Nesta terça-feira, 12, o ex-presidente Lula visitou a 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), em evento com milhares de indígenas que estão acampados em Brasília desde o dia 04, lutando em defesa de seus territórios e contra o PL 191/20, da mineração. Lula escutou falas das principais lideranças presentes e recebeu uma carta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), através da qual declaram apoio à sua candidatura e apresentam uma plataforma de reivindicações para um possível governo.
As lideranças destacaram a situação dramática dos povos e territórios durante o governo Bolsonaro, atacados em seus territórios por madeireiros e garimpeiros e ameaçados por um pacote da morte no Congresso Nacional. Muitas falas fizeram questão de destacar exemplos do genocídio. “Nós não aguentamos mais as dragas do garimpo ilegal sugando crianças, como aconteceu com os yanomamis”, afirmou Sonia Guajajara, da APIB. Diversas falas destacaram ainda o relatório divulgado nesta semana sobre a situação dos yanomanis, incluindo o abuso sexual contra jovens e mulheres indígenas pelos garimpeiros.
A decisão sobre a participação no processo eleitoral foi expressa em várias falas e na carta. “Não há espaço para nenhum tipo de neutralidade quando o assunto é a eleição presidencial. O embate que você enfrentará este ano, como representante de uma parcela da sociedade que não se cala diante das desigualdades, é contra a barbárie do capital, o ódio fascista e o racismo estrutural deste sistema. Bolsonaro representa o que há de mais repugnante na política brasileira. Sua permanência no governo é intolerável. O Brasil não pode titubear: é fundamental derrotar Bolsonaro e sua agenda de morte e destruição”, diz o manifesto.
Compromissos: Revogaço e Ministério
A carta-compromisso apresenta uma plataforma para a pré-candidatura. “Entendemos que o apoio à sua pré-candidatura deve vir acompanhado de um processo intenso de diálogo, elaboração de propostas e de compromissos políticos que resultem em um Programa de Governo coletivo”. Agrupadas em cinco eixos, as propostas incluem a defesa dos territórios indígenas, com “garantia de recursos suficientes para a identificação, delimitação, declaração, demarcação e homologação imediata de todas as Terras Indígenas, até o final de 2026” e a retirada de todos os invasores, e a interrupção da agenda anti-indígena no Congresso Nacional, formada pelos PLs 490/2007, do Marco Temporal; 191/2020, da mineração em terras indígenas; 6299/2002, o PL do Veneno; 2633/2020 e 510/2021, da grilagem de terras; entre outros. Lula elogiou e abraçou a plataforma. “Se o Aloisio Mercadante estava com a preocupação de fazer um programa indígena para o nosso governo, já está entregue o programa, com a declaração que vocês fizeram”, afirmou.
Também se comprometeu com uma proposta apresentada pela deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), de um Dia do Revogaço. “No seu primeiro dia, creio que assim vai ser, vai estar o dia do revogaço. Revogar todos os decretos presidenciais, atos normativos, portarias que estão manchando a vida dos povos indígenas. E nós vamos celebrar esse dia”, cobrou Wapichana, em compromisso assumido por Lula. “É preciso criar o dia do revogaço. Tudo o que for decreto, criando empecilho, terá que ser revogado imediatamente. A gente não pode permitir que aquilo que foi fruto da luta de vocês seja tirado por decreto”, anunciou Lula.
As lideranças indígenas anunciaram ainda que lançarão a iniciativa “Campanha Indígena”, buscando eleger uma Bancada do Cocar, ampliando a representação indígena no Congresso, para se opor à bancada ruralista. “Negros, indígenas, pobres, periféricos. É esse o Brasil que nós queremos. A cara da diversidade”, defendeu Sonia Guajajara, também pré-candidata a deputada federal, pelo PSOL.
Lula propôs a criar um Ministério específico no próximo governo. “Ora, se a gente criou o Ministério da Igualdade Racial, se a gente criou o dos Direitos Humanos, se a gente criou o Ministério da Pesca, por que que a gente não pode criar um ministério para discutir as questões indígenas?”, afirmou, destacando que teria que ser assumido por um(a) indígena.
A proposta vai de encontro a falas anteriores, que defendiam maior participação dos povos indígenas na política e apontavam para a presença em um possível governo. “Não podemos mais permitir de ficar a margem da construção, da condução desse país. Por muito tempo, nós não aceitamos conduzir a Funai. Mas agora é um novo tempo. Agora a gente quer sim. A gente quer a Presidência da Funai. A gente tem que assumir sim uma Funai que proteja direitos e respeite os povos. Nós queremos assumir também ministérios. Nós queremos ministérios”, afirmou Sonia Guajajara, minutos antes.
Belo Monte atravessada na garganta
Nem tudo foram flores no encontro. As lideranças fizeram questão de lembrar o conflito com os governos petistas durante a construção da usina de Belo Monte, inaugurada em 2016. Após declarar o apoio à pré-candidatura, Sonia Guajajara fez questão de lembrar da obra. “Nós estamos aqui prontos, estamos aqui prontas, para que não haja mais Belo Monte no seu governo, presidente Lula. Não precisamos de mais Belo Monte. Não precisamos de Belo Sun, que vai extrair o ouro do nosso território. Não precisamos destas hidroelétricas. O que nós queremos é o nosso território, o nosso modo de vida, respeitado, protegido”, afirmou.
A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu, foi um grande ataque aos povos indígenas e ao meio ambiente, por alagar grande parte da região de floresta e afetar diretamente o meio ambiente da região e a vida dos povos da região e de pescadores afetados pela barragem que, em 2013, chegaram a ocupar o canteiro de obras. A obra e a repercussão custaram a ruptura de ambientalistas e de lideranças indígenas com os governos petistas – o projeto avançou no segundo governo Lula e a primeira turbina começou a operar no governo de Dilma Rousseff.
Na época, Sonia Guajajara foi uma das principais vozes a denunciar a obra, inclusive liderando uma campanha internacional e denunciando o governo em eventos da ONU. Em entrevista à revista Jacobin, Sonia lembra como foi a postura dos governos petistas durante a obra: “No começo, nós tínhamos uma garantia do governo de que eles não iriam simplesmente seguir em frente com Belo Monte, que eles iriam nos consultar. Mas depois era ‘ou vai acontecer, ou vai acontecer’ – não havia outra opção. Era um projeto visto como muito importante para o país, para a nação, e eles não podiam voltar atrás. Era, de certa forma, ‘bom, vocês não importam. Sejam lá quais forem as consequências, nós vamos seguir em frente’.”
Novos embates
Lula não se pronunciou sobre Belo Monte. Fez referência apenas ao episódio da Reserva Raposa do Sol, outro grande conflito durante os seus governos, no qual os povos indígenas saíram vitoriosos e garantiram seu território. Sobre o passado, afirmou que “certamente, os governos do PT não fizeram tudo o que deveriam ter feito, mas certamente ninguém fez mais do que nós fizemos nas nossas relações com os povos indígenas”. A mea culpa ignora o que foi feito contra os povos indígenas, como o caso de Belo Monte.
O encontro, que marca uma importante decisão dos povos indígenas de participar ativamente do processo eleitoral deste ano e fortalecer a luta para derrotar Bolsonaro, também parece antecipar um novo período na relação entre dos movimentos indígenas com o PT, caso Lula se eleja. Mais fortalecidos pela luta de resistência ao governo Bolsonaro, a APIB e os povos indígenas afirmam e buscam a ampliação de seu protagonismo político e institucional. Podem ter pela frente novos embates em um possível governo petista, que, ao mesmo tempo em que abraça e assume as pautas indígenas, se compromete com o grande capital, em uma aliança expressa na figura de Geraldo Alckmin, o que aponta para a repetição de um modelo desenvolvimentista que vigorou nos governos anteriores, apoiado no agronegócio, na mineração e na economia baseada em commodities, e que se choca diretamente com as lutas indígenas e ambientais.
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