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BRASIL

Como ficou a PEC da Transição protocolada no Senado?

Henrique Canary, de São Paulo (SP)
Marcio Camargo/Agência Brasil

Reunião do Conselho Político de Transição na sede da Gabinete de Transição de Governo, no CCBB, em Brasília.

Já se encontra em tramitação no Senado Federal o texto definitivo da chamada PEC da Transição, que visa garantir recursos do orçamento da União para o pagamento do Bolsa Família e para investimentos públicos acima do teto de gastos.

O texto, apresentado nesta segunda-feira pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator-geral do Orçamento de 2023, já conta com o número de assinaturas necessárias à tramitação e deve em breve ser enviado à Comissão de Constituição de Justiça para análise do colegiado e posterior encaminhamento ao plenário da casa. O nome do relator do projeto ainda não foi definido.

Segundo o texto apresentado, o novo governo Lula poderá contar em 2023 com R$ 175 bilhões para o Bolsa Família, o que deve ser suficiente para o pagamento de um benefício de R$ 600 por família mais R$ 150 por cada criança de até 6 anos. Esse valor é R$ 70 bilhões a mais do que o previsto no orçamento encaminhado ao Congresso por Bolsonaro, o que só permitiria o pagamento de um Auxílio Brasil de R$ 405 por família sem adicional por criança.

A PEC da Transição prevê também que o governo possa dispor de até 6,5% das receitas extras de 2021 para investimento, o que equivale a R$ 23 bilhões, totalizando assim R$ 198 bilhões para gastos acima do teto constitucional. Esse montante deve dar algum respiro ao novo governo, permitindo o cumprimento mínimo da mais urgente de suas promessas, o combate à miséria e à fome.

Na proposta de Castro, o prazo para o funcionamento desse mecanismo é de quatro anos, e não mais por um período indeterminado, como previa a minuta divulgada anteriormente.

Apesar do esforço já empregado para a articulação da proposta, o texto deve ser modificado ao longo da tramitação, de forma a gerar um consenso que facilite sua aprovação nas duas casas: “Nós combinamos com os líderes que daríamos entrada e, à medida que a PEC for tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), vamos buscando um texto comum. Na hora que nós chegarmos a esse texto comum, o relator da PEC, então, colocará em votação na CCJ; em seguida, no plenário, e, depois, iria para a Câmara”, afirmou o senador. Essa tática foi acertada com o PT e teve o aval de Lula.

Segundo as regras, o texto precisa ser aprovado antes de 16 de dezembro, que é o prazo para a apresentação do relatório do orçamento. Após o recebimento, a Comissão de Constituição de Justiça deve dispor de 5 dias para aprovar o texto quanto à sua constitucionalidade. Depois disso, o material é enviado para o plenário do Senado, onde precisa passar por cinco sessões de discussão para ser então aprovado em primeiro turno. Em seguida, mais cinco dias úteis e três sessões para a aprovação em segundo turno, quando então o resultado final é enviado à Câmara dos Deputados. Para aprovação no Senado, são necessários 49 votos. Para aprovação na Câmara, também dois turnos e 308 votos. De qualquer forma, o PT espera o encurtamento desses prazos, dado que se trata de um texto de acordo.

A PEC inclui também temas paralelos ao Bolsa Família, mas imprescindíveis para o funcionamento mínimo do Estado brasileiro no próximo período. Estabelece, por exemplo, que as universidades públicas podem gastar além do teto a partir de fundos oriundos de renda extra, como convênios e doações. O mesmo vale para projetos socioambientais financiados com doações, como as do Fundo Amazônia, dinheiro que o Brasil recebe de outros países para financiar o desenvolvimento amazônico com preservação ambiental. Esses mecanismos são de extrema importância, sobretudo agora que Bolsonaro resolveu agir segundo o princípio de “depois de mim, o dilúvio” e decidiu promover mais um corte bilionário no orçamento da saúde e da educação.

Por fim, os autores da PEC da Transição terão que lidar com uma outra proposta que deve começar a tramitar no Congresso em breve. Apelidado de “PEC da Sustentabilidade Social”, o projeto apresentado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) tem de fato o mesmo objeto da PEC da Transição, porém centra fogo no valor a ser gasto além do teto, que segundo a proposta poderia ficar em R$ 150 bilhões. Esses dois textos devem se encontrar em algum momento no Congresso e deles deve surgir uma proposta única que medie os valores, mecanismos e prazos de um e outro.

O que fica claro de tudo isso é a destruição do Estado brasileiro promovida pelo atual governo, e cujas consequências teremos que lidar ainda por um bom tempo. O teto de gastos é uma aberração jurídica, política e econômica que nenhum país do mundo jamais adotou, e só se explica pela profunda derrota que sofremos com o golpe parlamentar de 2016 e seus desdobramentos. O caminho da reconstrução do país será longo e doloroso, mas começa por um passo simples: o cumprimento das promessas feitas durante a campanha.