Em um período que não consigo precisar em termos de anos ou décadas observam-se mudanças substanciais no conjunto de reivindicações apresentadas pelos representantes daqueles que têm em algum grau o exercício de sua cidadania limitada.
Às demandas por direitos mais básicos como saúde, Educação, moradia e trabalho digno foram acrescentadas, e que bom, igualdade de gênero, representatividade étnico racial e tantas outras lutas que se colocam como relevantes e mobilizantes de pessoas, organizações e movimentos.
A relevância, ainda que em graus distintos, de tais pautas está mais do que comprovada por um conjunto de argumentos. O que mais me chama atenção neles é o que coloca as questões de sexo, raça e orientação sexual como balizadores para um acesso maior ou menor aos direitos básicos acima mencionados.
A força deste argumento é demonstrada em exemplos simples e de fácil observação na sociedade brasileira. Na sua ampla maioria, a vida dos negros, das mulheres e daqueles que escapam ao que ficou conhecido como heteronormatividade é mais difícil. É um dado inegável.
Este fato, o de que o somatório de enquadramentos em segmentos que sofrem opressão potencializam as dificuldades de acesso a direitos básicos, ao ser entendido por militantes e por cidadãos minimamente conscientes tem o potencial de agregar às bandeiras historicamente empunhadas pela classe trabalhadora estes “novos” e importantes elementos. Isso não diminui a centralidade do debate de classe, pelo contrário, creio que a amplia. Ao mesmo tempo permite a necessária revisão e atualização de posturas individuais e coletivos dentro dos movimentos com relação ao machismo, ao racismo e a homofobia.
No entanto, no afã da ascensão das pautas de opressão, temos assistido alguns setores caindo numa armadilha perigosa e com grande potencial de nos dividir.
Ao reconhecer que um homem branco e pobre tem mais chances de uma vida digna do que uma mulher negra e pobre, por exemplo, cultivou-se o costume de dizer que o primeiro seria um privilegiado. É inquestionável que as dificuldades serão muito maiores para a mulher negra. Mas em que consistiriam estes privilégios? Não ser morto? Não sofrer racismo? Não ter a todo tempo sua competência questionada pela cor da sua pele ou seu gênero?
É isto que estamos chamando de privilégio? Nos interessa um mundo pleno de direitos para todas e todos ou nos interessa apostar na disputa da escassez? Em certo sentido, não encontramos nesta aposta uma aproximação com o que repudiamos na retórica e nas práticas neoliberais?
Se tudo virar privilégio, nada mais será direito.
*Mendel Aleluia é Mestre em Geografia e Professor do Instituto Federal Fluminense.
**O conteúdo reflete a opinião do autor e não necessariamente a do Esquerda Online. Somos um portal aberto às polêmicas e debates da esquerda socialista.
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