Escrevo estas breves notas sobre o resultado das eleições legislativas no Estado Espanhol, anunciado neste domingo. Um texto feito no calor dos acontecimentos e diante de um cenário ainda marcado por muitas incertezas. Este breve texto serve apenas para manter vivo o acompanhamento deste importante processo político na Península Ibérica, com repercussões, pelo menos, em toda a Europa.
1. Em pleno verão europeu, novamente com fortes ondas de calor, evidenciando um verdadeiro caos climático, a população espanhola compareceu às urnas, neste domingo, para escolher os novos representantes do seu parlamento. A participação ultrapassou os 70%, não é um recorde, mas pode ser considerada relativamente alta. Devido as férias de verão, cresceu muito também o voto pelo correio.
2. No Estado Espanhol existe um regime parlamentarista. Portanto, para se formar governo é necessário constituir uma maioria no parlamento. Uma maioria como partido, ou a partir de coligações de partidos. O parlamento espanhol possui 350 cadeiras.
3. Depois das eleições regionais, de maio passado, ganhas pelo Partido Popular (PP), e com o crescimento do Vox, havia um grave risco de um bloco entre direita e extrema direita neofascista obtivesse maioria para constituir um governo nacional. Felizmente, essa hipótese terrível não se confirmou. Eles chegaram perto, mas não conseguiram maioria absoluta.
4. Com 99% dos votos apurados, o PP obteve 136 cadeiras no Parlamento (com cerca de 33% dos votos) e o Vox 33 cadeiras (com 12,39% dos votos), totalizando 169. A maioria absoluta era atingida com 176 cadeiras. Portanto, faltaram 7 cadeiras para o bloco entre direita e extrema direita neofascista obtivesse maioria absoluta, condição necessária para formar governo.
5. O partido socialista (PSOE), do atual primeiro-ministro Pedro Sanchez, chegou em segundo, com 31,7 % dos votos, obtendo 122 cadeiras, 2 a mais do que as eleições passadas. Mas perdeu as eleições para o PP, ainda que manteve um expressivo peso eleitoral. Seu governo de coalizão com outros setores da esquerda, em que pese ter realizado algumas reformas progressivas parciais, frustrou bastante as expectativas de mudanças mais estruturais no país, no sentido de ampliar os direitos da maioria da população.
6. O Vox, partido de extrema direita neofascista, manteve um resultado ainda preocupante, com 12,39% dos votos, obtendo 33 cadeiras no parlamento, sendo a terceira força. Mas, foi derrotado em dois sentidos muito importantes: não conseguiu ser o “fiel da balança” para que se formasse uma maioria à direita (PP + Vox) e perdeu 19 cadeiras no parlamento, em relação as eleições legislativas de 2019. Um resultado que merece ser comemorado pelos explorados e oprimidos.
7. O coalizão Somar, encabeçada pela atual vice primeira-ministra, Yolanda Días, obteve 12,31% dos votos (praticamente o mesmo resultado em votos do Vox), e deve indicar 31 cadeiras. Somar foi, na verdade, uma frente de 15 partidos de esquerda e ecologistas, onde se destacam o próprio agrupamento fundado recentemente por Yolanda Díaz (que também chama Somar), o Podemos, a Esquerda Unida (onde está o partido comunista), o Mas Pais (uma dissidência do Podemos) e dois partidos de viés ecologista. Além de 9 organizações regionais. Diante do grave risco que estava colocado, pode-se afirmar, com certa segurança, que tiveram um bom resultado eleitoral. Resta saber se vão conseguir se manter unidos e, principalmente, se conseguem representar efetivamente uma alternativa à esquerda do PSOE.
8. Existem também algumas cadeiras (cerca de 28) que serão ocupadas principalmente por partidos nacionalistas, espacialmente das regiões da Catalunha e do País Basco. Mas, nada garante que estes partidos participem de coalizões de governo. Especialmente, dificilmente devem apoiar um governo do PP, ainda mais junto com o Vox, devido ao perfil anti nacionalidades da direita e da extrema direita espanholas.Mas uma parte destes partidos nacionalistas podem se aliar novamente ao PSOE, o que abre a possibilidade de se manter o atual governo, agora junto com o Somar, afastando a possibilidade de um governo PP – Vox. Mas, existem também obstáculos para que cheguem realmente a um acordo de governo, devido principalmente as divisões, sobretudo no PSOE, no sentido de atender as justas reivindicações de auto-determinação destas nacionalidades.
9. Uma coisa é certa, se fortaleceu novamente o velho bipartidarismo espanhol, profundamente abalado desde o Movimento dos Indignados. Ou seja, o PP e o PSOE voltaram a ter juntos mais de 70% das cadeiras do parlamento. Mas, o cenário de conformação de governo está realmente em aberto, neste momento. Será necessário aguardar os “próximos capítulos”. Como nenhum partido ou bloco obteve maioria absoluta, cresce até a possibilidade, inclusive, de que seja necessário a convocação de novas eleições legislativas, em curto espaço de tempo. O PP vai exigir ainda a abstenção do PSOE no parlamento, para que consiga formar governo. Mas esta possibilidade é praticamente impossível que aconteça, principalmente depois de toda a brutal polarização eleitoral e os pactos em governos regionais e municipais entre o PP e o Vox.
10. A luta em defesa dos direitos sociais e democráticos dos trabalhadores, dos imigrantes (principalmente de origem racializada), das mulheres, da comunidade LGBTQIA+, contra a destruição do meio ambiente, entre outras pautas, vai seguir depois destas eleições. Direitos estes fortemente ameaçados, principalmente, por um governo do PP, ainda mais aliado ao Vox, como vem acontecendo já hoje, em vários governos regionais e municipais. Esta luta vai se dar principalmente na ação direta, nas mobilizações populares e na disputa da consciência da maioria da população, especialmente dos explorados e oprimidos. Este é o principal desafio para a esquerda socialista e os movimentos sociais. Mas, pode ser que a luta contra um governo ultra reacionário, formado pelo PP e o Vox, se apresente novamente em uma nova eleição, diante da impossibilidade de formação de uma maioria absoluta no parlamento por nenhum dos blocos. Portanto, a tarefa de dar esta batalha política também via eleições, segue vigente e fundamental.
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