Democracia à la française

A França está sendo sacudida por um conjunto de gigantescas manifestações e greves nos últimos dois meses. Tudo começou nas jornadas de 19 de janeiro, com grandes mobilizações em diferentes cidades do país e continuou semanalmente com paralisações e greve gerais¹. No último dia 15 de março, por exemplo, mobilizaram-se mais de 1,7 milhões de pessoas na França, segundo a CGT (principal organização sindical francesa)².

O objetivo dessas mobilizações é barrar a proposta de reforma de previdência de Macron que altera a idade mínima para aposentadoria de 62 para 64 anos e aumenta o tempo de contribuição de 42 para 43 anos para aposentadoria integral. A reforma já havia sido aprovada na Câmara e no Senado (ontem, 16), porém, deveria passar por uma última votação na Assembleia. Com medo de perder a votação, Macron e a primeira-ministra Élisabeth Borne acionaram o autoritário dispositivo 49-3 da Constituição Francesa para aprovar sua Reforma antipopular.

O que é o 49-3?

O Artigo 49-3, da Constituição de 1958, determina que um projeto que está em debate na Assembleia Nacional (dentre outras situações) será considerado aprovado, salvo na ocasião de uma votação de uma moção de censura ao governo em 24h³. Um dispositivo antidemocrático e autoritário, porém muito utilizado na “democracia” francesa: desde 1958, já foi utilizado 100 vezes; só no governo Macron-Borne, já foi utilizado 11 vezes.

Macron-Borne, como representantes dos principais setores burgueses do país, não esconderam que a utilização do 49-3 satisfaz os interesses financeiros e econômicos, porém, vão contra a democracia, o poder legislativo e os interesses da maioria do povo francês.

A utilização do dispositivo é, por um lado, um teste de força de Macron que busca impor uma reforma rejeitada por 2/3 dos franceses. Por outro lado, é uma demonstração de fraqueza, já que Macron não tem a maioria para governar e é claramente rejeitado pela maioria da população francesa: 63% dos franceses não tem confiança no executivo⁴ e cerca de 80% rejeitam a utilização do 49-3 para aprovação da reforma⁵.

A oposição a Macron já depositou a moção de censura e deve votar hoje para tentar derrubar o governo da primeira-ministra Borne. Para isso, deve contar com os votos da direita republicana que foi cúmplice na negociação do projeto de Macron, além de ser a a “fiel da balança”, sendo os votos que garantiram as primeiras aprovações, principalmente no Senado, onde detém a maioria⁶.

O movimento continua…

Enquanto isto, a mobilização do proletariado francês continua por todo país. Greves permanecem, como a de Gari de Paris, a de professores, entre outras categorias importantes. Além disso, hoje de manhã, a França acordou com diversos pontos de bloqueio nas estradas e cidades¹. Um deles é a parada total de produção na refinaria TotalEnergies, na Normandia, assim como em outras três refinarias do país que estão em greve².

Hoje será o principal dia para o futuro da Reforma da Previdência. O dia do tudo ou nada para Macron. Uma votação da moção de censura contra o governo seria o fim não só do governo de Borne, mas uma dura derrota de Macron e de sua política neoliberal. A força do proletariado francês, demonstrada de maneira impressionante nos dois últimos meses, tem que conseguir essa vitória contra o neoliberalismo autoritário.

2https://www.lemonde.fr/politique/live/2023/03/15/greve-du-15-mars-en-direct-accord-sur-le-projet-de-reforme-des-retraites-en-commission-mixte-paritaire-macron-recoit-borne-et-les-ministres-concernes-ce-soir_6165525_823448.html

3https://www.vie-publique.fr/fiches/19494-le-recours-larticle-493-de-la-constitution

4https://elabe.fr/barometre-politique-mars2023/

5https://elabe.fr/reforme-retraites-2023-9/

6https://www.huffingtonpost.fr/politique/article/vers-un-49-3-pour-la-reforme-des-retraites-macron-reunit-un-conseil-des-ministres_215306.html

7https://www.ouest-france.fr/economie/retraites/direct-reforme-des-retraites-apres-le-49-3-des-motions-de-censure-attendues-la-rue-en-colere-8d80513a-c480-11ed-93d7-4c4cd65beb9c