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BRASIL

Colômbia: o exemplo de que outra governabilidade é possível

Gustavo Petro e Francia Márquez também foram eleitos em base a uma ampla aliança multipartidária, mas apostaram em uma outra governabilidade, focada no cumprimento das promessas de campanha e no enfrentamento com os sabotadores do governo

Henrique Canary, da redação
Instargam/Gustavo Petro

O governo Lula acaba de tomar mais uma rasteira da Câmara de Deputados chefiada por Lira e o Centrão. Dessa vez foi a aprovação do famigerado Marco Temporal para a demarcação das terras indígenas, uma medida que visa dificultar ao máximo o estabelecimento de uma verdadeira justiça histórica em relação aos povos originários do país. Semana passada já tinha sido o esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e a aprovação de um Arcabouço Fiscal muito pior do que o projeto original. Agora isso. Lira se comporta como chefe de Estado, ditando a pauta do país e boicotando abertamente o governo.

Diante dessa realidade, é justo se perguntar: poderia ser diferente? Ora, Lula não tem maioria da Câmara dos Deputados. Isso o obriga inevitavelmente a se render ao Centrão e governar em base a concessões e recuos? Em nossa modesta opinião, não. Existe um outro caminho, que passa pela construção de uma outra governabilidade, baseada na adoção de medidas de alto impacto social e no chamado à mobilização popular para apoiar as ações do governo. É isso que, apesar das contradições, está fazendo o presidente colombiano Gustavo Petro.

O ex-guerrilheiro do M-19 e ex-prefeito de Bogotá Gustavo Petro e a ativista antirracista Francia Márquez foram eleitos presidente e vice-presidente da Colômbia em 19 de junho de 2022, em meio a uma enorme onda de esperança. Assim como aconteceu com Lula, Petro e Francia também chegaram ao poder através de uma ampla coalizão de partidos e forças que iam da esquerda ao centro do espectro político.

Assim como Lula, o programa de Petro não era socialista nem revolucionário, mas incluía medidas extremamente progressivas no marco de um país fastigado por dêcadas de violência política, narcotráfico, concentração de terras, miséria e desigualdade social.

Mas diferente de Lula, Petro apostou, desde o início do mandato, na expansão de sua base social por meio do cumprimento das promessas de campanha e do enfrentamento com os sabotadores do governo. É o que lhe permitiu atingir nada menos do que 62% de apoio popular aos 100 dias de governo, enquanto a direita segue atordoada e com dificuldades de se reorganizar.

As medidas de Petro e Francia

O centro do programa de Petro e Francia passa pelo que se convencionou chamar “Pacto Histórico”. Trata-se, em primeiro lugar, de se avançar na consolidação da paz social por meio da retomada das negociações com os cerca de 30 grupos armados que atuam em território colombiano. Assim que tomou posse, o novo governo reabriu as negociações de paz com os principais grupos, além de ter tomado uma série de outras medidas de cunho democrático.

Já nas primeiras semanas de governo, 70 generais e coronéis foram afastados de suas funções, devido à suspeita de relação com o crime organizado e oposição ao processo de paz. Além disso, Petro anunciou uma mudança na linha de combate ao narcotráfico, com a diminuição radical dos bombardeios a áreas de guerrilha e o fim do uso do glifosato para a erradicação forçada da coca. Ao invés disso, o governo anunciou o Programa de Substituição de Cultivos Ilícitos (PNIS), para incentivar economicamente a substituição do plantio da coca pelo de outras culturas.

Petro também decidiu extinguir o Esquadrão Móvel de Choque da Polícia (ESMAD), uma instituição altamente violenta, construída especialmente para a repressão política e acusada de 28 mortes somente durante os protestos de 2021. Em seu lugar, anunciou a criação da Unidade de Diálogo e Acompanhamento à Manifestação Pública, voltada para a garantia do direito democrático à manifestação e ao protesto social.

Aproveitando-se do apoio popular, Petro consegui aprovar uma ousada Reforma Tributária, que já tem impacto na vida da população e ajudou a aumentar ainda mais sua popularidade.

Estão na fila as reformas Trabalhista, da Previdência e talvez uma Reforma Educacional. A Reforma Política foi derrotada e saiu de pauta por enquanto.

Mas Petro não toma apenas medidas estruturais de longo prazo. O governo da esquerda valoriza também os pequenos passos que promovem a melhoria imediata da vida da população. Assim, a antiga rede de farmácias que pertencia ao Cartel de Cali, a “Drogas La Rebaja”, tornou-se propriedade pública e passou a funcionar também como uma rede de postos de saúde para atendimento da população.

Foram criadas 500 mil novas vagas nas universidades públicas e canceladas as dívidas de 500 mil devedores da ICETEX, uma credora estatal de empréstimos estudantis.

No terreno internacional, Petro retomou as relações diplomáticas e culturais com a Venezuela, encerrando o vergonhoso período em que os dois países irmãos não cessavam de trocar provocações. Petro também denunciou a política golpista da OEA na região e chamou ao fortalecimento da Unasul.

As mudanças do gabinete de ministros e o chamado à mobilização popular

Evidentemente, Petro passou a enfrentar dificuldades no Congresso Nacional. Sua proposta de Reforma Agrária foi frustrada pela ação da oposição, que retirou do projeto os mecanismos concretos através dos quais as terras improdutivas poderiam passar para as mãos dos camponeses pobres.

A resposta de Petro ao boicote de suas medidas e à recusa de três partidos do governo de votaram a favor da Reforma da Saúde foi a destituição de sete ministros e a ruptura, na prática, do governo de coalizão. Durante o ato em comemoração ao Primeiro de Maio, do alto da tribuna do Palácio Presidencial, Petro afirmou: “A tentativa de restringir as reformas pode levar à revolução”, o que, claro, causou calafrios na elite colombiana. Petro continuou: “Este governo de maiorias precisa de um povo mobilizado. As reformas que sabemos serem fundamentais foram apresentadas. E aprová-las deve ser um objetivo que o Congresso colombiano – apesar das pressões de grupos privilegiados –, tem que fazer, tem que votá-las, apoiá-las, determinar essas grandes leis”.

Brasil deveria seguir o mesmo caminho

A política de Petro e Francia não é meramente reativa e muito menos impensada. Ela parte de uma avaliação, em nossa opinião, duplamente correta.

Em primeiro lugar, impera a lógica de que o cumprimento de promessas de campanha, embora gere atritos com as elites dirigentes, amplia a base social e portanto o apoio político ao governo. Não se trata de destituir o congresso com um autogolpe nem nada pelo estilo. Mas se trata sim de forçar o congresso a adotar, mesmo contra a sua vontade, as medidas necessárias para a melhoria de vida da população.

Em segundo lugar, Petro parte do pressuposto de que existe uma correlação de forças favorável na América Latina em termos de existência de governos progressistas: Brasil, México, Colômbia, Argentina, Chile e Venezuela. Essa situação continental pode influenciar e tem influenciado positivamente a correlação de forças interna, pois coloca a direita nacional em uma condição em que é mais difícil contar com o apoio internacional para suas aventuras sabotadoras e golpistas.

É a isso que nos referimos quando dizemos que Lula precisa “governar a quente”. Até agora, o que temos visto, infelizmente, é o recuo seguido do recuo. É verdade que importantes medidas foram tomadas e essas medidas precisam ser saudadas, comemoradas e defendidas. Mas em pautas muito sérias, como a questão macro-econômica e ambiental, o governo tem encarado amargas derrotas. Esse é e sempre foi o projeto da direita: manter o governo refém, matá-lo à míngua, arrancar-lhe a base de apoio para voltar com mais força daqui a quatro anos. E é preciso admitir que até agora nossos inimigos têm sido vitoriosos. O governo não está de joelhos, mas está bastante limitado em suas possibilidades.

Isso precisa mudar. Uma nova governabilidade, baseada no apoio ativo de massas, precisa ser construída. Nossos aliados serão os pobres e oprimidos, além de muitos irmão latinomaericanos, que seguem com todo o coração o nosso destino e esperam pelo exemplo brasileiro.