Está marcado para ser votado hoje na Câmara Municipal de Belém o Projeto de Lei Complementar n° 01/2020, o qual visa permitir a implementação de comércios de tipo varejista, atacadista e depósitos nas áreas de orla da Zona de Ambiente Urbano 5 (ZAU 5) de nossa cidade. Para isso, o projeto busca alterar a Lei Complementar de Controle Urbanístico (LCCU) e o Plano Diretor do Município de Belém. O objetivo é um só: liberar a orla de Belém para a implantação dos atacadões.
O projeto tramitou no ano passado na Câmara, mas foi vetado pelo então prefeito, Zenaldo Coutinho (PSDB), por orientação da SEURB (Secretaria Municipal de Urbanismo), a qual demonstrou que tanto a LCCU, quanto o Plano diretor visam a ocupação ordenada do espaço urbano de Belém, e estabelecem tanto a orla do Rio Guamá, quanto a da Baía do Guajará, como áreas prioritárias para operação urbana, com intuito de recuperação paisagística e urbanística.
A Secretaria constatou também que o projeto vai diretamente de encontro com aquilo que foi estabelecido no Plano Diretor de Belém, em especial o art. 92, §2° da referida lei, o qual dispõe:
Art. 92 A Zona do Ambiente Urbano 5 (ZAU 5) caracteriza-se pelo uso predominantemente residencial, com alta densidade populacional, ocupação de comércio e serviço nos principais eixos viários, edificações térreas ou de dois pavimentos, carência de infra-estrutura e equipamentos públicos, alta incidência de ocupação precária, núcleos habitacionais de baixa renda e risco de alagamento.
§2°. São diretrizes da ZAU 5:
I – implantar mecanismos para a promoção da regularização fundiária;
II – consolidar e ampliar a infra-estrutura;
III – controlar o processo de adensamento construtivo;
IV – estimular atividades de comércio e serviço;
V – ordenar as concentrações de comércio e serviço ao longo das principais vias de circulação;
VI – requalificar as áreas de urbanização precária, com prioridade para a melhoria do saneamento básico, das condições de moradia e das condições de acessibilidade e mobilidade;
VII – dotar de infra-estrutura os espaços públicos de uso coletivo.
Para além disso, a SEURB destaca que tanto as orlas do Rio Guamá, da Baía do Guajará e do Rio Maguari fazem parte da Zona Especial de Interesse Ambiental do Ambiente Urbano, que tem em suas diretrizes o resgate da orla fluvial, com o intuito de proteger e preservar o meio ambiente.
Todavia, a boa legislação e racionalidade não parecem ser os guias dos vereadores de Belém, os quais talvez se movam por outros interesses menos nobres. Resolveram então, pautar o veto do antigo prefeito e querem liberar os atacadões na nossa orla. Para explicitar ao leitor, o espaço da orla da ZAU 5 compreende toda a margem dos bairros do Guamá, Condor e Jurunas (da UFPA até o Mangal das Garças), assim como a margem dos bairros do Umarizal, Telégrafo, Barreiro e Miramar (espaço que compreende do Complexo Ver o Rio até o Terminal Petroquímico de Miramar).
Essa vedação para o estabelecimento de novos empreendimentos do tipo varejista, atacadista e depósitos existe uma razão de existir: são áreas predominantemente residenciais, habitadas por famílias de baixa renda, com alta densidade populacional e com falta de serviços básicos como o de saneamento. Dessa maneira, a intervenção estatal deveria ter por objetivo justamente atuar para a resolução dos problemas que já são a realidade vivida por aquela população, em especial os de moradia, infra-estrutura e saneamento. Entretanto, parece que o interesse da Câmara Municipal é de criar novos percalços para os moradores da área.
Outro elemento, é que desde a colonização dessas terras, a orla de Belém possui uma dinâmica própria de sua ocupação e enquanto espaço geográfico. É possível observar até hoje, a existência de uma economia tradicional ribeirinha, com o açaí e outros gêneros alimentícios que chegam das ilhas e dos interiores para serem comercializados na capital. Há ocupação histórica de área portuária, tanto para o transporte de passageiros, quanto para o de mercadorias. Há também, uso econômico dessa região, tanto por empresas que necessitam do meio fluvial, ou para o setor cultural e gastronômico, visto as diversas casas de show e restaurantes que aproveitam a vista do rio para os seus clientes. Sem falar no uso para o lazer da população, como no espaço do Portal da Amazônia.
Uma outra questão que se coloca é a própria recuperação do meio ambiente nesses locais. As margens de Belém são constantemente alagadas no período das chuvas e também sofrem com a erosão e desgaste provocado pelas águas. A intervenção do Município deve ser para inclusive recuperar parte dessas áreas degradadas e estimular empreendimento e uma ocupação do espaço que vise estabelecer uma conexão equilibrada com o meio ambiente, buscando uma utilização sustentável do ser humano naquele local.
Sabe-se também que há um imenso interesse do setor imobiliário de explorar essas regiões, aproveitando a belíssima vista que os prédios teriam, em troca do barramento do vento para a cidade, formando um paredão de concreto e transformando Belém em uma enorme ilha de calor e a vida dos seus habitantes em um verdadeiro inferno diário.
Não é possível pensar uma cidade para o futuro que não estabeleça uma ocupação ordenada e racional de nossas áreas de orla. As margens de Belém não são, nem de longe, um espaço vazio. Toda essa região já é ocupada por dezenas de milhares de habitantes e possui sua economia e atividades próprias. Imensos depósitos e atacadões não irão melhorar a situação desses belenenses, pelo contrário, agravarão os seus problemas, causarão um desarranjo para a dinâmica econômica local, além de causar novos impactos ao meio ambiente.
O poder público deve se orientar para promover um desenvolvimento sustentável da orla da cidade. Recuperando os trapiches públicos, há anos abandonados, para o uso de ribeirinhos e da população tradicional amazônica. Deve revitalizar os logradouros públicos, investindo no potencial de lazer e turístico de ambas as áreas, e estimular o uso sustentável pelos empreendimentos privados, privilegiando negócio de menor porte, que causem menos impactos e que se integrem com a paisagem da cidade, como já é feito por diversos restaurantes, construídos em madeira, no modelo das tradicionais palafitas, os quais vendem deliciosas douradas para a população de Belém.
Há ainda alguns defensores do projeto. O principal argumento é de que a instalação desses empreendimentos geraria impactos positivos para a economia. Para estes, vale ressaltar que não estamos contrários a instalação de desses empreendimentos em nossa cidade, mas que busquem outros espaços que não sejam a orla do Rio Guamá, ou da Baía do Guajará. Há muitos outros terrenos em Belém que podem ser utilizados para este fim, os quais já estão previstos no próprio Plano Diretor do Município.
Por fim, necessário dizer que a ocupação do solo da cidade deve ser feita de maneira racional e planejada, visando o desenvolvimento social, econômico e em equilíbrio com o meio ambiente urbano. A cidade deve estar a serviço de seu povo, e não de um punhado de comerciantes que controlam algumas dezenas de vereadores.
Não ao PL dos Atacadões!
Pela manutenção do veto da prefeitura!
Em defesa da orla de Belém!
Todos ao ato às 8h na Câmara Municipal de Belém!
*Luiz Henrique Arias é bacharel em Direito formado pela UFPA e da Coordenação Nacional do Afronte!
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