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BRASIL

Salário X Inflação: análise da correlação de força entre as classes

Por Pierre Fernandez, de São José dos Campos,SP

Um elemento importante para elaborar e atuar na realidade politica é a avaliação da correlação de forças entre as classes. Há quem diga que existe muita luta no Brasil e isso indicaria que a situação para o povo pobre e trabalhador está melhor, e só não avança ainda mais por conta das direções sindicais traidoras. Olhar assim a realidade me parece parcial e impreciso.

Por exemplo, analisando os dados entre os reajustes salariais e a inflação, fiquei pensando sua relação com a situação politica. Acredito que eles refletem bem a relação de forças entre classes, afinal trata-se de algo que afeta diretamente os trabalhadores. Não é uma mudança de legislação que os afetará no futuro, como parte da classe é levada a pensar nos casos da PEC do fim do mundo ou a reforma da previdência, nesse caso, é imediato.

Em geral, no conjunto das categorias de trabalhadores, é durante a campanha salarial que o conjunto participa de ações politicas, e no Brasil, devido ao peso histórico dos sindicatos, mesmo os mais burocratizados costumam fazer alguma mobilização: entregam jornais, fazem assembleias e mesmo greves.

Ou seja, muitas vezes, é nestes momentos que os trabalhadores, quando sentem ter possibilidade de vitória, tendem a pressionar mais suas direções, demonstrar mais confianças em suas forças, desafiar os desmandos patronais e impor ou aceitar lutas que diminuam sua exploração, e isso se materializa em forma de aumentos salariais. Quando isso ocorre, e a situação favorece os trabalhadores, eles tendem a sair vitoriosos, arrancar alguma conquista.

No entanto, analisando os últimos anos podemos ver que no ano passado e em 2016 os reajustes ficaram abaixo da inflação, diferente do que ocorreu em 2013 e 2014.

Vejamos a evolução dos números*:
2013: 1,9 de aumento salarial em relação à inflação;
2014: 2,7 de aumento salarial em relação à inflação;
2015: -3,7 de diminuição dos salários em relação à inflação;
2016: – 1,5 de diminuição dos salários em relação à inflação – os números deste ano ainda não foram totalizados, apresento aqui uma projeção com os dados disponíveis.

Essa situação não deve ser atribuída apenas às direções sindicais. Embora seja verdade que uma direção de luta pode influir em uma melhor negociação salarial, para efeito de análise, não é um dado relevante. Afinal existe pouca alternância nas direções sindicais dos principais sindicatos do país, sendo assim, o que explicaria essa variação negativa entre os anos 2014 e 2016 na relação entre salário e inflação? O que explicaria o fato das lutas seguirem e isso não refletir-se em elevação real dos salários dos trabalhadores?

A resposta está na conjuntura politica e econômica que se instalou no país a partir de 2015. A preparação do país para o golpe parlamentar, o desemprego crescente que já chegou a doze milhões, o conjunto de ataques que estão sendo realizados aos trabalhadores e o protagonismo politico de setores reacionários da classe média impuseram uma condição menos favorável aos trabalhadores, e estes tem mais dificuldades para manter ser padrão salarial.

Tais dados representam bem o fato das lutas no último período terem um caráter defensivo. Uma parte da classe luta para manter seu padrão e para que a inflação não corroa seu salário, e outra parte, em especial os servidores públicos, lutam por algo ainda mais básico, o de poder receber o salário pelo qual já trabalhou.

*Baseado em dados da FIPE/USP