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Colunas

Duas estratégias contra o bolsonarismo

Apoiadoras de Bolsonaro
Marcelo Camargo/Agência Brasil

Valerio Arcary

Professor titular aposentado do IFSP. Doutor em História pela USP. Militante trotskista desde a Revolução dos Cravos. Autor de diversos livros, entre eles Ninguém disse que seria fácil (2022), pela editora Boitempo.

 Dobrado é o perigo de quem foge ao inimigo

                                                                             Maior é o perigo onde maior é o medo

                                                                                           Sabedoria popular portuguesa

1. Qual deve ser a estratégia da esquerda diante da permanência do bolsonarismo?

Esta é a primeira e mais importante definição que será imposta pela nova conjuntura. Claro que uma tática que explore as possibilidades de divisão da extrema-direita isolando a corrente neofascista é inteligente. Semear a discórdia, alimentar as discordâncias, fomentar a cizânia é sempre útil. Mas são, essencialmente, duas as possíveis estratégias. Entre elas sempre haverá mediações intermediárias, mas são duas. A primeira foi apresentada, singelamente, por aqueles que sugeriram uma reunião de Lula com Bolsonaro, até com direito a foto. A segunda é apostar na investigação, condenação e prisão de Bolsonaro. A primeira admite como inevitável a permanência de uma corrente neofascista com influência de massas. O principal argumento é que o bolsonarismo passou a fazer parte da “paisagem” institucional. Então o melhor seria não somente aceitar, mas pressionar pela “normalização” do bolsonarismo. Não provocar. E realizar gestos que sinalizem a disposição de convivência inspirada pelo respeito democrático do governo Lula com a oposição de direita, até mesmo de Bolsonaro. A segunda afirma que nada disso é possível. Defende que o bolsonarismo é uma corrente neofascista com um pé na legalidade, e outro pé na conspiração golpista. As ambiguidades das declarações de Bolsonaro, desde a eleição, são somente dissimulação. Ao perder a blindagem jurídica do cargo, Bolsonaro deve se investigado e punido. “Desbolsonarizar” as instituições, a começar pelas polícias, em especial, pela Polícia Rodoviária Federal, em função dos escândalos acumulados, deverá ser um combate incontornável. Esta tarefa não pode ser terceirizada para a Justiça como se fosse uma rotina administrativa. Ela só poderá ser conquistada com uma campanha política de agitação e mobilização de massas.

2. A subestimação do perigo bolsonarismo tem sido o erro mais importante da esquerda brasileira desde 2018. Às vésperas do segundo turno prevalecia a ideia “facilista” que a vitória viria por uma diferença igual à do primeiro. O facilismo é mais que otimismo ingênuo. É uma mentalidade que diminui as forças do inimigo e desconsidera a gravidade do conflito. Devemos reconhecer, honestamente, que há um padrão. Agora se despreza a importância do bloqueio de estradas, e das concentrações na frente dos quartéis. O bolsonarismo já demonstrou que tem capacidade de colocar nas ruas centenas de milhares. Não vai ter golpe para impedir a posse de Lula. Murchou a mobilização que usou os caminhoneiros como faísca para insuflar a defesa de intervenção militar. Mas o protesto foi além da desobediência civil, e serviu para indicar a estratégia feroz do bolsonarismo na oposição. Eles não renunciaram à luta pelo poder. Quando puderem não hesitarão em se apoiar em mobilizações contrarrevolucionárias para derrubar o governo Lula, inspirados no impeachment de Dilma. Se não o conseguirem, procurarão acumular forças para as eleições de 2024 e 2026. Se, eventualmente, o trumpismo tiver uma vitória nas eleições nos EUA no próximo dia 8 de novembro, a possibilidade de uma forte candidatura de Trump irá reforçar a extrema-direita mundial, inclusive o bolsonarismo, se até lá não tiver sido derrotado.

3. Um dos temas importantes ainda pouco esclarecidos na esquerda é compreender por que Bolsonaro não construiu um partido. Não construiu antes de 2018 porque não tinha força. Usou uma legenda de aluguel que já nem existe mais, o PSL de Luciano Bivar, um obscuro deputado reacionário de Pernambuco. Nesse terreno da tática eleitoral imitou o que Fernando Collor fez em 1989, quando se filiou ao Partido da Juventude, rebatizado como PRN, Partido da Reconstrução Nacional. Depois de eleito flertou com o projeto do Aliança Brasil, mas recuou. Desistiu da legalização de um novo partido porque, depois da crise com Sergio Moro, precisava incorporar como protagonista o Centrão no governo para preservar a coesão da coalizão de partidos que garantiam a sua sustentação no Congresso Nacional. Um partido próprio, em que teria hegemonia incontestável, seria um rival dos partidos de extrema-direita já estabelecidos, como o Partido Liberal, o Partido Popular, e o Republicanos, além do PTB, Patriotas e outras legendas de aluguel. Mas agora que perdeu as eleições terá tempo e o mais provável é que vai construir. Já há uma rede subterrânea que opera através das redes sociais organizadas por um centro político. Já conseguiu garantias de que o PL irá sustentar o centro político que pretende construir.

4. Qual será o lugar de Bolsonaro na oposição a Lula? Bolsonaro será a principal liderança da oposição ao governo Lula, se não for detido. Não há qualquer outro chefe político que possa, remotamente, concorrer com a confiança que despertou. È uma ilusão de ótica institucionalista imaginar que, por não ter mandato, Bolsonaro deixará de ser ouvido e seguido. O bolsonarismo tem implantação social e presença nacional. Responde a uma base social que une frações poderosas do agronegócio com a massa da pequena-burguesia, dividiu a classe trabalhadora arrastando um pouco mais da metade dos assalariados de renda média e tem audiência em setores populares.

5. O mais importante é que não se deve repetir os mesmos erros de 2015. Seria imperdoável desconhecer que a tática de nomear Joaquim Levy e ceder à chantagem dos grupos capitalistas mais poderosos foi fatal para o destino do governo Dilma Rousseff. A classe dominante brasileira não merece nenhuma confiança. A questão central no Brasil não é a pressão inflacionária ou crescimento da dívida pública. Quem está defendendo Meirelles para o Ministério da Fazenda não aprendeu nada. Esse projeto tem implícita uma aposta na “tranquilização” dos investidores internacionais e nacionais como resposta à longa estagnação econômica. Não é possível sem uma elevação da superexploração dos trabalhadores nivelada pelo padrão do sudeste asiático. O caminho passa pela elevação de impostos os grandes capitalistas, a começar pelas grandes fortunas. O desafio central será buscar sustentação na mobilização operária e popular. O governo Lula repousará, essencialmente, na capacidade da esquerda reunificar a classe trabalhadora.

In english: Two strategies against Bolsonarism