Morreu hoje (06), ao 86 anos, o dramaturgo, diretor, tradutor, ator e produtor teatral José Celso Martinez Corrêa, mais conhecido como Zé Celso. Ele estava internado no Hospital das Clínicas em São Paulo desde o dia 04 de julho, quando um incêndio atingiu seu apartamento no Paraíso, Zona Sul de São Paulo. Zé Celso ficou com 53% do corpo queimado. O hospital chegou a emitir nota dizendo que seu estado era estável, mas hoje pela manhã veio a notícia do falecimento.
É difícil resumir em poucas palavras a vida de Zé Celso. Nascido em 1937 na cidade de Araraquara, interior paulista, Zé Celso cursou Direito na Universidade de São Paulo e chegou a participar do Centro Acadêmico XI de Agosto, no marco do qual fundou o grupo de teatro amador Oficina na segunda metade dos anos 1950. Começou formalmente sua carreira teatral em 1958, quando encenou a peça Vento forte para papagaio subir. No ano seguinte veio A incubadeira e Zé Celso despontou então como um dos principais nomes do teatro brasileiro.
Em 1960, junto com Amir Haddad, Renato Borghi, Etty Fraser, Fauzi Arap e Ronaldo Daniel, fundou o Teatro Oficina na Rua Jaceguai, no Bairro da Bela Vista, em São Paulo, e passou a zombar do conservadorismo imperante na sociedade com suas peças ousadas, provocativas e um tanto escatológicas. Em 1963, encenou Os pequenos burgueses, de Maksim Górki, onde traçou um paralelo entre a Rússia pré-revolucionária e o Brasil. Em 1968, durante a vigência do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), que recrudesceu o regime militar, montou a peça Roda Viva, de Chico Buarque. A ousadia lhe valeu a perseguição por parte do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que chegou a incendiar o teatro num ato terrorista. O prédio foi, no entanto, reconstruído, tornando-se uma referência mundial em arquitetura. Mas a peça não escapou da proibição.
O grande sucesso veio em 1970, com a adaptação para o teatro do livro de Oswald de Andrade O rei da vela, de 1933. Nela, um sabichão de nome Abelardo vive de enganar as pessoas, mas é enganado por alguém ainda mais esperto. Tendo como elenco Renato Borghi, Grande Otelo, Ítala Nandi, Dina Sfat, Dirce Migliaccio, Otávio Augusto e Othon Bastos, o espetáculo é uma crítica à forma especificamente brasileira de fazer política e à covardia e submissão de nossas elites às grandes potências estrangeiras, uma ideia revolucionária em tempos de nacionalismo mesquinho. A peça foi dedicada ao cineasta Glauber Rocha e depois virou filme.
Em 1974 Zé Celso foi preso e torturado pelo regime militar, se exilando em Portugal. Como tantos anistiados, voltou ao Brasil no final dos anos 1970 e durante os anos 1980 permaneceu longe dos palcos, dedicando-se à pesquisa teatral. Retomou as atividades no início dos anos 1990 e desde então não se afastou mais. Teve participação na atuação e produção de filmes para o cinema, principalmente aqueles dirigidos por José Mojica Marins, o Zé do Caixão.
A contribuição fundamental de Zé Celso ao teatro reside no fato de que ele trouxe para os palcos o deboche, a violência, o grotesco, a brasilidade e o erotismo do movimento tropicalista. Uma de suas peças chegou a ser considerada “teatro pornô” na Alemanha, devido ao fato de que os atores ficavam nus no palco. Mas esse estranhamento estava no próprio centro da proposta de Zé Celso. Ele rompeu com o teatro europeizado, passivo, unilateral, e criou um tipo de espetáculo cheio de provocações ao público. Em vez de uma sucessão linear de falas, implementou uma explosão criativa de improviso, catarse e gozo. Suas influências incluem o modernista Oswald de Andrade, mas também o alemão Bertolt Brecht e os russos Maksim Górki e Konstantin Stanislávski. Ir a uma peça de Zé Celso sempre foi uma experiência antropológica impactante, em seu teatro de andaimes, com seus figurinos inesperados e seus monólogos desconcertantes.
Nos últimos anos, Zé Celso voltou ao centro das atenções da imprensa devido à sua luta judicial contra Sílvio Santos, proprietário do terreno no qual se encontra o Teatro Oficina. O dono da SBT queria construir três torres de mais de cem metros cada no lote ao lado, destruindo todo o conjunto arquitetônico do teatro e seu entorno.
Zé Celso estava feliz. Há dois meses havia se casado com o também dramaturgo Marcelo Drummond, com o qual vivia desde os anos 1990. O velho rebelde que tanto nos fez pensar deixa uma obra que é considerada uma revolução no teatro nacional. Mas sobretudo uma obra que precisa ser digerida e merece ser apreciada.
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