Até bem pouco tempo, as únicas marcas de bicicleta conhecidas no Brasil eram Caloi e Monark. Era um tempo em que a Brahma rivalizava com a Antártica na cerveja e absorvente era modess. Eram tempos bicudos. Vivíamos a Ditadura Militar, que iniciava a transição “lenta, gradual e segura” à democracia. Foi em 1974 que ganhei uma bicicleta de Papai Noel. Aquela Monark me fez acreditar por mais alguns anos no bom velhinho, me levando a desenvolver bons argumentos sobre o assunto, partindo da tese que que meus pais não tinham dinheiro para me dar presente tão caro.
40 anos depois, Monark volta a pauta nacional.
40 anos depois, Monark volta a pauta nacional. Não a bicicleta, mas o apresentador do podcast Flow, chamado Bruno Aiub, que atende pela alcunha de Monark. Na última segunda Aiub defendeu a legalização de um partido nazista no Brasil ao lado dos deputados Tabata Amaral, que de modo pouco enfático discordou da tese, e Kim Kataguiri, que arguiu no mesmo sentido do apresentador, ao dizer que se o partido comunista era legal, não parecia haver problema em legalizar um partido nazista.
A entrevista no podcast, que também era transmitida para milhares de pessoas no YouTube, fugiu a qualquer parâmetro do bom senso e passou a ser considerado pela PGR e diversos especialistas como sendo de apologia ao nazismo, portanto crime. Tabata Amaral assumiu o risco de participar de um programa apresentado por figuras assumidamente de direita (na verdade, de extrema direita), sentada ao lado de um dirigente do MBL e de um YouTuber conhecido por polêmicas, digamos, politicamente incorretas (ano passado Monark defendeu que uma pessoa podia ser racista, se assim desejasse).
Em 2018, quando era apenas uma celebridade conhecida por disseminar ódio antipetista nas redes e nas ruas, Kataguiri foi deixado sozinho no estúdio da Rádio Guaíba, em Porto Alegre, quando a filósofa Marcia Tiburi abandonou o programa ao saber que o líder do MBL havia sido convidado para o mesmo espaço. Tabata não apenas não seguiu o bom exemplo de Tiburi, como posou sorridente para foto após o programa.
Há um ditado alemão que diz que se dez pessoas estão numa mesa e um nazista se senta sem que ninguém se levante, então existem onze nazistas à mesa. Ao que se sabe, Tabata Amaral não é nazista. A defesa feita por Monark e Kataguiri da existência de um partido nazista, contudo, certamente configura apologia ao nazismo. Absurdo mesmo é a naturalização do debate sobre o assunto, seja porque gente de má fé e/ou desinformada equiparam o nazismo ao comunismo, seja porque temos um agitador fascista na presidência. O momento é grave e pede providências.
Frente ao descalabro, lembro do tempo em que andava na minha Monark. Aqueles tempos, apesar dos militares, quase pareciam inocentes comparados a estes em que somos desafiados pelo absurdo, pelo abjeto e pelo desumano que nos ameaça.
*Artigo publicado no jornal A Tarde, de Salvador (BA), em 11/02/2022.
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