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BRASIL

Um ano de pandemia no ES: colapso do sistema hospitalar, “quarentena” branda e a urgência da renda emergencial

Vinicius Machado, Camilla Paulino e Alessandro Carvalho, da Resistência/PSOL ES
Divulgação / Secom ES

Hospital Estadual de Urgência e Emergência “São Lucas”

O colapso do sistema hospitalar e a “quarentena” branda

O ano de 2020 demonstrou uma trágica situação política no Espírito Santo. Apesar de ter havido a histórica vitória na candidatura de Camilla Valadão (PSOL) para o cargo de vereadora, a esquerda foi derrotada em diversos municípios, inclusive na capital, Vitória, onde foi eleito Lorenzo Pazolini (Republicanos), um bolsonarista apoiado pela ministra Damares. A Região Metropolitana como um todo demonstrou um forte alinhamento à direita nas prefeituras, o que significou também um terrível atraso nos combates à pandemia a nível municipal.

Passado pouco mais de um ano após o primeiro caso de Covid-19, o Espírito Santo entrou no pior momento da pandemia. No dia 16/03 o estado atingiu a marca de 348.970 casos da Covid-19, com a perda de 6.783 vidas e uma taxa de ocupação dos leitos de UTI em 91%, indicando o colapso do sistema hospitalar público e privado, assim como ocorre em todo território nacional. Diante dessa situação, o governador Renato Casagrande (PSB) anunciou medidas restritivas para os próximos 14 dias, visando reduzir a transmissão do vírus. Além de escolas e comércio, estão proibidas reuniões que não sejam de pessoas do mesmo núcleo familiar, eventos sociais, utilização de espaços públicos como praças, parques, jardins, campos de futebol, quadras, clubes de serviço e lazer, academias e qualquer atividade esportiva de caráter coletivo. Curiosamente, porém, igrejas estão isentas de restrições e os cultos religiosos são considerados essenciais, revelando uma concordância com aglomerações motivadas por religiões. Trata-se, de acordo com o governador, de uma quarentena, e não de um lockdown, pois não há restrição de circulação de pessoas.


Governador anuncia medidas. Foto: Hélio Filho / Secom ES

A iniciativa do governo estadual foi acertada, mas insuficiente. É preciso que as medidas sejam mais rígidas e não sejam mera “quarentena” branda, tal como está sendo anunciado. Com exceção das atividades essenciais, todos os serviços devem ser paralisados e a circulação de pessoas deve ser restringida. Essas ações só são possíveis com a garantia de amparo à população trabalhadora. Nada indica, porém, que o governo estadual estaria disposto a mudar a política que vem adotando desde o início da pandemia. 

Privilégios para o andar de cima e ausência de proteção social aos mais pobres

Se, no início da pandemia, Casagrande era considerado gestor responsável pela grande mídia, fazendo, inclusive, duras críticas ao negacionismo de Bolsonaro e mostrando-se muito mais consciente dos perigos que envolviam o coronavírus, passados poucos meses, tudo mudou. Submetendo-se às pressões dos grandes empresários e da extrema-direita, Casagrande começou a reabrir gradualmente os serviços não essenciais, como bares, restaurantes e shoppings, sem a devida fiscalização e controle. Além disso, já em outubro de 2020, atendendo os apelos da educação privada, resolveu também autorizar a reabertura das escolas, mesmo com sérias críticas dos profissionais da educação. O resultado dessas medidas não poderia ser outro além da elevada mortalidade por Covid-19 que vem acompanhando todo o território capixaba desde então. Décimo quarto estado mais populoso da federação, com pouco mais de quatro milhões de habitantes, o Espírito Santo está entre os sete mais mortais por 100 mil habitantes, com pequenas alterações sobre essa posição ao longo da crise sanitária.

Nesse panorama, é evidente que as contaminações e mortes por Covid-19 estão mais aceleradas nos bairros de periferia, atingindo principalmente negros e negras, tendo em vista que desde o início da pandemia o governo não concedeu qualquer proteção social para que a população trabalhadora pudesse realizar o necessário isolamento social. Sempre quando questionado sobre essa situação, Casagrande reafirma que o Executivo estadual não tem capacidade de estabelecer qualquer assistência emergencial aos trabalhadores, uma vez que o ES está “quebrado”, por conta da queda do ICMS e do repasse de royalties de petróleo, devido à pandemia.

Mesmo diante desse suposto cenário de quebra anunciado pelo governador, nada tem sido feito no sentido de aumentar a arrecadação, cobrando daqueles que podem pagar, isto é, o 1% mais rico. Pelo contrário, os privilégios aos empresários continuam a todo vapor sem que haja qualquer contrapartida por parte deles. Exemplo foi a promessa do empresariado de reduzir a superlotação e as péssimas condições dos ônibus, algo que continua ocorrendo em plena pandemia e, mesmo assim, o governo garantiu R$ 200 milhões de subsídios para o sistema de transporte coletivo integrado da Região Metropolitana de Vitória (Transcol). Além dos benefícios aos empresários do Transcol, nada mudou também quanto aos privilégios fiscais concedidos às centenas de empresas e que são mantidos sob sigilo, em descumprimento da Lei de Acesso à Informação. Estima-se que cerca de R$ 6 bilhões por ano deixem de ser cobrados, graças aos programas de estímulo (Invest-ES e Compete-ES). Ainda temos a questão da Lei Kandir, por meio da qual grandes empresas exportadoras e de lucros bilionários como a Vale, a ArcelorMittal, a Suzano e a Samarco seguem sem pagar ICMS, e o Fundap, em que o estado renuncia ao imposto de entrada na importação de produtos. 

Sem mexer no andar de cima, o governo realizou cortes absurdos em políticas sociais que atendem, justamente, à classe trabalhadora. Congelou o salário dos servidores estaduais em troca de um auxílio de R$ 390 milhões do governo federal em forma de ajuda para estados no combate à pandemia. Destaca-se, porém, que diferentemente do que o governo Casagrande divulga, esse auxílio não impede a recomposição salarial, prevista na Constituição.

Unidade na luta por medidas de isolamento rígidas e um programa econômico emergencial 

Os partidos de esquerda, as centrais sindicais, os movimentos populares e coletivos capixabas, reunidos no Fórum em Defesa da Vida das Trabalhadoras e dos Trabalhadores e no Movimento Impeachment Já – ES em Luta [1], mesmo com todas as dificuldades e limites impostos pela pandemia à mobilização social, devem traçar ações possíveis nesse momento. É preciso agir de modo unificado e pressionar o governo Casagrande por medidas rígidas de isolamento para interromper a transmissão do coronavírus. Contudo, não nos serve uma política de administração regional da pandemia que mantenha indefinidamente um alto patamar de mortes diárias. Nenhum país do mundo venceu o coronavírus sem uma política de contenção nacionalmente coordenada, e como não dá para esperar nada do governo genocida de Bolsonaro, Casagrande deve se envolver em uma articulação com os demais governadores para que seja possível um lockdown nacional. O governo estadual também precisa ter maior agilidade na compra direta por vacinas, sem depender do governo federal.

Junto à pressão por medidas mais rígidas de combate à Covid-19, as organizações populares e sindicais devem realizar ações de solidariedade às famílias mais necessitadas e lutar por um programa econômico emergencial que garanta renda básica, a ser concedida pelo governo do estado e pelas prefeituras, para os capixabas que estejam na linha da pobreza e extrema pobreza até que toda a população esteja vacinada. Também é urgente que lutemos pela estabilidade no emprego enquanto durar a pandemia, pela ajuda financeira por meio de empréstimo público a fundo perdido aos pequenos negócios e pela suspensão de aluguéis e contas de água e energia das famílias com renda mensal até três salários-mínimos. 

Não há outro caminho possível para evitar o colapso do sistema hospitalar, mais mortes e ao aumento da miséria e da fome da população do ES. A unidade da classe trabalhadora é imprescindível nesse momento de caos e crise econômica, política, social, sanitária e, por fim, humana.

 

NOTAS

[1] Movimento que conta com a participação de partidos de esquerda, movimentos populares, centrais sindicais e coletivos com o intuito de somar esforços na luta pela volta do auxílio emergencial de R$ 600, vacina para todas e todos e pelo Fora Bolsonaro.