Na última sexta-feira, dia 02, a militância progressista católica de São Paulo tomou um duríssimo golpe, o Cardeal Odilo Scherer, 73, censurou e retirou os direitos de celebrar sacramentos e exercer funções sacerdotais e de liderança comunitária do padre Assis Tavares, 39. Todos que já estiveram em meio aos becos e vielas das favelas da Vila Prudente, Jacaraipe, Ilha das Cobras, Haiti e Sabesp – todas na Zona Leste – conhecem o ativo papel do padre Assis na fomentação e luta de movimentos sociais de negritude, favelas e anti-carcerário, e sabem de seu compromisso junto aos mais pobres e a classe trabalhadora.
Nascido em Cabo Verde, mestre em filosofia e membro da congregação dos missionários do Espírito Santo, radicado no Brasil desde 2012, Ivanildo de Assis Mendes Tavares, conhecido simplesmente como Padre Assis, é desde 2013 vigário da comunidade São José Operário e de outras quatro comunidades de base espalhadas na área conhecida como Favelão da Vila Prudente. O jovem padre descreve a si mesmo como um “homem católico normal”, porém quebra padrões conservadores retomando a tradição da Teologia da Libertação, idealizada por teóricos como Leonardo Boff e Juan Luis Segundo, e da opção preferencial pelos pobres – Postura assumida por parte da Igreja em especial nas décadas de 70 e 80, após as conferências de Medellín em 1968 e Puebla em 1979, na qual esta se comprometia com a luta contra a pobreza e as desigualdades e com os movimentos sociais populares organizados.
Preto, imigrante africano e com dreads, Assis encara de frente os preconceitos e desigualdades que o rodeiam, em especial ao combater discursos conservadores que usam a religião como forma de oprimir; em entrevista concedida ao Geledés em outubro falou sobre a fé que acredita:
“Se o Cristo é universal, então há várias maneiras de expressar o visto. O meu Cristo não tem olhos azuis e nem cabelo liso, meu Cristo tem cabelo crespo, meu Cristo é do povão, caminha com a gente nas quebradas, nas favelas, chora com nóis”
A suspensão de ordem e seguinte perda de seus direitos clericais ocorre num contexto no qual o sacerdote já vinha sofrendo com ataques constantes de cunho racista e político, perpetrados principalmente por redes bolsonaristas ligadas à grupos conservadores católicos, os quais estão atuando de forma cada vez mais organizada e violenta em especial após o fim das eleições. Os ataques antes restritos às redes e ameaças, agora parecem até mesmo estar influenciando nas hierarquias da instituição, demonstrando a capilaridade da extrema direita em seus braços religiosos.
A justificativa dada pelo cardeal Scherer para tal medida autoritária é acusar Assis de “simular sacramentos” e “abençoar pessoas”, isso porque no dia 22 de outubro, Padre Assis foi convidado pela prefeitura de Franco da Rocha e pelo Cartório Civil da mesma cidade, para realizar uma bênção inter-religiosa em um casamento comunitário ocorrido em um ginásio, no qual havia vinte casais, muitos deles não católicos, e onde três deles eram compostos por pessoas LGBT ou seja, casais homoafetivos. Assis abençoou a todos sem fazer distinções em comunhão com os membros das demais religiões convidadas.
Após tomar conhecimento de tal fato, através de denúncia do bispo de Bragança Paulista, Sérgio Aparecido Colombo, 68, ligado ao grupo ultraconservador Arautos do Evangelho; Odilo convocou Assis para explicar-se e arbitrariamente lhe suspendeu o direito de uso de ordem e o proibiu realizar atividades públicas; em um ataque claro de motivações racistas,
homofóbicas e políticas, atingindo não somente o padre mas os movimentos sociais que ele organiza.
Seguindo porém o espírito de luta de seu pároco, as comunidades das cinco favelas escreveram uma carta aberta em defesa dos direitos do padre, na qual afirmam que diante da acusação de ter “abençoado pessoas”, o que está por detrás é o racismo e a homolesbotransfobia institucionais da hierarquia católica, em especial na figura do cardeal Odilo Scherer. Escrevem ainda ” Fato é que a presença do Padre Assis incomoda, seu sorriso, sua opção pelos pobres incomoda, a cor da sua pele incomoda, seu cabelo incomoda” e extername a exigência única para que a decisão autoritária seja revista.
Vale frisar que os ataques e agora seguinte suspensão de Assis ocorrem num período também de intensa polarização política dentro da própria Igreja Católica, onde coletivos de bispos se posicionaram uns com o campo democrático como os “Bispos do diálogo pelo Reino” ou com o bolsonarismo neofascista como os “Templários de Maria”; também no qual grupos conservadores e bolsonaristas vem agindo repetidamente e coordenadamente para caçar lideranças progressistas; isso tudo apesar da clara vitória eleitoral de Lula entre católicos, na ordem de 59% contra 41% dos votos válidos para Bolsonaro segundo dados do Poder Data divulgados dia 25 de outubro, às vésperas do segundo turno. Apesar disto, o bolsonarismo católico possui bases sólidas e vem servindo não só como fonte de denúncias e perseguição, mas também enquanto sustentáculo para manifestações antidemocráticas que contestam os resultados eleitorais.
Diante disso a defesa do Padre Assis e de outros religiosos progressistas, os quais organizam o povo e lideram suas comunidades contra a extrema direita, deve ser tarefa obrigatória para nossa militância enquanto revolucionários. Enquanto a comunidade de Assis se organiza para exigir seu retorno, saber que possui a solidariedade de camaradas de outras lutas é fundamental, e que caso a luta ganhe as ruas, becos e vielas da Vila Prudente, devem saber que podem contar com nosso apoio para esta e para qualquer luta que está por vir. Toda a Solidariedade ao Padre Assis e ao povo das Favelas da Vila Prudente!
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