Esta semana a Câmara aprovou o PL 5595/2020 que inclui a educação como “atividade essencial”. Como professor, eu devia estar feliz, porque acho que não há nada que seja mais importante na trajetória civilizacional de um país do que formar os jovens por meio do conhecimento, para o exercício pleno da cidadania. Entretanto o PL aprovado contém um ardil que é o de impor aos governos e prefeituras a obrigação de abrirem as escolas em meio à pandemia, entre outros absurdos.
Sem que os nossos governantes e legisladores estejam efetivamente reconhecendo a educação como tema essencial, ainda que repitam a ladainha de que a escola devia ser a última a fechar e ser a primeira a abrir, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo, em entrevista à CNN falou: “É absurdo a forma como estamos permitindo que os professores causem tantos danos às nossas crianças na continuidade da sua formação. O professor não que se modernizar, não quer se atualizar. Já passou no concurso, está esperando se aposentar, não quer aprender mais nada”.
Para quem não sabe, Ricardo Barros, que é médico, foi ministro de Temer e volta e meia é cotado para reassumir a pasta da Saúde na gestão de Bolsonaro por conta do alinhamento completo com o governo. Tendo se destacado por minimizar a pandemia e tentar barrar todas as investigações sobre o tema no Congresso, Barros voltou à pauta por essa declaração inclassificável.
Como professor de uma universidade pública, sou testemunha da carga de trabalho escorchante, que cresceu bastante desde o início da pandemia, muito especialmente quando o ensino remoto passou a ser oferecido. Mas é na educação básica que estão as maiores dificuldades. Na condição de marido de uma professora que todos os dias acorda às 5h da manhã para estar pronta para acessar a sala de aula às 7h, como alguém que vê a mulher trabalhar de segunda à sexta entre 7h e 12h30 na rede privada, dando aulas a crianças de 11 e 12 anos, e ainda se dedicar à rede pública no turno oposto, a declaração de Barros é um acinte.
O trabalho dos docentes durante a pandemia vai muito além das horas dedicadas diretamente aos alunos. Todo professor sabe que é preciso preparar aulas através de vários dispositivos, participar de reuniões e resolver inúmeros problemas que chegam pelos aplicativos de mensagens, corrigir provas e trabalhos infinitos, o que implica em estarem disponíveis e trabalhando de 14h a 16h por dia, inclusive nos fins de semana e feriados.
Há um ano os educadores do país foram obrigados a aprender a usar novas ferramentas de ensino, a adaptar linguagens e criar as condições em suas residências para atender às necessidades da educação remota. Nenhum docente se acomodou ou se negou a trabalhar e se dependesse deles nenhuma criança estaria desassistida. Por isso dirijo-me à Ricardo Barros exigindo respeito e que lave a sua boca suja ao se referir aos docentes.
*Texto publicado originalmente no jornal A Tarde (BA)
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