. Eu não quero deixar para minha filha e para as crianças do nosso país, que hoje estão ameaçadas de morte, a impunidade dos agressores. Não quero a perpetuação de um legado de violência e de ódio, eu serei parte da construção de outro futuro. Em que as mulheres não sejam constantemente violentadas por ocupar a política e o espaço público. Para que a gente possa lutar ao mesmo tempo que escolhemos ser mães.
Nós temos agora um novo governo. Somos mais experientes em relação aos métodos de ataque dos grupos de ódio. E eu tenho uma esperança: não ter que contar para minha filha que somos alvo de ameaças. Um dia, vou poder dizer a ela que nós fomos linha de frente da derrota do fascismo no nosso país e do combate à violência política de gênero. Covardes são eles que ameaçam nossas crianças, a gente é coragem!
Orginalmente publicado no portal O tempo
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