Após o encontro de Jair Bolsonaro com embaixadores, no qual assumiu e reafirmou sua intenção de não respeitar as eleições e seu resultado, empresários e banqueiros assumiram publicamente posições contrárias a escalada golpista, incluindo a participação em manifestos. Neste momento, grandes nomes do capital, incluindo gigantes do capital financeiro e do varejo, assinam um ou mesmos os dois principais manifestos por democracia que circulam nas redes sociais.
O principal é o manifesto organizado pela Faculdade de Direito da USP em defesa de eleições democráticas no país e das urnas eletrônicas com assinaturas de juristas, médicos, artistas e personalidades como o cantor Chico Buarque de Hollanda, o padre Júlio Lancelotti e o ex-jogador Casagrande. O manifesto é impulsionado pelo grupo Prerrogativas e pelo 342 Artes e será lido em um ato no dia 11 de agosto, nas escadarias da Faculdade de Direito, pelo ex-ministro do STF Celso de Mello, em um ato que busca lembrar as jornadas de 1977.
A “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito” marca posição contra as ameaças golpistas que Bolsonaro tem agitado contra o TSE e as urnas eletrônicas. O texto é categórico no combate ao golpismo: “ditadura e tortura pertencem ao passado”.
Outro manifesto, intitulado Eleição se Respeita, reunia mais de 6 mil assinaturas até esta segunda-feira, 25, em um site criado para isso https://www.eleicaoserespeita.org/. O texto é mais objetivo, concentrando-se em lutar pelo objetivo de seu título: “O Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados”. No seu trecho final, ele afirma: “A Justiça Eleitoral brasileira é uma das mais modernas e respeitadas do mundo. Confiamos nela e no atual sistema de votação eletrônico. A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias.”
Dentre as assinaturas, tem tido destaque nomes de grandes empresários e banqueiros do país, como Fábio Barbosa (presidente da Natura), José Olympio Pereira (ex-presidente do Credit Suisse no Brasil), Roberto Setubal (banqueiro, ex-presidente do Itaú), Pedro Moreira Salles (co-presidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco), Luiza Trajano (presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza), Sidney Klajner (presidente do Hospital Israelita Albert Einstein), Horacio Lafer Piva (membro do conselho da Klabin), do investidor Lawrence Pih.
Andar de cima
Por óbvio, reconhecer a importância desse tipo de iniciativa não significa depositar confiança ou expectativas nela, já que se trata de uma movimentação que inclui segmentos peso-pesados da burguesia que, em grande medida, arquitetaram ou foram cúmplices do golpe que tirou Dilma Rousseff e entusiastas da operação Lava Jato e da prisão de Lula, que pavimentaram o caminho até Bolsonaro. Ainda que condenando os modos grosseiros do bolsonarismo, o andar de cima, em momentos chave, permaneceu junto ao presidente, garantindo sustentação e evitando que o impeachment avançasse, mesmo diante do genocídio da pandemia.
Contudo, cabe reconhecer que esse manifesto representa um isolamento cada vez maior do presidente em sua sanha autoritária e isso não é nada irrelevante, tendo em vista o perigo que se avizinha. Ainda que setores do capital permaneçam ao lado do presidente, como parte do capital financeiro e do agronegócio, um setor importante do andar de cima, embora apoiador do plano neoliberal de retirada de direitos e privatizações, demonstra que não tem acordo com o plano bolsonarista de mudança de regime e de estabelecer um regime ditatorial.
Na luta contra Bolsonaro, a esquerda e os movimentos sociais não devem dispensar qualquer possibilidade de unidade de ação pontual com setores que estão em defesa das liberdades democráticas, visto que isso pode ser de grande valia para aprofundar o desgaste do governo e afastar a ameaça golpista. Contudo, nem por um minuto, a esquerda e os movimentos sociais devem deixar de impulsionar a mobilização independente, em torno de suas próprias ideias. Nesse sentido, foi fundamental a reunião da Coordenação da Campanha Fora Bolsonaro realizada na última sexta-feira, 22/07, que deliberou um calendário de mobilizações para as próximas semanas, cujo eixo é Voltar às ruas em defesa da democracia e de eleições livres e contra a violência política.
Nas ruas em 11 de agosto
No dia 11 de agosto, o ato da leitura do manifesto, na Faculdade de Direito, buscará repetir um momento histórico da luta contra a ditadura militar. Em agosto de 1977, nas comemorações dos 150 anos da fundação dos cursos jurídicos brasileiros, o professor de direito Goffredo da Silva Telles Junior leu uma “Carta aos Brasileiros” no mesmo Largo de São Francisco, na qual denunciava a ditadura militar (1964-1985) e defendia a volta do Estado Democrático de Direito. “Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários”, diz o texto.
A leitura da carta ocorreu após meses de mobilizações estudantis pelas liberdades democráticas. Em maio de 1977, cerca de 8 mil estudantes haviam protestado no Largo de São Francisco, no primeiro grande ato de rua contra o regime militar. Diante da repressão, os jovens sentaram no Viaduto do Chá, e leram em coro a carta “Hoje consente quem cala”, na qual pediam o fim da ditadura e exigiam a libertação imediata de sete operários e estudantes, militantes da Liga Operária, presos em uma panfletagem do Primeiro de Maio. Uma jornada que seguiu pelos meses seguintes, com dias de luta, e desafiou os generais e abriu o caminho para as lutas dos anos seguintes, com as greves do ABCD e a agonia do regime.
Cena do documentário “o apito da panela de pressão”
Para este dia 11, as entidades estudantis marcaram também um Dia Nacional de Lutas e promoverão mobilizações em todo o país, tendo o ato no Largo de São Francisco como um dos mais importantes. É com a mobilização da juventude e da classe trabalhadora, tomando as ruas nos dias 06 e 11 de agosto, que conseguiremos afastar a ameaça de golpe.
O discurso apocalíptico que Bolsonaro fez na convenção de seu partido, PL, não deixa dúvidas de que apostará tudo na mobilização de sua base social, em uma espécie de tudo ou nada. A esquerda não pode subestimar essas palavras. É hora de dobrar a aposta e colocar milhares de milhares, se possível milhões de pessoas nas ruas, em defesa das liberdade democráticas, contra o golpismo e o fascismo.
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