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MOVIMENTO

E quando a esquerda corta o ponto do grevista?

Gibran Jordão*
Divulgação

Greve dos professores da rede municipal de Teresina, em fevereiro deste ano

Samba, agoniza mas não morre, alguém sempre te socorre,antes do suspiro derradeiro…”
Nelson Sargento

É verdade que o movimento sindical não vive o seu melhor momento. Agoniza, mas não morre! É o que diz o samba de Nelson Sargento. Isso não quer dizer que não existam lutas importantes. Já vemos um início de resposta contra a grave crise econômica que vive o país, e que tem Bolsonaro como principal responsável. Nesse semestre, ainda estamos vivendo uma onda importante de lutas e greves dos profissionais da educação em várias cidades. No centro das reivindicações está o cumprimento da Lei do piso salarial!

Foram greves em Goiânia, São Luís, Belo Horizonte, Belém, entre várias cidades. Algumas ainda estão em curso, como a da educação municipal de Teresina e a do estado do Pauí, que já passou dos 120 dias de paralisação, num ato de bravura para fazer valer o direito conquistado. Vejam! Em julho de 2008 foi sancionada pelo presidente Lula, a lei 11.738, que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Em fevereiro de 2013, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a lei do piso passou a ter validade em abril de 2011, quando o STF reconheceu sua constitucionalidade. No “juridiquez”, essa decisão tem efeito “erga omnes”, isto é, obriga a todos os entes federativos ao cumprimento da Lei. É uma vitória histórica que marca a luta dos profissionais da educação pública brasileira no século XXI!

O direito ao piso salarial já é uma conquista sancionada e reconhecida pelo STF, mas não é cumprida em sua plenitude. Nem pelo governo Bolsonaro, e nem por estados e municípios! Quando se trata de jogar dentro das quatro linhas da Constituição, só vale para proteger os negócios dos ricos. Não há garantias efetivas para conquistas institucionalizadas dos trabalhadores. Essa contradição do sistema de leis no Brasil é expressão da fragilidade democrática que há na sociedade capitalista, desigual e seletiva na maioria das vezes quando se trata de direitos coletivos. São as rachaduras do ordenamento democrático liberal burguês, cujo os pilares não foram feitos para servir aos interesses da classe trabalhadora. É o “ganhou mas não levou” cotidiano!

Paulo Guedes, a frente do Ministério da Economia, com a chancela do presidente da República, cortou recursos importantes do Fundeb em 2021. Foram 8,06% a menos no investimento anual do valor investido em cada aluno da rede publica. Agora, em 2022, Bolsonaro acaba de anunciar o corte de R$ 3,23 bilhões no orçamento da Educação, que vai afetar todas áreas do MEC, atacando as universidades e institutos federais e também recursos da educação básica. A corrosão do orçamento do MEC e em especial do Fundeb não permite que haja investimentos suficientes para garantir o cumprimento do piso salarial, repassados para estados e municípios.

Ao mesmo tempo entre as prioridades orçamentárias de muitos governos e municípios não está a saúde e educação, mas sim grandes empreendimentos que geram poucos empregos e afetam o meio ambiente, mas garantem dividendos para acionistas que por sua vez financiam as campanhas do bolsonarismo e do Centrão ao Congresso Nacional. Até shows milionários com a indústria sertaneja já entraram na mira do Ministério Público, que investiga várias prefeituras com recursos escassos, contratando eventos com valores que pagariam o piso salarial de milhões de professoras e professores.

O ajuste fiscal neoliberal vem inviabilizando o cumprimento de conquistas sociais!

A lei do teto dos gastos e a de responsabilidade fiscal recebem tratamento absolutamente diferenciado por todas as autoridades do país. Um Congresso Nacional dominado por parlamentares a serviço de interesses do capital é capaz de votar o impeachment de uma presidenta ou presidente por furar o teto de gastos ou por supostas “pedaladas fiscais”, o tribunal de contas dos municípios ou do estado é capaz de abrir um processo contra um prefeito ou governador por furar leis fiscais do orçamento. Mas essas mesmas autoridades não tratam o descumprimento da Lei do Piso Salarial do Magistério com a mesma disposição e veemência, e portanto, o governo federal não garante os repasses suficientes, como prefeituras e governos não cumprem o pagamento do piso e nada acontece com ninguém.

Esse mecanismo jurídico/legislativo neoliberal estruturado está radicalizando e especializando o papel do Estado na participação do gerenciamento dos negócios do capital. É um mecanismo central que garante com eficiência o fluxo de recursos públicos para uma fração muito minoritária da sociedade, sustentando inclusive uma divida pública imensa que garante o luxo de especuladores da bolsa de valores, banqueiros e todo tipo de frequentador de paraísos fiscais. Funciona com muita objetividade, ajudando a gerar números espetaculares para o triunfo neoliberal, no qual 1% da população concentra 50% da riqueza do país. É um verdadeiro “case de sucesso!”

Os sonhos da juventude e de milhões de trabalhadores, operários, funcionários públicos, pequenos camponeses, microempreendedores não cabem no teto fiscal imposto pelo capital para bancar os passeios de iate ou as viagens de jatinho em pleno horário comercial entre taças de champagne em alguma cobertura de luxo. É preciso mudar as prioridades do Estado para garantir dignidade para a maioria do povo, e isso significa revogar a lei do teto de gastos, como também passar a taxar com impostos mais altos artigos de luxo, grandes fortunas e os bilionários no Brasil. Essa pequena reforma na estrutura fiscal do estado com o objetivo de fazer justiça social é um elemento importante do programa de transição imediato para o Brasil nesse momento histórico! Assim como o pagamento do piso também é! Inclusive as forças de esquerda se quiserem fazer alguma diferença precisam tratar essa meta programática com compromisso.

PT no Piauí e PSOL em Belém dão péssimos exemplos!

A maioria absoluta dos governos e prefeituras alinhadas com o bolsonarismo não respeitam a educação pública e seus profissionais. É parte da natureza política desse espectro ideológico, e não é nenhuma surpresa quando não cumprem a lei do piso e reprimem manifestações e greves. Agora é preciso observar que também existe por parte de governos e prefeituras dirigidas por forças que se reivindicam de esquerda, posturas de desrespeito com os direitos e com a luta da educação pública.

O prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, chegou a cortar o salário dos trabalhadores não docentes que estavam em greve. São merendeiras, porteiros, assistentes administrativos que estavam exigindo um salário mínimo de vencimento-base (R$ 1.212,00). Uma postura antissindical, se recusando a negociar caso a greve não fosse suspensa. Errou rude! O atual prefeito de Belém já foi deputado federal e sempre apoiou a luta e as greves dos trabalhadores da educação, assim como a militância do PSOL sempre está nas lutas da educação. A prefeitura precisa mudar radicalmente sua postura, priorizando a negociação com grevistas e atendendo suas reivindicações, mesmo que para isso tenhamos que fazer um debate nacional contra a legislação e seus mecanismos de ajuste fiscal.

O exemplo do governo do Piauí também é bastante grave. Com a licença do governador Welington Dias, assumiu Regina Sousa. Para nossa surpresa o tratamento que vem sendo dado a greve dos trabalhadores da educação do Piauí, que já passa de 100 dias, é desrespeitoso e inaceitável. Além de não abrir negociações para resolver o conflito, em decreto a governadora institui multa e outras punições aos grevistas e a Justiça bloqueou as contas bancárias do sindicato, numa atitude também antidemocrática, que ataca o direito de greve. O curioso é a grave contradição de Regina Sousa. A atual governadora do Piauí é uma mulher negra, ex-sindicalista, fundadora da CUT, de origem pobre, compais camponeses. A esquerda não pode resumir seu papel a ocupar espaços de representação política nas estruturas do Estado liberal burguês, para fazer o mesmo, ou quase o mesmo que os partidos da direita liberal já fazem em relação a classe trabalhadora e suas reivindicações. Esse limite que as organizações políticas da esquerda moderada querem impor a classe trabalhadora brasileira só poderá levar ao caminho da desmoralização política e a conservação da ordem capitalista.

Todas as lutas das trabalhadoras e trabalhadores devem ser traduzidas num programa de transição, que aponte um enfrentamento com os interesses do capitalismo e não para uma domesticação que aceite como natural os limites que a ordem neoliberal quer impor. É por esta razão que mesmo no interior da esquerda e acima dos acordos táticos momentâneos, é preciso defender a perspectiva socialista na luta ideológica. A esquerda brasileira não vai resolver as grandes contradições do sistema capitalista com uma estratégia que visa humanizar as forças mais animalescas e irracionais que se movem sem controle e em plena liberdade no tecido social contemporâneo.

*Membro da coordenação nacional da Travessia Coletivo Sindical e Popular.

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