A COP26 se encerrou dia 12, em Glasgow, na Escócia. Todos os países devem enviar sua representação a uma série de encontros, com o objetivo de chegar a um acordo sobre a limitação e redução nas emissões de gases do efeito estufa, evitando o superaquecimento do planeta e danos irreversíveis ao meio ambiente e a todas as formas de vida pelo planeta.
Mantidas as atuais condições, o mundo deve aquecer ao menos 2,7ºC até o fim do século – isso se os Estados honrarem todos os compromissos já firmados. Hoje, eles “parecem estar a anos-luz de atingir suas metas climáticas”, segundo António Guterres, secretário-geral da ONU.
Ainda que os compromissos sejam cumpridos, as emissões globais de dióxido de carbono devem aumentar em 1,5 de toneladas neste ano. Trata-se do segundo volume de crescimento mais alto da história, revertendo o declínio causado pela pandemia em 2020. Em comparação a 2010, essa taxa deve aumentar 16% em 2030.
A Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 1992 estabeleceu os marcos para a cooperação internacional na área climática. De acordo com a ONU, as prioridades da COP26 são: (i) impedir que a temperatura da Terra aumente mais de 1,5º, através de “cortes rápidos e ambiciosos” e de compromissos de zerar as emissões líquidas de gases estufa; (ii) aumentar o financiamento internacional de combate e adaptação para pelo menos metade de todo o dinheiro gasto com ações climáticas; (iii) cumprir o acordo de fornecer US$100 bilhões para países em desenvolvimento investirem em tecnologias verdes e em proteção de vidas e do meio ambiente contra os impactos das mudanças climáticas. A realidade é que, considerando os projetos dos atuais governos pelo mundo, mesmo essas modestas metas prioritárias não devem ser acordadas pelos representantes em Glasgow, muito menos cumpridas pelos governos.
Não há mais argumentos científicos plausíveis que contestem o fato de que a atividade humana tem profundo impacto no clima. A enfraquecida turma dos negacionistas foi silenciada, ao menos na grande imprensa, pelas irrefutáveis e crescentes evidências de que a produção industrial, a geração de energia e o transporte baseados em combustíveis fósseis estão gerando aumento das emissões de carbono e outros gases estufa e que essa é a causa do aquecimento global. Além disso, o aumento da temperatura desde as revoluções industriais do século XIX se intensificaram a níveis que estão destruindo o planeta.
Por outro lado, não é tão difundido que esse iminente (e já iniciado) desastre ainda poderia ser evitado e revertido sem custos significativos aos governos. Na verdade, o último relatório do Panorama Energético Mundial Agência Internacional de Energia (IEA) mostra, com riqueza de detalhes, que a humanidade já sabe o que precisa ser feito e a custos razoáveis. Mas não há vontade política dos governos, com interesses vinculados à indústria do petróleo, aos setores de transporte e às demandas dos capitalistas financeiros e industriais como um todo para preservar seus lucros em detrimento das necessidades sociais.
Emissão Global de GHG ou Emissão Global dos gases do efeito estufa
Já existe uma lacuna enorme entre o que é necessário fazer e os compromissos que os governos devem assumir na COP. O Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC) estima que limitar o aumento da temperatura média global em 1,5º C exigiria uma redução de 45% nas emissões de CO2 até 2030, enquanto para frear o avanço em 2ºC até o mesmo ano exigiria diminuir em 25% as emissões. Apesar disso, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) apresentadas por 113 países implicariam a redução em apenas 12% das emissões.
Os governos ao redor do mundo planejam produzir mais que o dobro da quantidade de combustíveis fósseis em 2030 do que o necessário para limitar em 1,5ºC o aquecimento global. As projeções apontam para um aumento da extração mundial de petróleo e gás nas próximas duas décadas. A produção de carvão deve ter apenas uma modesta redução, chegando a 240% acima do que seria necessário para impedir a ultrapassagem da marca de 1,5ºC. A produção de petróleo deve estar 57% acima desse nível e a de gás, 71%.
Na verdade, os países do G20 destinaram em torno de US$300 bilhões a novos fundos relacionados a combustíveis fósseis desde o início da pandemia da Covid-19 – mais do que o investido em energia limpa. De acordo com a Agência Internacional de Energia, apenas 2% dos gastos governamentais com programas de recuperação e reconstrução (“build back better”) foram direcionados a fontes de energia limpas. Paralelamente, a produção de carvão, petróleo e gás foi subsidiada em US$5,9 trilhões apenas em 2020.
Compromissos acumulados de dinheiro público (em bilhões de dólares)
Que países são culpados por não fazer nada para evitar o desastre ambiental? A China é normalmente escolhida como a vilã da história. Atualmente, o país é de longe o maior emissor de dióxido de carbono e já prevê a construção de 43 novas usinas de carvão, além das 1.000 que estão em funcionamento. Mas o gigante asiático tem algumas desculpas. Sua população é a maior do mundo, de modo que o índice de emissões per capita é muito menor do que a maior parte das outras grandes economias (ainda que o que conte seja a massa total). Além disso, é o centro industrial do mundo, fornecendo bens para todos os países do Norte Global. Assim, suas emissões seriam enormes devido à demanda global pelos seus produtos.
Também é preciso considerar que, historicamente, as emissões acumuladas nos últimos 100 anos vêm dos países ricos, industrializados há mais tempo e hoje grandes consumidores de energia. Há uma relação direta e linear entre o total de CO2 liberado pela atividade humana e o nível de aquecimento da superfície terrestre. O momento em que uma tonelada de dióxido de carbono é emitida tem impacto limitado na quantidade de aquecimento que acabará por causar. Isto significa que as moléculas de CO2 lançadas há centenas de anos na atmosfera continuam a contribuir para o aumento da temperatura terrestre e que o aquecimento atual é determinado pelo total cumulativo de emissões ao longo do tempo.
Crescimento das emissões de CO2
No total, a humanidade emitiu em torno de 2,5 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera desde 1850, deixando menos de 500 bilhões de toneladas de orçamento de carbono para impedir que o planeta aqueça mais de 1,5ºC. Isso significa que, enquanto ocorre a COP 26, o mundo terá consumido em torno de 86% do orçamento de carbono para se manter em uma probabilidade de 50% de aquecer menos de 1,5ºC e de 89% para elevar essa chance a dois terços. Mais da metade das emissões de CO2 desde 1751 ocorreu nos últimos 30 anos.
Emissão anual de CO2
No ranking histórico, os EUA estão em primeiro lugar, com 20% das emissões mundiais totais de CO2 desde 1850 (509 bilhões de toneladas). A China está num relativamente distante segundo lugar, com 11%, seguida por Rússia (7%), Brasil (5%) e Indonésia (4%). Os últimos dois países estão entre os 10 maiores emissores históricos devido à liberação ocasionada pelo uso da terra.
Emissões acumuladas pelos países entre 1850-2021
Os maiores emissores e consumidores de carbono, além da indústria dos combustíveis fósseis, são as pessoas mais ricas do Norte Global, que consomem excessivamente e viajam de avião para todos os lugares. E também os militares, setor que mais consome carbono. Depois, há o desperdício na produção e consumo capitalistas de carros, aviões, navios, produtos químicos, garrafas de água, comida processada, remédios desnecessários. Processos industriais danosos, como agricultura industrializada, pesca, extração de madeira e mineração, também são grandes emissores. Enquanto isso, o setor bancário atua para promover e sustentar todas essas práticas.
Os EUA faz muito pouco para controlar e reduzir ou controlar a indústria de combustíveis fósseis. Ao contrário, a produção de petróleo cru e gás estão aumentando rapidamente e a exploração, expandindo. O governo Biden recentemente anunciou planos para abrir milhões de acres para esse setor. Isso poderia resultar na produção de até 1,1 bilhão de barris de petróleo cru e 4,4 toneladas de metros cúbicos de gás. Aparentemente, a maior potência mundial não se embaraça com seu lugar de maior emissor global e produtor de petróleo, afirmando-se hoje como liderança climática.
Na verdade, os maiores produtores de petróleo e gás planejam aumentar a extração pelo menos até 2030, enquanto muitos grandes produtores de carvão preveem continuidade ou aumento na produção.
Planejamento da extração de petróleo e gás até 2030 (por países produtores)
Não é difícil entender porque os produtores e consumidores de combustíveis fósseis, como Arábia Saudita, Japão e Austrália, estão entre os que pedem à ONU para diminuir a pressão por uma transição energética rápida ou pela diminuição do financiamento para a geração de energia limpa nos países pobres. A China pode ser o maior poluidor do mundo, mas está prometendo atingir o pico de suas emissões de carbono antes de 2030 e a zerá-las até 2060;. E já é liderança em energia renovável sendo responsável por cerca de 50% do crescimento da capacidade mundial 2020. A nação mais populosa do mundo também está à frente no desenvolvimento de tecnologias ecológicas essenciais, como veículos elétricos e energia solar.
Uma análise de 40 setores econômicos pelo World Resources Institute [https://www.wri.org/research/state-climate-action-2021], incluindo geração de energia, indústria pesada, agricultura, transporte, finanças e tecnologia, mostrou que em nenhum deles está mudando suficientemente rápido para evitar que o mundo supere a marca de 1,5ºC acima do período pré-industrial.
E, no entanto, o custo da eliminação progressiva da produção de combustíveis fósseis e da expansão das energias renováveis não é grande. A descarbonização da economia mundial é técnica e financeiramente viável. Seria necessário destinar aproximadamente 2,5% do PIB global por ano para investimentos em áreas que melhorariam os padrões de eficiência energética em todos os setores (edifícios, automóveis, sistemas de transporte, processos de produção industrial) e expandir maciçamente a disponibilidade de fontes de energia limpa para zerar as emissões até 2050. A AIE calcula que o custo anual aumentou para 4 bilhões de dólares por ano devido ao fracasso em investir nessas áreas desde a COP de Paris, há cinco anos. Mas continua sendo nada comparado à perda de renda, emprego e condições de vida para milhões de pessoas das gerações futuras.
No entanto, isso não vai acontecer porque, para a mudança ser realmente eficaz, a indústria de combustíveis fósseis teria que ser gradualmente eliminada e substituída por fontes de energia limpa. Os trabalhadores que dependem da produção de combustíveis fósseis para sua subsistência teriam que ser requalificados e direcionados para indústrias e serviços ambientalmente adequados. Isso requer investimento público significativo e planejamento em escala global.
Essa coordenação poderia orientar os investimentos em coisas que a sociedade realmente precisa, como energia renovável, agricultura orgânica, transporte, sistemas públicos de água, remediação ecológica, saúde, escolas de qualidade e outras que atualmente não são atendidas. E poderia equalizar o desenvolvimento em todo o mundo, desviando recursos da produção inútil e prejudicial no Norte e para o desenvolvimento do Sul, construindo infraestrutura básica, sistemas de saneamento, escolas públicas, assistência médica. Ao mesmo tempo, um plano global poderia realocar trabalhadores deslocados pela redução ou fechamento de indústrias desnecessárias ou prejudiciais ao meio ambiente.
Para que isso ocorresse seria necessário, em primeiro lugar, tornar públicas e sob o controle democrático da população as empresas de combustíveis fósseis por todo o mundo. A produção energética precisa ser integrada a um plano global para reduzir as emissões e expandir a tecnologia superior de energia renovável. Isto significa construir uma capacidade de energia renovável 10 vezes maior do que a atual base de serviços públicos, o que só é possível através de investimentos públicos planejados que transfiram os empregos de empresas de combustíveis fósseis para empresas de tecnologia verde e ambiental.
Nada disso está na agenda da COP26.
*Publicado originalmente no blog The next recession
*A tradução para o português foi cotejada com a versão em espanhol publicada pelo site Sin Permiso
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