Neste domingo, 6 de junho, os eleitores peruanos compareceram em massa ao 2º turno das eleições presidenciais. Votaram mais de 18,7 milhões de eleitores que significa em torno de 75% do eleitorado. As eleições ocorreram normalmente em todos o país de forma bem organizada, de fácil acesso e com um sistema de contagem eficaz que obrigou até mesmo a missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) a reconhecer publicamente a exemplaridade do processo.
Desde terça-feira, 9 de junho, já se conhecem os resultados matemáticos da votação nos candidatos, que mostram a irreversível vitória do professor Pedro Castillo (Peru Libre), candidato da esquerda, que se unificou de forma histórica no 2º turno.
Ainda assim, aguardou-se a totalização com os votos do exterior que davam larga vantagem à candidata da direita – fora do país a proporção foi de 2 x 1 para ela. Mas a apuração total, somando os votos do território peruano e do exterior, já foi concluída e neste dia 10 de junho, Castillo alcançou 71.455 votos de vantagem. Dentro do Peru a diferença foi mais de 172 mil votos. No último boletim oficial (10/06 às 10h18 do Peru), o professor havia fechado em 8.792.088 (50,2%) e a filha do ditador totalizou em 8.720.633 (49.79%).
Não satisfeita com o resultado, a direita fujimorista, igualmente a 2016 quando perdeu por 41 mil votos, passa a apostar nos recursos perante o JNE (o Tribunal Eleitoral) para empantanar o resultado e gerar instabilidade e crise de confiança no final do processo, buscando anular as atas de apuração de 802 mesas de votação. Por outro lado, no Congresso a direita prepara um golpe de mudança dos poderes do presidente, que buscará retirar prerrogativas constitucionais da Presidência, antes da posse dos novos deputados.
Houve forte polarização na campanha, com uma máquina subterrânea e neofascista de fake news contra Pedro Castillo e o Partido Peru Livre, tentando associa-los à guerrilha do Sendero Luminoso, que sequer existe mais no país, e ao fantasma do comunismo, que supostamente iria tomar as casas, as posses pessoais da população e a aposentadoria do povo, disseminando a cultura do ódio e do medo.
Além disso, a campanha de Castillo enfrentou o grande poderio econômico dos grandes grupos capitalistas e a grande mídia empresarial que foram cabo eleitoral do fujimorismo, confrontando-se com toda sordidez de mentiras difundidas por redes sociais e por outdoors com mensagens subliminares ideológicas falsamente atribuídas ao “comunismo”.
Keiko Fujimori, filha do ex-ditador, foi a “primeira dama” oficial do regime de terror do seu pai, entre 1990 e 2000, substituindo sua própria mãe nesta função e sob acusações de cumplicidade de tortura contra a genitora. Posteriormente foi presa três vezes por corrupção e ela mesma tem sentença pendente de cumprimento por corrupção relacionadas com a Odebrecht que somam até 30 anos de condenação, que somente poderão ser suspensas se eleita. Além disso, estimulou o negacionismo em relação à pandemia e à negação da eficácia da vacina, capaz de defender através de um de seus assessores, que se não houver água para lavar as mãos em casa as pessoas deveriam “lavar as mãos com saliva”.
O fujimorismo é uma espécie de bolsonarismo peruano mais profundo, atua com métodos muito semelhantes com discurso público falso-moralista, negacionismo em relação à pandemia e à ciência, agitações de preconceitos e mentiras públicas, mas que na vida real mantém relações com o crime organizado, cumplicidade com a tortura e os desaparecimentos que houve durante o regime do pai, ataques aos direitos humanos com destaque para esterilização forçada de mulheres pobres e indígenas, além dos ataques profundos aos direitos sociais e dos trabalhadores e às populações indígenas, agregando-se vários escândalos de corrupção que envolveu toda a família.
O processo eleitoral do Peru, novamente traz à tona, mais uma vez, lições estratégicas para todos os movimentos sociais e dos trabalhadores e de todos segmentos subalternizados da América Latina que alcançam vitórias eleitorais, nos marcos do Estado liberal-capitalista. Sem um forte e enraizado processo de mobilização e auto-organização popular vitórias importantes podem preparar derrotas históricas.
Nos parece que esse é o grande desafio de Peru Livre, Juntos por Peru e demais organizações políticas e sindicais dos movimentos vinculados aos movimentos das classes e setores explorados e oprimidos pelo grande capital, por seu sistema social e regime político. Para que se garanta o resultado das urnas e que se proclame vitorioso, Castillo necessariamente deverá buscar prioritariamente a mobilização e organização social.
Ainda mais após sua posse e montagem da equipe de governo. Sem multiplicar a confiança nas lutas sociais, rapidamente um governo desse perfil poderá se tornar refém da institucionalidade carcomida do Estado peruano que tem no Congresso, nos grupos capitalistas nacionais e estrangeiros, na grande mídia empresarial e nas relações com o imperialismo seus grandes tentáculos de sustentação. A convocatória urgente e imediata da Assembleia Constituinte, livre, soberana, exclusiva e paritária, será um bom começo.
*Cientista político e integrante da editoria Mundo.
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