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BRASIL

Reforma Tributária: avanços e limites

Câmara aprova em dois turnos a PEC 45, que altera parcialmente o sistema tributário brasileiro. A reforma tem avanços importantes, mas também ausências, limites e alguns “jabutis” que precisam ser tirados. Confira a posição editorial do Esquerda Online.

Editorial Esquerda Online
Valter Campanato/Agência Brasil

Entre a noite de ontem (6/7) e a madrugada de hoje (7/7), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) número 45, que trata da Reforma Tributária. A aprovação já foi feita em dois turnos na Câmara, com o aval da ampla maioria dos deputados: no primeiro turno – 382 a favor e 118 contra; no segundo turno – 375 a favor e 113 contra. O único partido que orientou votação contrária foi o PL, com o famigerado e inelegível Jair Bolsonaro à frente.

Ainda ficou pendente a análise dos destaques dos partidos, que deve ser feita ainda hoje pelos deputados. Encerradas todas as votações na Câmara, a PEC da Reforma Tributária será analisada e votada pelo Senado. Caso existam mudanças no Senado, a proposta ainda voltará para a Câmara.

Havia grande expectativa na aprovação da Reforma Tributária, afinal, propostas que previam mudanças no sistema tributário brasileiro já existiam há quase três décadas no parlamento brasileiro, mas nunca chegaram a avançar significativamente. Neste sentido, o que foi feito agora tem um grande significado na esfera política, não é um fato menor.

Do ponto de vista dos interesses da maioria do povo brasileiro, a atual reforma possui pontos positivos importantes, mas também existem limites e problemas. A principal contradição foi a manutenção da ideia de dividir a Reforma Tributária em duas partes, adiando para um segundo momento a discussão acerca das mudanças nos impostos sobre a renda.

Esta divisão em duas partes adiou, por exemplo, a possibilidade de finalmente se regulamentar o único imposto previsto na Constituição que nunca foi regulamentado pelo parlamento brasileiro: o imposto sobre as grandes fortunas. Além disso, perdeu-se por enquanto a oportunidade de avançar na ampliação da progressividade dos impostos sobre a renda e na discussão sobre a criação de um imposto que taxe lucros e dividendos.

Portanto agora começa a luta principal, será preciso um amplo debate público retomando a ideia que venceu nas urnas: que o pobre entre no orçamento e o rico no imposto de renda!

A ausência da aprovação de propostas que sobretaxam as grandes fortunas e os lucros exorbitantes é, sem dúvida nenhuma, a grande contradição desta Reforma Tributária. Portanto, é preciso reconhecer os pontos positivos, mas também marcar esta importante limitação. Felizmente, na proposta aprovada ontem, ficou determinado que o governo federal terá 180 dias para enviar ao parlamento a proposta da segunda parte da reforma tributária. Portanto agora começa a luta principal, será preciso um amplo debate público retomando a ideia que venceu nas urnas: que o pobre entre no orçamento e o rico no imposto de renda!

Pontos positivos e alguns problemas

Entretanto, na proposta aprovada ontem, existem vários pontos positivos, ainda que parciais, que justificam que a maioria dos parlamentares da esquerda tenham aprovado a PEC 45, incluindo a maioria dos deputados federais do PSOL.

Entre eles, pode-se destacar: o fim da cobrança de impostos em produtos da cesta básica, as embarcações (iates) e aeronaves (jatinhos) passam a pagar IPVA; o mesmo IPVA passa a ser mais progressivo, com descontos maiores para veículos que poluem menos o meio ambiente; se amplia a possibilidade de aumentar progressivamente a alíquota dos impostos sobre grandes heranças e “doações”; criou-se a possibilidade de devolver parte dos impostos cobrados aos consumidores com rendas mais baixas (cashback); dificulta a guerra fiscal entre os Estados; e diminui impostos sobre transporte público e atividades culturais.

Além, é claro, uma simplificação dos impostos sobre o consumo, o que não é ruim. Afinal, a proposta substitui cinco impostos existentes atualmente (três federais – IPI, PIS e Cofins; um estadual – ICMS e um municipal – ISS) por um imposto de valor agregado, com divisão da receita apurada entre União, Estados e Municípios. Tudo isso, com uma longa regra de transição, de sete anos, que começa só em 2026.

Mas há também problemas na reforma aprovada, que foram colocados por pressão do agronegócio e de outros setores empresariais. A bancada ruralista embutiu a desoneração sobre produtos e itens que estão fora do escopo da cesta básica. Os bancos conseguiram impor um regime especial para a tributação do setor. A saúde e a educação privadas também ganharam benefícios tributários injustificáveis. Não houve, por outro lado, benefícios explícitos para a agriculta familiar e a produção de alimentos saudáveis.

Enfim, há evidentes avanços na reforma, mas também limites e problemas. Sobre os pontos negativos, é fundamental que haja pressão social e política para que Senado retire esses “jabutis” colocados pelas forças reacionárias.

PSOL do lado certo, mais uma vez

Os avanços contidos na proposta de Reforma Tributária, mesmo que parciais, abriram a possibilidade da bancada do PSOL indicar o voto a favor da PEC 45. A situação aqui foi distinta do que vivemos, recentemente, com a proposta de Arcabouço Fiscal, que foi uma medida essencialmente reacionária, que o PSOL combateu e toda a sua bancada votou contra.

Mas o PSOL não apenas votou a favor. Vários parlamentares do PSOL demonstraram os limites da proposta, falaram sobre o erro da divisão em duas partes, que deixa para outro momento a questão dos impostos sobre grandes fortunas, lucros e dividendos. O partido fez um destaque (só era permitido ao partido fazer um), que ainda será debatido, e trata da busca de ampliar a cobrança de impostos sobre agrotóxicos também, entre outros pontos.

A divisão da bancada é ruim, especialmente neste momento, mas de conjunto a maioria da bancada do PSOL cumpriu seu papel de apoiar as medidas que vão no sentido de atender os interesses do povo, mas sempre apontando as contradições e limites das iniciativas, seja do governo seja do parlamento.

A maioria da bancada (dez deputadas e deputados) votou a favor da proposta, com todas estas diferenciações necessárias; outros três parlamentares optaram pela abstenção. A divisão da bancada é ruim, especialmente neste momento, mas de conjunto a maioria da bancada do PSOL cumpriu seu papel de apoiar as medidas que vão no sentido de atender os interesses do povo, mas sempre apontando as contradições e limites das iniciativas, seja do governo seja do parlamento.

Especialmente, o PSOL alertou que o mais importante será a garantia de que realmente exista a segunda parte da Reforma Tributária.

Luta pela segunda fase da Reforma Tributária

Mais do que comemorar os pontos positivos e criticar os negativos, a principal tarefa em relação à Reforma Tributária é lutar pela efetiva realização de sua segunda fase, onde será possível avançar em uma série de propostas acumuladas pela esquerda e os movimentos sociais nos últimos anos. Especialmente, a regulamentação do imposto sobre as grandes fortunas, a ampliação da progressividade dos impostos sobre a renda e a criação de um imposto sobre lucros e dividendos.

Mas para conquistarmos estas e outras propostas mais avançadas, será necessário muita cobrança, organização e mobilização. Seja para que o governo já inclua essas propostas na iniciativa do Executivo no prazo de 180 dias, seja para efetivamente aprová-las no Congresso Nacional.

O grande peso da extrema direita e da direita no congresso é um enorme obstáculo para aprovação dessas medidas fundamentais para que o sistema tributário brasileiro realmente combata todas as injustiças e desigualdades existentes hoje. Apostar apenas em negociações com o centrão no interior do parlamento dificilmente trará vitórias significativas numa possível segunda parte da reforma.

Lula precisa assumir a dianteira do convencimento popular e da mobilização social para a aprovação da segunda e mais importante parte da reforma tributária, que não pode tardar.

Por isso, uma postura meramente contemplativa ou comemorativa é um erro. O fundamental agora é se preparar para estas e outras batalhas futuras.  Precisamos, nestes 180 dias, ampliar as discussões, a organização e a mobilização popular para garantir a cobrança progressiva de impostos sobre os super ricos e os grandes empresários, uma receita fundamental para garantir os investimentos sociais que melhorem a vida da maioria do povo. Lula precisa assumir a dianteira do convencimento popular e da mobilização social para a aprovação da segunda e mais importante parte da reforma tributária, que não pode tardar.